O complexo da Ponta Negra

Por Amazônia Real Publicado em: 27/12/2013 às 00:47

MARCELO SERÁFICO

Na manhã do dia 26 de dezembro fui com meu filho de dois anos à Praia da Ponta Negra, agora convertida em complexo turístico. Jogamos bola e ao nos dirigirmos às negras águas do rio, defrontamo-nos com uma cena impressionante: a areia da praia adornada, como se fosse uma árvore de Natal, por enfeites de vidro, plástico e papel.
Armado de um saco de lixo, pus-me a limpar a área em que ficaríamos, observando, algo inquieto, outros banhistas acomodados entre a areia e os restos, alguns navegando no mundo virtual de seus telefones celulares, mergulhados no lixo.

Caímos n’água. De lá tentei entender a cena que me atordoava. Dividindo espaço com nossos pés e os grãos de areia, estava toda uma civilização. Garrafas plásticas e de vidro; fraldas descartáveis; os inconfundíveis saquinhos de din-din; copos descartáveis; enfim, nas areias artificiais da Ponta Negra – drenadas de algum lugar (que IBAMA e IPAAM certamente sabem qual foi) e trazidas para lá por máquinas que a tudo transformam, restava boa parte do que chamamos de industrialização.

Éramos nós e o lixo. Enquanto eu observava me fazia várias perguntas. Por que tanta sujeira? De quem é a responsabilidade? E essas pessoas, famílias, que dividem o espaço com os restos dos outros sem sinal de desconforto? Terá o lixo transbordado? Terá sido lançado ao chão pelo vento? Terão os frequentadores jogado o que não mais queriam nas areias em que se divertiam?

As respostas vinham. Desde as mais óbvias e superficiais – o Povo é mal educado – até as mais politicamente motivadas – a Prefeitura não cumpre com sua função. Mas seria injusto afirmar que uma população que não é atendida por serviços de coleta e tratamento de esgoto nem, em muitos casos, por coleta regular de lixo é a responsável pela sujeira do mais importante balneário público da incensada região metropolitana da capital de si mesma, Manaus. No máximo, pode-se dizer que o hábito de fumar cachimbo entortou a boca, ou melhor, que quem é obrigado a viver em condições sanitárias precaríssimas acaba considerando-as naturais, tanto quanto são rios e praias. Tampouco seria correto responsabilizar a Prefeitura pela exposição pública dos restos da civilização. Há em toda a extensão da praia latas de lixo, pequenas e cheias, é verdade, mas há.

Foi em meio a essas, digamos, reflexões, que uma família de três pessoas chegou e se instalou ao lado do minifúndio por mim delimitado. O pai, afoito, tirou a camisa e, percebendo a presença de uma garrafa de vodka próxima da área que escolhera para aboletar-se, tomou-a pelo gargalo e sem titubear, num ato de quase bravura, arremessou-a. E arremessou-a justamente no “meu” cantinho, naquele nicho de ilusão de limpeza.
Que diabos era aquilo? Afinal, a cinco metros de distância aquele senhor teria encontrado uma lata de lixo. Aliás, foi no rumo dela que ele fez seu ousado, porém frustrado, arremesso. Sorte da lata, azar da areia que ficou com a garrafa vazia.

Eu era apenas susto. Já não me perguntava mais nada. Só que o desfecho ainda estava por vir. Enfrentando intrépido as marolas do Negro, o senhor, que não tinha cinquenta anos, aproximou-se de mim e comentou: “A praia tá ótima, só falta melhorar esse lixo!”.

Minha perplexidade aumentou. Não entendi exatamente o que ele quis dizer com “melhorar o lixo”, se se tratava de acabar com a sujeira ou de distribuí-la de outra forma, como me fez supor seu gesto inicial.
O fato é que complexo é o problema sanitário de Manaus, muito mais complexo do que a Ponta Negra e dificilmente se vai compreendê-lo e resolvê-lo sem que a cidade seja feita para quem nela habita, não para visitantes.

Reportagem Noticiosa

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1 Comentário

ivone leite disse:

28/12/2013 às 11:58

Compartilho da mesma causa, as pessoas veem no estado a obrigação de limpar seu lixo. Já ouvi justificativa que se não houver lixo não há serviço para gari, me ative a imaginar tamanha estupidez, juntei a lata de alumínio do chão e coloquei na lixeira, o sujeito tão somente riu. Um ato pequeno mais que causa uma grande diferença se todos colaborarem.

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