Questão Agrária

Agricultora do Amazonas foge de grileiros há cinco anos

Ameaçada por madeireiros, desde 2009 a agricultora do município de Lábrea (a 702 quilômetros de Manaus), Nilcilene Miguel de Lima, de 47 anos, foge da morte. Ela foi espancada, teve de sair na calada da noite de sua casa, que […]

A agricultura Nilcilene Miguel de Lima na região sul do Amazonas (Foto: Ana Aranha/Agência Pública)

Por Liège Albuquerque Publicado em: 28/10/2013 às 11:58

Ameaçada por madeireiros, desde 2009 a agricultora do município de Lábrea (a 702 quilômetros de Manaus), Nilcilene Miguel de Lima, de 47 anos, foge da morte. Ela foi espancada, teve de sair na calada da noite de sua casa, que foi incendiada, enviou seus filhos para morar com parentes no Acre e se encontra esporadicamente com seu companheiro, entre uma e outra mudança de cidade. Hoje, está em um assentamento do governo federal distante do sul do Amazonas, e teme por seus amigos que continuam por lá e vivem acuados por madeireiros.

“Chegam mais e mais madeireiros e cada vez mais assentados fogem com medo, quando tem para onde ir, ou vivem em vigília com medo da própria sombra”, lamenta Nilcilene.

A agricultura Nilcilene Miguel de Lima na região sul do Amazonas
(Fotos: Ana Aranha/Agência Pública)

A agricultora vive tomando remédios para controlar as crises de pânico e agora está em crise renal, talvez como efeito colateral de tantos traquilizantes. Já deu entrevistas sobre sua saga fílmica a vários veículos da imprensa regional e nacional, como Estadão, A Crítica, Pública, SBT e até BBC de Londres. Mas sua vida continua a mesma: um roteiro de filme de suspense, só que real. Tem a ajuda de um salário mínimo do governo federal, mas quer mesmo é a liberdade de volta. “Eu quero é voltar a trabalhar onde estava, em paz, na minha terra, é tudo o que eu queria”, diz.

Tudo o que Nilcilene não quer é entrar no rol dos marcados para morrer: agricultores que como ela, ficaram “famosos” na mídia, mas continuaram esquecidos pelo poder público e acabaram mortos. Ou aqueles que ficaram famosos depois de mortos, como Chico Mendes (morto em 1988, em Xapuri, no Acre) e Dorothy Stang (assassinada em 2005, em Anapu, no Pará).

“Já vivi sob proteção da Força Nacional (de Segurança, enviada pelo Ministério da Justiça a pedido da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, após solicitação da Comissão da Pastoral da Terra), entre 2010 e 2012, agora não mais. Há pouco tempo me assentaram num programa Terra Legal (por segurança, o portal não revela sua atual localização), que é mais uma piada do governo federal, como toda a política agrária. O ouvidor agrário só ouve, não fala, não dá resposta”, lamenta.

A reportagem procurou o ouvidor-geral agrário nacional, Gersino da Silva Filho, por e-mail e ao telefone, mas sua assessoria informou que ele estaria viajando durante a semana passada. Não houve resposta a solicitação de entrevista ao seu e-mail pessoal.

BOAS INTENÇÕES – Em maio do ano passado, a Anistia Internacional pediu providências imediatas ao Ministério da Justiça e ao governo do Amazonas sobre o caso de Nilcilene. A agricultora agradece as boas intenções dos organismos internacionais e da imprensa. “O governo estadual e o federal não intervém de maneira concreta porque não querem e, se não querem, se tornam cúmplices porque deixam que o sul do Amazonas seja outro Estado, sem lei, com a lei dos madeireiros”.

Nilcilene começou a sofrer ameaças em 2009, quando era presidente da Associação Deus Proverá (Gleba Iquiri, no sul do Amazonas). Uma denúncia anônima levou o Ibama a apreender três motosserras e toras de mogno em uma das grandes serrarias próximas à pequena área onde Nilcilene morava e trabalhava na terra com a família, no fim de 2010. Como ela era presidente da Associação, capangas de madeireiros a espancaram como suposta autora da denúncia. A maior sequela é estar meio surda de um dos ouvidos.

Foi quando começou a fuga sem fim. Depois da surra, Nilcilene buscou ajuda a quem recorre e é ajudada até hoje, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Igreja Católica, que intermediou todos os contatos com o governo federal e estadual. “Ai de mim se não fosse o CPT e ao tempo em que a Força Nacional me fazia escolta”, diz, agora morando longe da área do conflito, mas com a esperança de um dia voltar em um cenário de paz e trabalho.

Reportagem Noticiosa

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