Política

Autor da picho “Morte aos Gays” na UFAM ficou IMPUNE

Na fotografia, alunos fazem protestos contra a LGBTfobia dentro do campus universitário (Foto de divulgação) O estudante de jornalismo Fernando Bezerra Mendonça, aluno da Universidade Federal de Roraima (UFRR), com uma passagem de dois semestres na Universidade Federal do […]

Protesto contra a LGBTfobia na UFAM em 201 (Foto cedida por Patrícia Melo)

Por Fernando Bezerra Mendonça Publicado em: 17/05/2018 às 13:39

Na fotografia, alunos fazem protestos contra a LGBTfobia dentro do campus universitário (Foto de divulgação)

O estudante de jornalismo Fernando Bezerra Mendonça, aluno da Universidade Federal de Roraima (UFRR), com uma passagem de dois semestres na Universidade Federal do Amazonas (UFAM) dentro do programa Mobilidade Acadêmica entre os anos de 2016 a 2017, participou do Treinamento em Jornalismo Independente e Investigativo da Amazônia Real. Para concluir o período do estágio com uma reportagem especial, ele apresentou à redação uma pauta sobre o caso de LGBTfobia contra estudantes dentro do campus da UFAM. A reportagem a seguir é resultado de entrevistas com alunos, professores, funcionários e ativistas que repudiaram o caso “Morte aos Gays”. A agressão repercutiu para além dos corredores da universidade, em Manaus, mas não chegou a ser investigada pela polícia, o que tornou o responsável pelo caso de homofobia impune até os dias atuais.

Ao encontrar o picho no banheiro, Walter Junior protestou nas redes sociais, dando visibilidade ao caso

13 de janeiro de 2017. Dentro das dependências do Instituto de Filosofia, Ciências Humanas e Sociais (IFCHS, sigla que substituiu a antiga ICHL) da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), na zona leste de Manaus, um aluno vai ao banheiro e se depara com uma pichação com tinta vermelha na porta: “Morte aos Gays”.

Revoltado, Walter Barreto Junior, estudante de artes visuais, à época com 22 anos, fotografou a frase e postou em sua rede social. O caso repercutiu do Conselho Universitário (CONSUNI) à Reitoria e extrapolou o ambiente acadêmico da instituição. Ocorreram atos, protestos, propostas de políticas públicas para combater à violência LGBTfóbica nacionalmente, mas o autor da pichação nunca foi descoberto.

“Quando vi a pichação, fiquei mal, porque aquele banheiro é do IFCHS, onde sempre tem muitos LGBTs e eu estaria frequentando o mesmo banheiro que a pessoa que fez aquilo. Depois senti medo porque foi uma ameaça à minha vida e a vida de todos os gays, tive que fazer algo para que a gente não passasse mais por isso”, disse à agência Amazônia Real o aluno Walter Junior.

O caso de homofobia provocou uma nota de repúdio do CONSUNI a favor da livre manifestação de orientação sexual e identidade de gênero proposta pela conselheira representante docente do IFCHS e integrante do Conselho de Representantes da Associação dos Docentes da UFAM (ADUA/CRAD), professora Patrícia Melo. “Este Conselho se posiciona em defesa intransigente da diversidade sexual e da identidade de gênero e reafirma seu compromisso em defesa dos direitos e da cidadania de todos e todas”, diz um trecho da nota.

Protesto contra a LGBTfobia na UFAM (Foto cedida por Patrícia Melo)

17 de maio de 2018. Dia Internacional contra a #LGBTfobia. O pichador de “Mortes aos Gays” está impune. Assim como os banheiros do IFCHS, outros banheiros da universidade também são pichados com frases homofóbicas contra os estudantes e as estudantes Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais (LGBTs). As agressões se propagaram para outras universidades púbicas de Manaus.

“Apesar da forte mobilização e da manifestação firme do CONSUNI, ainda não chegamos ao ponto de construir uma política institucional de combate à LGBTfobia e à violência de gênero na nossa Universidade. As pichações continuam a fazer parte do cotidiano”, disse à reportagem a professora Patrícia Melo.

Ela explicou que há um trabalho em curso sendo desenvolvido por um Grupo de Trabalho indicado pelo CONSUNI, sob a coordenação da professora Iolete Silva, da Faculdade de Psicologia, que deverá ser apreciado pelo Conselho em data ainda não definida.

“Há, contudo, uma grande disposição dos coletivos e também de novos gestores em dar visibilidade a estes casos para evitar o silenciamento. A questão é grave e não é apenas na UFAM,” disse Patrícia Melo à Amazônia Real.

