Idealizador do Movimento Roraimeira, Eliakin dedica novo livro ao público infanto-juvenil

Por Amazônia Real Publicado em: 12/04/2016 às 18:48

O autor de “Cavalo Selvagem” diz que o propósito do livro de poesia é educar as novas gerações com o amor por Roraima. (A foto acima é de Jorge Macêdo)

Janaína Souza, especial para Amazônia Real

De Boa Vista (RR) – O poeta, cantor e compositor Eliakin Rufino vai completar 60 anos no próximo mês de maio com seu estilo único de unir palavras do vocabulário indígena e transformá-las em poesia e música para valorizar a cultura e identidade de Roraima, no extremo norte do Brasil. “A arte me remoça, o amor me rejuvenesce”, diz o poeta rindo com seu largo sorriso e jeito de menino.

Quem faz aniversário é Eliakin, mas quem ganha o presente é o público infanto-juvenil. Eliakin lançou este mês “Cavalo Selvagem”, que traz ilustrações do artista plástico amazonense Aníbal Turenko Beça. Segundo o autor, o livro tem o propósito de divulgar o Movimento Roraimeira, idealizado por ele em 1984.

“O propósito do Roraimeira é educar desde o berço, enquanto crianças e adolescentes, para que essas gerações já cresçam com amor por Roraima, naturalmente orgulhosos de serem roraimenses”, diz.

Eliakin nasceu em Boa Vista dia 27 de maio de 1956. Mora em uma casa às margens do Rio Branco, principal rio do Estado de Roraima. O Movimento Roraimeira se tornou a expressão cultural amazônica reconhecida por cientistas sociais como um dos expoentes máximos na construção da identidade roraimense, que uniu artes plásticas, dança, literatura, culinária, fotografia e música.

O movimento foi fortalecido com a participação dos cantores e compositores Neuber Uchôa e Zeca Preto, que junto com Eliakin formaram o “trio” Roraimeira, com forte influência do Modernismo e Tropicalismo, contribuíram para a construção da identidade do povo de Roraima. É deles sucesso como Makuanimando (de autoria de Neuber e Zeca), Roraimeira (Zeca), Cidade do Campo (Eliakin e Armando de Paula).

Eliakin também é autor da música “Mosquito da Malária”, que fala do desmatamento da floresta. “A floresta amazônica não está virando palha. O mosquito continua desempenhado seu papel de defensor da floresta. E agora não está mais sozinho. Cresce em toda a região amazônica o número e a atuação de pessoas, grupos, associações, empresas e comunidades focadas no eco-desenvolvimento e na sustentabilidade”, diz.

Elaikin é autor também de livros como Pássaros Ariscos (1984), Brincadeira (1991), Versão Poética do Estatuto da Criança e do Adolescente (1995), Haikai (2010), Cavalo Selvagem, Antologia (2011), além de poemas publicados em antologias e sites de poesia nacionais e internacionais. Gravou os discos com o trio Roraimeira: Roraima (1992), Roraimeira que foi o primeiro CD gravado ao vivo em Roraima, Amazônia Legal (1997), O Canto de Roraima e suas Influências Indígenas e Caribenhas (2000). O Canto de Roraima (2009), patrocinado pelo projeto Pixinguinha (Funarte); Roraimeira 30 anos (2015). Na carreira solo gravou: Me Toca (98), Eliakin em Porto Alegre ao vivo (2006), Mestiço (2008) e Eliakin Diz (2011).

Nesta entrevista exclusiva à Amazônia Real o poeta fala sobre seu novo livro, sobre o legado do Movimento Roraimeira, do racismo contra os indígenas e da política atual brasileira.

Eliakin no mercado público Feira do Produtor, em Boa Vista. (Foto: Jorge Macêdo/AmReal)

Amazônia Real – O movimento Roraimeira comemorou em 2014, 30 anos. Qual a importância desse movimento para os dias de hoje?

Eliakin Rufino – Realmente, nós comemoramos os 30 anos da melhor forma, com um show musical. A importância é que nós conseguimos, sim, ajudar na construção de uma identidade do povo de Roraima que é um povo muito diversificado, brasileiros de todas as partes do País e mais duas fronteiras internacionais, uma de língua inglesa (Guiana) e uma de língua espanhola (Venezuela). Mesmo com toda essa diversidade cultural, nós conseguimos algo impensável e que parecia, no primeiro momento até impossível, que era esboçar uma fisionomia cultural para o nosso povo, e eu creio que em 30 anos nós conseguimos esse objetivo.
Hoje, os poemas são utilizados nas escolas, caem em concursos públicos e vestibulares. As músicas são executadas pelas orquestras do Exército, polícia, prefeitura etc. A música Roraimeira, por exemplo, que deu o nome ao movimento e é de autoria de Zeca Preto foi recentemente considerada como hino informal de Roraima. A música Makunaimando do Neuber Uchôa e Zeca Preto foi tombada como patrimônio cultural do Estado junto com meu poema Cavalo Selvagem no ano de 2008 pela Assembleia Legislativa. Dessa forma, nós construímos uma referência para o povo daqui. A importância é essa, ter ajudado a construir o conjunto das identidades culturais de Roraima.

