Risco de desmoronamento da orla de Parintins

Por Amazônia Real Publicado em: 12/09/2016 às 18:39

Renan Albuquerque, Dener Albuquerque, Rozenilce Santos e Eliomara Rodrigues

Parte da orla do município de Parintins (a 369 quilômetros da capital, Manaus) se encontra interditada há pelo menos seis meses em virtude do desabamento parcial do muro de arrimo. Segundo o comandante da Capitania dos Portos, capitão-tenente Marcelo Barrios, as fiscalizações se intensificaram e por isso foram cobradas interdições em áreas que apresentem riscos. O comandante disse ainda que a maior parte orla continuará interditada até que a Prefeitura de Parintins destaque alternativa de revitalização e comprove o trabalho de recuperação. O trecho mais crítico está situado em frente ao conhecido bar “Comunas”, no centro da cidade, e grande parte da rua Armando Prado, nas proximidades da sede da Colônia de Pescadores.

Embora o problema do desmoronamento pareça atual, a situação é conhecida há vários anos no município. Em novembro de 2010, os geólogos Hugo Gláucio e Elton Andretta, do Serviço Geológico do Brasil (sigla CPRM), concluíram o laudo “Diagnóstico das Áreas de Risco Localizadas ao Longo da Orla do Município de Parintins”, visando atender à solicitação de técnicos da Defesa Civil Municipal na época, os quais comunicaram sobre o estado de emergência em que se encontrava parte do beiradão de Parintins. Naquele período, as áreas mais afetadas eram a região do matadouro, as intermediações da “Praça Digital”, a rua Armando Prado e também o porto Paulo Neto, onde ainda hoje as atividades encontram-se paralisadas.

O laudo teve como objetivo estabelecer referências técnicas que permitissem a implementação de ações estruturais, não estruturais e escorregamentos para reduzir e controlar situações de risco geológico associadas a alagações e solapamentos das margens do rio, principalmente no que concerne ao fenômeno das “terras caídas”, que ocorre ao longo do Baixo Rio Amazonas. Tal fenômeno ameaça a segurança dos moradores localizados nas respectivas margens ou em assentamentos precários existentes em seu território.

No dia 9 de março deste ano, parte da estrutura de contenção da área do muro de arrimo se rompeu, com queda de aproximadamente 3 metros de barreira em decorrência da chuva. No mesmo período, veio a Parintins o secretário adjunto da Defesa Civil do Estado, Hermógenes Rabelo, para inspecionar a orla da Ilha Tupinambarana.

Em entrevista ao blog do jornalista parintinense Jonas Santos, Hermógenes Rabelo afirmou ter notado risco iminente de mais desmoronamentos no local. Segundo ele, é necessário elaborar laudo técnico sobre problemas e danos sofridos, para em seguida encontrar solução corretiva. Ele adianta que o ponto agravante identificado pela equipe foi relacionado à infiltração no local, desestabilizando o solo e induzindo ao desmoronamento.

Apesar do laudo técnico concluído há seis anos, com diversas recomendações e possíveis soluções para que a situação não se encontrasse no atual estado caótico, percebe-se o descaso por parte das autoridades competentes em resolver o problema.

Apesar do desabamento ocorrer por conta do fenômeno natural das “terras caídas”, tem sido algo muito comum durante esse ano essas regiões apresentarem riscos. Sobretudo porque a construção do muro de arrimo na frente da cidade ter sido realizada de maneira fragmentada, ao longo dos anos, durante as gestões dos ex-prefeitos Gláucio Goncalves (1988 -1988), Eneás Goncalves (1989-1992 e 2001 a 2004), Raimundo Reis (1993 -1996) e Bi Garcia (2005-2008).

Cada administração construiu partes da extensão muro, o que tem importância significativa para o município, mas não se chegou a resolver o problema e cada vez mais à frente da ilha (um dos cartões postais do Estado em função da festa do boi-bumbá) vem sendo reduzida devido ao constante volume de terras desbarrancando.