À reportagem, a professora Iolete Ribeiro da Silva disse que o CONSUNI criou o Grupo de trabalho para propor Diretrizes ao Programa Institucional de Proteção às Mulheres da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). No entanto, segundo ela, diante das reiteradas violências de gênero presentes na universidade “propusemos uma ampliação da proposta para a criação de uma política de institucional de equidade de gênero”.

“A primeira versão da minuta da resolução que cria essa política foi apresentada em agosto de 2017 ao CONSUNI e iniciou-se um período de discussão e recebimento de contribuições das unidades acadêmicas da UFAM. No dia 01/03/2018 entregamos a versão final da Minuta para apreciação do CONSUNI e esperamos que seja pautada na reunião de 24 de maio de 2018”, explicou Iolete. Veja aqui a proposta.

Protesto contra a LGBTfobia no campus universitário (Foto cedida por Patrícia Melo)

O fundador do Grupo Gay da Bahia, Luiz Mott, disse à Amazônia Real que pichações homofóbicas como “Morte aos Gays” aparecem também nas universidades do Paraná e São Paulo. Os agressores utilizam da estratégica para denunciar professores (as) ou alunos (as) por serem homossexuais. Há casos em que eles são agredidos verbalmente.

“Infelizmente as universidades, embora tenham a tendência a serem ambientes mais esclarecidos e com mais respeito a diversidade, elas têm sido muito intolerante em relação a diversidade, aos opositores muitas vezes”, disse.

Em 2017, quando o aluno Walter Junior denunciou a agressão na rede social, Mott compartilhou a denúncia em seu perfil do Facebook. “Considerei muito grave e para que o caso fosse investigado pela polícia com a abertura de um inquérito. Precisava de uma investigação para saber quem foi o autor para ser advertido e punido de acordo com o regimento universitário para que isso não se repita”, afirmou.

A presidente da Associação da Parada LGBT do Amazonas, a travesti Bruna La Close defende o debate sobre o tema na UFAM. “É na universidade que se formam os cidadãos. Portanto, é o espaço para o debate contra o preconceito, como forma de reduzi-lo na sociedade”, disse.

Na ocasião da descoberta da agressão “Morte aos Gays”, a Amazônia Real procurou a direção do IFCHS da UFAM para saber se a instituição havia formalizado um Boletim de Ocorrência na delegacia ou pediu para investigar o autor da pichação. Em resposta à reportagem, a direção disse que “fomos comunicados, na verdade tomamos conhecimento pelo Facebook e no dia seguinte à publicação tomamos providências, conversamos com a diretora e imediatamente solicitamos uma pintura para cobrir a pichação ou mesmo remover a porta, isso foi executado. Com relação a fazer um Boletim de Ocorrência, em nossa concepção quem deveria ter feito seriam as pessoas que se sentiram diretamente ofendidas.”

A nota dizia ainda que não chegou à Direção do IFCHS “qualquer documento solicitando esta providência com relação ao registro de um Boletim. “Tentamos identificar a pessoa para ouvi-la, a pichação foi feita dentro do banheiro, onde não temos câmeras o que dificulta a identificação do mesmo. Queremos deixar claro que nosso papel é de evitar que estes casos tomem outras proporções, devido a isto, a intervenção artística que foi feita em cima da pichação foi posteriormente coberta por nova camada de tinta branca uma vez que os organizadores do evento contra a homofobia ou qualquer outro aluno não tinham autorização para escrever nas paredes da instituição.”

O aumento da violência

Em 2017, ano da agressão homofóbica “Morte aos Gays”, os assassinatos de pessoas LGBTs aumentaram 30%, em relação ao ano anterior, um total de 445 mortes no Brasil. No Amazonas foram 18 mortes. Os dados são do GGB da Bahia, que faz a estatística anual dos casos de violência desde a década de 90.

“Essa impunidade é que leva a novas práticas de crimes de homofobia que vai desde a pichação e que evoluem para assassinatos”, disse Luiz Mott, fundador do GGB. Veja a estatística abaixo e conheça a plataforma.

Dentro do campus da UFAM, as opiniões dos (das) estudantes a respeito dos casos de agressões LGBTfóbicas são divididas, mas há aqueles que não se isentam em se pronunciar. Outros ainda preferem não se identificar por temer represálias.

Rafaela Dourado, estudante de Administração, acha que todos devem ser respeitados, independente de sua orientação sexual. “Se a pessoa encontrou sua felicidade assim, que viva sua vida sem medo do que vão pensar”, diz.

