Juarez Silva Jr.

O julho da abolição no Amazonas e a estruturalidade

O 10 de julho, data referida e sempre lembrada como a da abolição da escravidão no Amazonas, e com um certo ufanismo por isso ter se dado em 1884, quatro anos antes da Lei Áurea, igualmente traz algumas reflexões sobre […]

Por Juarez Silva Jr Publicado em: 25/07/2022 às 16:32

O 10 de julho, data referida e sempre lembrada como a da abolição da escravidão no Amazonas, e com um certo ufanismo por isso ter se dado em 1884, quatro anos antes da Lei Áurea, igualmente traz algumas reflexões sobre a presença negra no estado. Algumas no sentido de tentar reforçar a histórica negação da presença negra no Amazonas, outras a reconhecer mas minimizar tal presença e outras simplesmente aproveitam a atenção pública para fomentar outros eixos de discussão sobre tal presença e o os corolários dela.

É o caso do presente e rápido texto, no qual aproveito para lançar o convite à reflexão sobre algo que muita gente não percebe ou faz que não e existe ainda hoje na nossa sociedade e nas relações de trabalho e estruturas diversas, em especial de poder, e o Amazonas não está isento.

Durante mais de 350 anos o que hoje chamamos Brasil (a junção das duas ex-colônias portuguesas nas Américas) teve toda ou grandemente a sua economia baseada no trabalho escravo ou compulsório – ou seja, negro, inicialmente indígena, com os “negros da terra”, status depois compartilhado oficialmente com os “negros da Guiné”, os afros, isso até 1755. O decreto pombalino é de 1755. No entanto, só foi publicado no Grão-Pará e Maranhão e ganhou efetividade em 1757 e 1758, quando estendido também ao então ainda separado estado do Brasil. A partir daí a escravidão passa a se aplicar exclusiva e, predominantemente, aos afros por coisa de mais 130 anos.

Com a abolição da escravidão, ou mesmo pouco antes, “descobriu-se” que o Brasil precisava se tornar ‘desenvolvido” e, para tal, e contexto de trabalho remunerado ou melhor remunerado, os negros “já não serviam”, o trabalho deveria passar a ser feito por imigrantes leucodermes (pele de baixa melanina, ou seja “brancos” ) trazidos de longe, preferencialmente Europa. Aliás já tratei do assunto “Política nacional de branqueamento” em um texto de 2006 :

“[..] entre suas ferramentas contava com a imigração europeia massiva e uma abolição da escravidão feita de forma a empurrar os negros para as margens da sociedade, mantendo-os em condições de extrema pobreza até que se extinguissem devido a mortalidade infantil, desnutrição, doenças, mazelas sociais e também através das sucessivas miscigenações, ou seja, até que os negros desaparecessem por completo do cenário nacional…, acrescida de projetos de leis que não permitiam a imigração de africanos nem de afro-americanos, projetos como os apresentados em 28 de julho de 1921 onde Andrade Bezerra e Cincinato Braga, propuseram ao Congresso um projeto cujo artigo 1º dispunha: ‘Fica proibida no Brasil a imigração de indivíduos humanos das raças de cor preta’ , ou ainda o apresentado a 22 de outubro de 1923, no qual o deputado mineiro Fidélis Reis apresentava outro projeto relativo à entrada de imigrantes, cujo artigo quinto estava assim redigido: ‘ É proibida a entrada de colonos da raça preta no Brasil e, quanto ao amarelo, será ela permitida, anualmente, em número correspondente a 5% dos indivíduos existentes no país.(…)’.

Alguns na mesma época chegaram a prever que em 70 anos não haveria mais negros no Brasil, como Carvalho Neto ao declarar: ‘Na fusão das duas raças vence a superior: o negro, no Brasil, desaparecerá dentro de setenta anos.’ Porém, como podemos observar a ideia não deu certo completamente… . [..] o reflexo e tais ideias racistas continuaram influenciando políticas oficiais discriminatórias por um bom tempo, como no caso do Decreto-lei nº 7.967/1945. Cuidando da política imigratória, dispôs que o ingresso de imigrantes dar-se-ia tendo em vista ‘a necessidade de preservar e desenvolver, na composição étnica da população, as características mais convenientes da sua ascendência européia.’ (artigo 2º).” (SILVA JUNIOR, 2006)

Não obstante a tentativa de também aviltar e precarizar o trabalho colono, as elites brasileiras ao longo do tempo não se esforçaram muito e nem lograram controlar ou impedir a mobilidade social dos novos habitantes e seus descendentes. No entanto, se esforçaram bastante em manter a marginalização ou embarreiramento à mobilidade social negra.

Não é difícil observar a estruturalidade na mentalidade e práticas de subalternização e embarreiramento negro e a de “privilégios brancos” na sociedade e instituições brasileiras, mesmo que não declaradas, ou percebidas como “mais do mesmo”.

Por isso é que atualíssimas seguem as constatações do sociólogo argentino Carlos Hasenbalg (1942-2014). E olhe que já estamos a alguma distância temporal e afirmativa de 1979…):

“O racismo, como construção ideológica incorporada em e realizada através de um conjunto de práticas materiais de discriminação racial, é o determinante primário da posição dos não-brancos nas relações de produção e distribuição” (HASENBALG, 1979, p. 114).

“(a) discriminação e preconceito raciais não são mantidos intactos após a abolição mas, pelo contrário, adquirem novos significados e funções dentro das novas estruturas e (b) as práticas racistas do grupo dominante branco que perpetuam a subordinação dos negros não são meros arcaísmos do passado, mas estão funcionalmente relacionadas aos benefícios materiais e simbólicos que o grupo branco obtém da desqualificação competitiva dos não brancos.” (HASENBALG, 1979, p. 85)

Já tinha percebido ou pensado nisso?

Muitos julhos ainda virão? Sem que aquelas belas palavras e simbologias de 1884 sobre igualdade, equidade e eliminação de embarreiramentos e privilégios entre as pessoas “coincidindo” com suas cores se efetivem na prática nas mais diversas situações e instituições?

As imagens que ilustram este artigo são de autoria do norte-americano Walter Hunnewell e foram feitas em Manaus no ano de 1865 por conta da expedição do casal Louis e Elizabeth Agassiz, pela Universidade de Harward e tinham caráter de um estudo de eugenia. Louis Agassiz era contra a teoria da evolução das espécies de Darwin e hoje suas teorias sobre a “degeneração da espécie humana” por conta da miscigenação são mais que ultrapassadas, graças a Exú.

Referência:

HASENBALG, Carlos. Discriminação e Desigualdades Raciais no Brasil. Rio de Janeiro, Graal, 1979.

SILVA JUNIOR, Juarez Clementino da. “Não queríamos ser racistas: uma reação aos que insistem em dizer que não somos uma nação com problemas de cor“. 2006. Acesso em: 25 jul. 2022.

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Manaus (AM)

Juarez Silva Jr

Juarez Silva Jr. é um ativista, escrevinhador digital e apaixonado pela Amazônia, radicado em Manaus desde 1991. Tem graduação em Processamento de Dados pela Universidade de Taubaté, em São Paulo. Trabalhou e lecionou diretamente na área de tecnologia da informação por duas décadas, migrando para a área de Educação a Distância na qual é especialista pela Universidade Católica de Brasília. Também é Mestre em História pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Atua nos movimentos de negritude e é estudioso da temática e história das relações raciais e cultura afrobrasileira e africana, movimentos sociais e Direitos Humanos. Foi conselheiro estadual de Direitos Humanos e é servidor público de carreira. Escreve sobre tecnologia, história, relações raciais, atualidades, sociedade e cultura.