O fenômeno “Terras Caídas”

Fenômeno de “Terras caídas ” no Rio Amazonas (Foto: Marcelo Barrios)

De acordo com geógrafo Camilo Ramos, doutor em Geografia Física pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), o fenômeno “Terras Caídas” é uma dinâmica natural e frequente na região amazônica. Segundo Camilo Ramos, o rio Amazonas é recente e suas margens de um lado e de outro possuem terras de várzea.

O fenômeno pode ser caracterizado por desprendimentos de blocos maciços sob a forma de prismas colunares em falésias de barracas fluviais, e tais deslocamentos podem ser decorrentes de gretas de contração (mud cracks) conforme seus regimes sazonais. Após as cheias, são depositadas camadas de sílto-arenoso; durante a vazante, com o ressecamento e o fendilhamento desses depósitos de várzea fluvial, perde-se a sustentação e há o desprendimento dos barrancos.

Segundo o geógrafo, a ilha de Parintins ou o arquipélago da cidade, como denominou, é formado por várias ilhas localizadas nos bairros de Santa Clara, Santa Rita, Centro, Palmares e parte da Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Essas ilhas foram unidas através de aterro e algumas através de pontes, formando assim uma só ilha.

Geologicamente, a ilha de Parintins perde terras decorrentes da pressão hidráulica do próprio rio Amazonas. A velocidade do rio é em torno de 7km/h e essa pressão hidráulica faz perfuração por baixo da terra, o que se denomina de solapamento. Então, a parte superior da terra não tendo resistência tende a desmoronar.

Na década de 1950, a gestão municipal retirou uma proteção natural, um grande bloco de rochas lateríticas, do solo da ilha, transportando-o para a construção da frente da cidade. Permitiu-se, a partir daí, um avanço da erosão fluvial. Depois, em razão desse erro técnico, houve a exigência de se fazer um muro de arrimo na cidade, sendo que esse muro foi construído em forma de gravidade, verticalmente. Para Camilo Ramos, deveriam ter feito perfurações e verificar a fundação mais profunda, até atingir a rocha, e somente depois se faria o muro. Mas não foi isso o que ocorreu.

O professor afirma também que o muro de arrimo deveria receber manutenção anual, ou pelo menos um acompanhamento durante os períodos da vazante e da cheia, para se observar a localização da parte suspensa e dispor calços de concreto ou rochas que dessem sustentação e segurança.

“Deveria haver uma soma de estudos com profissionais das áreas de engenharia civil, engenharia ambiental, geólogos e geógrafos, tendo em vista a elaboração de pesquisas multidisciplinares, inclusive para se notar a dinâmica de velocidade, a pressão hidráulica fluvial e pluvial do rio e da chuva”, concluiu Camilo.

Engenharia

O engenheiro Mateus Assayag explica a necessidade do serviço de manutenção no muro de arrimo da orla de Parintins. “Nessa área, é extremamente necessária que seja feito a ação. Uma necessidade é o chamado enrocamento. É uma proteção da base do muro com pedras, e há cinco anos aquele local não recebe nenhum tipo de serviço”, afirma.

Segundo ele, a água corrói a terra por baixo do muro até descalçá-lo. O tipo de muro da orla da cidade é chamado, na engenharia civil, de “muro de gravidade” ou “muro de peso”, e por isso não tem fundação profunda, é somente apoiado em cima da terra com seu peso. Ele explica que, sem sustentação, naturalmente vai quebrar porque não tem armadura e nem ferro.

O engenheiro recomenda a manutenção anual nos drenos da construção. Ele afirma que todos os anos, havendo uma vistoria efetiva e se verificando onde há pontos com necessidade de ajuste, a prevenção de acidentes estaria garantida. “O dreno do muro é justamente para tirar a água que fica pesando no muro. Então se os drenos estiverem funcionando, essa água não fará peso. Porém, deve se fazer manutenção”, explica Mateus, indicando que o atual período de seca do rio, em que o muro fica totalmente fora d’água, é propício para realizar o serviço.