Amazônia Real – O trio Roraimeira, criado por você, Neuber Uchôa e Zeca Preto, até hoje é convidado para eventos fora do estado. Como você avalia tudo isso?

Eliakin – O show Roraimeira, por si só, é um show de divulgação turística de Roraima, porque nós abordamos nesse show aspectos estéticos do estado. Não é um show político, não tem música crítica ou de protesto. O Roraimeira é um show que contribui para a indústria da cultura e do turismo do estado.

Amazônia Real – Quais as músicas mais marcantes nessa época?
Eliakin – Makuanimando (Neuber Uchôa e Zeca Preto), Roraimeira (Zeca Preto), Cidade do Campo (Eliakin e Armando de Paula), enfim, são muitos discos. Só com o trio Roraimeira são quatro discos em 30 anos, e individuais uma média de cinco discos solo de cada um. Foram gravados 19 discos, uma média de 10 músicas em cada um. Quase 200 músicas gravadas que a gente ressalta uma e outra, mais na verdade a população é quem escolhe a que mais se identifica.

Amazônia Real – E os poemas?

Eliakin – Os poemas eram declamados durante o intervalo de cada música. Foram vários, como Sol de Verão, Miragem, Cavalo Selvagem, Buritizeiro, e que hoje são conhecidos, muitos estão nas escolas, nos murais, recitais etc. Eu penso em voltar com esses shows porque as pessoas pedem os poemas. Essa arte de dizer poemas está cada vez mais rara, já não se encontra pessoas “dizedoras” de poemas.
Recentemente, fomos convidados para levar o show roraimeira para Curitiba, em maio, no Espaço Cultural da Caixa Econômica Federal. O Neuber e Zeca compõem tocam e cantam, então, para que eu não fique totalmente fora das músicas vou cantar uma música com cada um, composta em parceria com eles, mas agora volto como o antigo Roraimeira dizendo os poemas para a plateia, no intervalo das músicas.

Eliakin na Feira do Produtor, em Boa Vista. (Foto: Jorge Macêdo/AmReal)

Amazônia Real – Você acredita que com o surgimento do movimento mudou a forma de pensar da população que vive em Roraima?

Eliakin – Com certeza mudou, por exemplo, nós é que lançamos a paçoca de carne de sol com banana que nem era vendida na rua. As pessoas faziam para o consumo em casa no pilão. Hoje, a paçoca com banana é vendida no meio da rua, tem gente que sai de bicicleta vendendo paçoca.
A própria damurida que é um prato indígena, um caldo apimentado de peixe ou carne de caça, foi apresentada nessa época. Publiquei um artigo sobre a damurida no livro da Eletronorte em 2005, e comecei a fazê-la nos shows. Hoje as pessoas convidam umas as outras e o prato principal a ser servido é a damurida.
Recentemente comecei a confeccionar roupas para os shows, com os cavalos selvagens bordados, buritizeiros, e outros ícones do Estado. O roraimeira também lança moda (risos).
Como diz Tiago de Melo “Não existe caminho novo, o que existe de novo é o jeito de caminhar”, então o Roraimeira é um jeito de caminhar que já era nosso, mas que faltava aprimorar.

O poema Cavalo Selvagem, tema do seu novo livro, surgiu com o Movimento Roraimeira, agora virou livro. Em 2008, o poema foi tombado como referencial artístico-cultural na emenda à Constituição do Estado que designou os patrimônios históricos, artísticos, sociais, turísticos, ambientais e culturais roraimenses. Conta um pouco desse novo trabalho.
Escrevi o poema Cavalo Selvagem em 1989, comecei a divulgá-lo a partir de 1991 e ele está presente em discos, livros, mas as pessoas sempre me pediam – “Eliakin eu quero só o poema do Cavalo”. Então fiz um pôster ilustrado pelo artista plástico Elieser Rufino, com fotografias de Jorge Macêdo, porém eu queria fazer um livro só para ele. Agora, isso se concretizou com auxilio da lei estadual de incentivo a cultura que permite que você possa captar recursos junto ao empresariado.

