Transtornos mentais de índios na Amazônia

RENAN ALBUQUERQUE Transtornos mentais observados em indígenas na Amazônia brasileira tendem a ser decorrentes de inter-relações e contingências múltiplas, associadas a características do indivíduo (fatores biológicos, genéticos e psicológicos), ambientais (cuidado parental, relacionamentos interpessoais, exposição a eventos estressores) e sociais […]

Por Amazônia Real Publicado em: 04/05/2015 às 14:03

RENAN ALBUQUERQUE

Transtornos mentais observados em indígenas na Amazônia brasileira tendem a ser decorrentes de inter-relações e contingências múltiplas, associadas a características do indivíduo (fatores biológicos, genéticos e psicológicos), ambientais (cuidado parental, relacionamentos interpessoais, exposição a eventos estressores) e sociais (rede de apoio social, vizinhança, nível socioeconômico).

Mas diferente do que ocorre na cultural ocidental, higienista, hospitalar, esquemas interpretativos generalizantes ou universalizantes, ambiciosos em si mesmos, reforçam a cisão entre aquilo que é próprio do conhecimento tradicional — o medicamento simbólico ministrado para as dores da alma —, e do inerente a sociedades não indígenas e principalmente urbanas — o medicamento sintético e direcionado aos órgãos do corpo.

O sistema de imaginação das sociedades indígenas é estranho às populações urbanas ocidentais na medida em que a relação das pessoas com a vida natural (fauna e flora) e seus significados é intermediada pelo não-dito, dentro da perspectiva subjetiva, sem fazer ruptura entre os mundos material e espiritual. A noção branca de que há pessoas sendo aviltadas por doenças tratáveis com medicamentos é reducionista na percepção metasensorial indígena: não abrange a sociedade e as angulações espirituais em níveis múltiplos.

Inclusive a sociedade não indígena cria suas próprias dificuldades quando fomenta a cultura do imediatismo e a rejeição ao que não pertence ao presente das populações ameríndias, que construíram modelos próprios de lidar com o tempo e o domínio do espaço comum. Ao não se alinharem a vicissitudes urbanas, onde domina a cultura massiva, a consequência foi a abertura de precedentes para a originação de déficits de consciência na relação com a realidade, ocasionando quadros de sofrimento mental.

Primeiro, por uma ansiedade gerada não pelo que não se possui, mas porque o objeto de desejo está próximo e cada vez mais outros objetos de desejo são ao primeiro somados e vendidos como bens posicionais. Segundo, devido à inadaptabilidade a novos espaços de convivência a partir de processos migratórios sem planejamento e apoio familiar, social e estatal. Indígenas que se submetem à mudança para a cidade tendem a fragilizar o cuidado parental e ter as condições nutricionais e de habitação pioradas em termos gerais.

Ademais, se fatores socioambientais de toda a sorte tonificam o desenvolvimento de transtornos mentais entre índios na Amazônia brasileira, importa refletir sobre os estados de carência moral das populações tradicionais que saem de suas terras para espaços urbanos, vivenciando transtornos em largo sentido pela fragmentação de experiências de alteridade em sua região natal e pela manutenção viciante da situação de desfiliação espacial na urbe.

Para refletir sobre o processo, é extremamente sugestivo observar a reconfiguração da condição espaço-temporal no bioma, bem como características manifestas adquiridas de modo grosseiro a partir da reformulação da vida dentro de uma sociedade que convive com etnias tradicionais a partir de contatos dispensáveis, utilitários e casuais, e principalmente que investe no isolamento e na discriminação.

* Renan Albuquerque é professor e pesquisador do colegiado de jornalismo da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e desenvolve estudos relacionados a conflitos e impactos socioambientais entre índios waimiri-atroari, sateré-mawé, hixkaryana, junto a atingidos pela barragem de Balbina e com assentados da reforma agrária.

Reportagem Noticiosa

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