Inércia

Orla de Parintins (Foto: Marcelo Barrios)

“Toda obra tem uma vida útil, mesmo essa orla de Parintins sendo uma das obras mais bonitas da cidade precisa de reparo e manutenção. As autoridades sabem da necessidade desse serviço, sendo um processo demorado e caro. Nossos governantes ficam apenas no campo das ideias e da discussão, em que se fala muito e age pouco”, avaliou o professor Márcio Miranda, especialista na área de conservação ambiental e da terra.

O professor relatou que chegou a observar tentativas de manutenção em uma parte comprometida há aproximadamente sete anos. Na oportunidade, realizou-se escavação não planejada, a qual segundo ele pode ter contribuído para a queda de uma lombrigueira (árvore centenária) existente próximo ao local da obra. O estudioso acredita que o fato de se ter mexido na terra, naturalmente fragilizou o solo. “Considero o problema como uma irresponsabilidade social. Os governantes não se preocupam com a manutenção das obras e isso prejudica o meio ambiente”, criticou.

Para Márcio Miranda, não se tem uma medida prática, nem posições concretas se há recursos para uso nessas obras de manutenção do muro de arrimo, ou qual a rubrica orçamentária que pode financiar a ação. “É preciso a ação nas três esferas. O município sozinho talvez não tenha condições. Dessa mesma forma o Estado também não as tenha nesse momento financeiro crítico, mas o governo federal possui”, afirma o professor.

Avaliação Técnica

O laudo realizado pelos geólogos Hugo Gláucio e Elton Andretta abrange o levantamento de dados, objetivando identificar possíveis novos processos de instabilidade relacionados à obra. Foram determinados modelos de instabilidade predominantes, delimitados e caracterizados os setores de riscos, tendo como consequência a elaboração dos mapas de risco ao longo da orla municipal.

Um quadro foi elaborado para delimitar o grau de risco de ocorrência de processos de instabilizacão (escorregamentos das encostas ao longo do rio), destacando-se os setores de graus de risco. A avaliação técnica aponta as áreas de risco, descrevendo previsões e sugestões para minimizar o problema. O diagnóstico considera a validade temporal durante vistorias no período.

Foram recomendadas intervenções estruturais nas áreas determinadas como de alto risco (R4). Todas as áreas desprovidas de muros de contenção necessitam de uma estrutura capaz de amenizar esses impactos causados pela força do rio, considerando o fato das áreas apresentarem risco eminente de desmoronamento.

O relatório apresenta inúmeras sugestões em caráter preventivo para amenizar prejuízos maiores, entre elas a retirada de famílias situadas em todas as áreas desprovidas de muros de contenção e indicadas em vermelho no quadro a seguir (tabela 1), até que estudos geotécnicos comprovem a estabilidade do talude e sejam realizadas obras eficientes.

Dentro desse processo de diagnóstico sugestivo, o laudo indica a necessidade da realização de estudos geotécnicos por meio de empresas especializadas para determinar a estabilidade dos taludes e das encostas naturais situadas ao longo da orla, de forma que esses estudos sirvam para embasar futuras intervenções estruturais.

O laudo recomenda para que se organize o fluxo de carga e descarga de mercadorias da cidade nos portos, visto que, em comparação com demais áreas, possuem esses locais atualmente as condições de menor risco (R1) para a realização de tais atividades. É apontada ainda a necessidade da reforma de estruturas existentes e construção de novas rampas e vias que assegurem o fluxo e o acesso seguro dos pedestres das embarcações.

No que diz respeito ao saneamento básico, recomenda-se a reforma do sistema de esgoto sanitário das intermediações dos locais críticos, considerando normas e padrões técnicos para a respectiva intervenção estrutural, de modo a evitar focos de erosão e garantir condições sanitárias satisfatórias.