Paula Silva acha que o preconceito está presente na fala das pessoas, mesmo aquelas que dizem não tê-lo “Eu não sou preconceituosa, mas… Depois do mas vem sempre comentários depreciativos. Na cabeça da pessoa não é, porém é uma fala que tenta disfarçar um preconceito”, diz.

Catarina (que não quis revelar o sobrenome) é funcionária da UFAM. Ela diz que tem medo de represálias. “Não tenho preconceito contra gays aqui na UFAM. O problema é que tem dias que eles estão demais, se agarrando na frente das pessoas e não respeitam”.

Outra funcionária da UFAM, que é responsável pela limpeza dos banheiros, mas não quer se identificar, disse que as pichações nunca acabaram. “Sempre estamos limpando as agressões de tinta, caneta, as vezes de pincel preto, são palavrões, são coisas terríveis. Não gosto nem de falar.”

Quando o apoio é irrestrito

Isadora Lima, estudante do curso de Serviço Social, diz que viu sua vida virar de ponta cabeça no dia em que assumiu diante de sua família a sua opção homoafetiva. A reação contrária foi na faculdade e na família. “Minha mãe me proibiu de sair de casa por quatro meses”, lembrou. Na disputa judicial por sua custódia, ela disse que o pai disse aceitou sua orientação, mas a realidade foi bem diferente.

O pai de Isadora a agredia psicologicamente diariamente. “Me chamava de vagabunda! Que não teria uma vida normal ou uma carreira”. A mãe a agredia fisicamente também. O caso foi denunciado no Conselheiro Tutelar, mas as agressões dos pais continuaram.

A jovem não desistiu. Isadora conheceu Sebastiana Silva, Gerente de Diversidade e Gênero da Secretaria de Justiça do Amazonas. A gerência coordena programas relacionados aos direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. A estudante relatou as agressões ao Ministério Público Estadual, que tomou providências. Atualmente Isadora mora com a avó materna, onde encontrou apoio irrestrito.

“Quero dizer a quem esteja passando por estes problemas em casa, que não desista, não tente se matar. Tentei o suicídio duas vezes, mas descobri que a vida é sempre a melhor opção. Nunca desista de ser você, apenas siga em frente!”, disse Isadora Lima.

Universidades precisam discutir LGBTfobia

Luiz Mott pergunta: quem a homofobia matou hoje? (Foto de arquivo pessoal)

O fundador do GGB da Bahia, Luiz Mott, 72 anos, é antropólogo, historiador e pesquisador. À reportagem, ele respondeu perguntas sobre os casos de homofobia dentro das universidades.

Amazônia Real – O senhor acha que o tema homofobia é pouco discutido nas universidades?

Luiz Mott – Infelizmente as universidades ainda são muito resistentes a discutir com clareza e cientificamente a sexualidade, ainda mais a homossexualidade. Quantos cursos na sua vida escolar você teve aulas sobre sexualidade ou se falou de uma maneira científica sobre a diversidade sexual? Certamente pouquíssimas ou nenhuma vez, então a universidade tem que abrir espaço para estas discussões e isso desde os anos 80, a Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência (SBPC) aprovou moções estimulando o estudo da sexualidade, abrindo espaço para que pesquisas nestas áreas tenham o mesmo tratamento na seleção de bolsas e (dotações) para desenvolver um campo de estudos que é tão digno e sobretudo muito importante na medida em que o Brasil, campeão mundial de assassinatos de homossexuais. A educação científica e o esclarecimento em todos os níveis escolares sobre gênero e orientação sexual é um antídoto contra esses crimes que colocam o país em primeiro lugar entre os países por assassinato de homossexuais.

Amazônia Real – Como o senhor avalia a violência contra a comunidade LGBT no Amazonas?

Luiz Mott – Manaus se destacou no relatório dos assassinatos de LGBTs, cujo original pode ser conferido pesquisando-se no Google “quem a homofobia matou hoje”. A violência é generalizada no Amazonas, haja vista estes conflitos, estas matanças dentro de presídios, mas certamente o machismo, misoginia e lgbtfobia tem a ver com o aumento de religiões fundamentalistas na mesma proporção que a comunidade LGBT adquire maior visibilidade, o que provoca reações mais violentas por parte de intolerantes, de homofóbicos, de modo que eu considero importantíssimo que a comunidade LGBT se una, apoie e participe de grupos organizados que lutam contra LGBTfobia e que denuncie sempre quando forem vítimas ou presenciarem algum tipo de discriminação ou preconceito, que escreva para os jornais e mídia em geral, divulgando estes atos de intolerância. Que a comunidade tome cuidado não levando pessoas desconhecidas para suas casas, evitando lugares perigosos, pois depende também de nós para que não sejamos a próxima vítima.