O livro foi publicado pela editora Valer que é do Amazonas e está bem bonito, tem capa dura e papel especial. Eu costumo dizer que é um livro de luxo, pois o leitor merece um livro assim. Convidei o ilustrador amazonense Turenko Beça para dar uma linguagem infanto-juvenil, para justamente continuar nesse propósito do Roraimeira, que é educar desde o berço, enquanto crianças e adolescentes, para que essas gerações já cresçam com amor por Roraima, naturalmente orgulhosos de serem roraimenses.
Eu penso em fazer a mesma publicação infanto-juvenil, mas só trocando o idioma, já tem uma tradução para o inglês, espanhol e francês, mas agora recentemente tem uma pessoa interessada em fazer para a língua sueca.
Fiz o lançamento dia 14 de março, dia da poesia, no Palácio da Cultura, e agora estou fazendo sucessivos lançamentos em livrarias da cidade, além de vários espaços como escolas, universidades, praças públicas. Esse cavalo ainda vai ganhar o mundo (risos).

Amazônia Real – Sua música “Pimenta com Sal” foi gravada por Gaby Amarantos em dueto com Fernanda Takay e fez muito “frisson”. O que você achou dessa gravação?

Eliakin – Achei ótima, fiquei muito feliz porque a Gaby leva Pimenta com Sal para o Brasil todo. A cantora Márcia Novo que é uma cantora de Parintins e mora hoje em São Paulo também gravou Pimenta com Sal. Cinara Nere também regravou a Pimenta e Lucilene Castro gravou Loira Linda. São sucessivas as gravações da minha obra.
Eu quero lançar um disco com músicas de minha autoria que já foram gravadas por outros artistas, porque já dá até mais do que um disco, mas quero fazer um inicialmente com 14 faixas e depois outro com mais 14. Eu sou um dos compositores mais gravados da Amazônia, por exemplo, em Belém, pela Lucinha Bastos, Marco Monteiro e Nilson Chaves. No Amazonas pelo Cileno, Eliana Printes, Netinho Solimões, dentre outros.

Amazônia Real – A composição que você escreveu sobre o Mosquito da Malária, que na letra diz que é ele quem defende a Amazônia, “se não foi esse mosquito, a floresta virava palha”. A floresta hoje está virando palha. O homem venceu o mosquito com relação a devastação da floresta?

Eliakin – A floresta amazônica não está virando palha. O mosquito continua desempenhado seu papel de defensor da floresta. E agora não está mais sozinho. Cresce em toda a região amazônica o número e a atuação de pessoas, grupos, associações, empresas e comunidades focadas no eco-desenvolvimento e na sustentabilidade. A perseguição ao mosquito, porque ele é perigoso para os seres humanos, é equivocada. O que deve ser combatido com rigor na Amazônia é o desvio do dinheiro público. Quem rouba o dinheiro público mata mais que o mosquito.

Amazônia Real – A pesquisa que você faz sobre a arte e cultura indígena estão digitalizadas em suas composições. Essa influência é muito forte e é uma defesa da cultura dos povos indígenas. Mas, você vive num Estado em que grande parte da população nutre um racismo contra os índios por causa das demarcações das terras. Como o se depara com essa questão do racismo?

Eliakin – Minha condição existencial de artista, roraimense e descendente indígena me obrigou naturalmente a tomar uma posição em favor da promoção da igualdade racial nas terras de Makunaima. Há um racismo exagerado por parte das elites políticas e econômicas associadas ao agronegócio. Sou um artista engajado na defesa dos direitos humanos e na garantia de vida dos povos originários.

Eliakin na orla Taumana, na capital. (Foto: Jorge Macêdo/AmReal)

Amazônia Real – O Brasil vive um momento político dramático com os casos de corrupção investigados pela Polícia Federal e um processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Como o senhor avalia esse momento do Brasil?

Eliakin – Momento político dramático foram os 20 anos de ditadura militar. Há um exagero proposital, vingativo e maldoso por parte dos que perderam a eleição. Não vai ter golpe!

Amazônia Real – Você vai fazer 60 anos de idade, mas tem um sorriso de menino. As cores de suas roupas lhe dão uma jovialidade. Como é o estilo do Eliakin Rufino?

Eliakin – O meu estilo é ser articulado. A arte me remoça, o amor me rejuvenesce (risos).

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Amazônia Real

A agência de jornalismo independente e investigativo Amazônia Real é uma organização sem fins lucrativos, criada por jornalistas mulheres em 20 de outubro de 2013, em Manaus, no Amazonas, Norte do Brasil. Sua missão é fazer jornalismo ético e investigativo, pautado nas questões da Amazônia e de seu povo. A linha editorial é voltada à defesa da democratização da informação, da liberdade de expressão, da liberdade de imprensa e dos direitos humanos. ([email protected])