As ondas de seis metros

Vista do Rio Amazonas ( Marcelo Barrios)

Em março de 2007, na comunidade do Saracura/Costa da Água, na zona rural de Parintins, um forte desmoronamento causado pelo fenômeno terras-caídas provocou ondas de aproximadamente seis metros de altura, afetando cerca de 130 moradores e destruindo plantações.

Segundo relatório do Serviço Geológico do Brasil elaborado na época, o evento na comunidade Saracura/Costa da Águia, localizada a 35 km da sede de Parintins, não foi episódico. Foi designada equipe para o local com a finalidade de avaliar a situação de risco, causada pelo fenômeno do desbarrancamento.

Na época, assim como hoje, a erosão fluvial associada à dinâmica do rio causou o abatimento de camadas e sedimentos da base para o topo dos barrancos, provocando na superfície do rio ondas de aproximadamente seis metros de altura e acarretando em uma série de consequências, tais como 130 pessoas atingidas, desaparecimento de um agricultor, 32 casebres localizados à margem do rio parcialmente destruídos e perda de mais de 20 hectares de malva.

Apoiando-se em estudo realizado pelo professor José Alberto Carvalho, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), a equipe destinada na época ao local teve base para interpretar o fenômeno. Dentro dessa complexidade necessária para o entendimento, observou-se no caso da Comunidade do Saracura ao todo a queda de mais de 2,4 quilômetros quadrados de terra.

A investigação apontou que outros fatores teriam influenciado no desencadeamento do evento, como a presença de um paleoparaná (área nativa no leito do rio muito antiga e profunda), que durante enchentes anteriores já havia erodido parte das margens da área. Outro fator destacado foram os impactos constantes das ondas provocadas pelo vento, por embarcações e navios de grande porte.

Após 22 dias na comunidade do Saracura/Costa da Águia, a equipe constatou que a variação hidrodinâmica, a profundidade de 60 metros do paleoparaná e a maior velocidade do rio devido estreitamento da calha foram fatores que desordenaram as áreas. Geólogos apontaram que esse estudo poderia ser estendido a outras localidades, tendo em vista prevenir o evento. Sugeriu-se que municípios ribeirinhos fossem mapeados tendo em vista as áreas de risco, onde se encontra a população.

Medidas de Prevenção

Fenômeno atinge a orla de Parintins ( Marcelo Barrios)

A Agência Fluvial de Parintins realizou em junho deste ano reunião com autoridades com intuito de alertar à sociedade parintinense sobre a situação em que se encontra a orla fluvial do município, após as interdições ocasionadas por desbarrancamentos e estruturas condenadas.

A orla também é utilizada pelas embarcações para sua atracação, principalmente no período do Festival folclórico de Parintins. Com as interdições da Praça Digital até a Praça Judith Prestes, barcos ficaram impedidos de abarrancar no perímetro, e caso ocorram tais atividades proprietários das embarcações serão notificados e retirados do local.

Segundo o capitão da Agência da Marinha local, Marcelo Barrios, a Marinha do Brasil tem monitorado as áreas comprometidas, e se necessário oficializa à Prefeitura Municipal, que é a responsável pelo serviço de manutenção.

Entretanto, desde o mês de março, período em que ocorreu o desabamento de boa parte do muro de arrimo e quando houve o incidente na Saracura/Costa da Águia, nenhum plano ou projeto de recuperação das áreas foi apresentado, ainda que o período para fazer qualquer tipo de serviço seja indicado.

Dener Albuquerque, Rozenilce Santos e Eliomara Rodrigues são alunos de Comunicação Social da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), em Parintins.

Renan Albuquerque é professor e pesquisador do colegiado de jornalismo da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e desenvolve estudos relacionados a conflitos e impactos socioambientais entre índios Waimiri-Atroari, Sateré-Mawé, Hixkaryana, junto a atingidos pela barragem de Balbina e com assentados da reforma agrária.

Reportagem Noticiosa

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