Colabora, Amazônia Real e Ponte ganham prêmio Vladimir Herzog pela série “Sem Direitos”

Por Amazônia Real Publicado em: 11/10/2019 às 17:22

A premiação, que foi na categoria melhor reportagem multimídia, é um dos mais importantes na área dos direitos humanos do Brasil

(Foto: Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real)

Manaus (AM) – A série “Sem Direitos: o rosto da exclusão social no Brasil”, resultado de uma parceria entre as mídias digitais independentes #Colabora, Ponte Jornalismo e Amazônia Real, foi a vencedora da categoria Multimídia do 41º Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos. Os vencedores foram divulgados nesta sexta-feira (11). A série, que conta histórias de brasileiros que não têm acesso aos direitos básicos garantidos pela Constituição brasileira, reuniu jornalistas do Amazonas, Pará, Rio de Janeiro e São Paulo.

De autoria da jornalista Adriana Barsotti, do #Colabora, a série contou com a participação de Carolina Moura, Catarina Barbosa, Edu Carvalho e Fausto Salvadori, com imagens e vídeos de Daniel Arroyo, Pedrosa Neto e Yuri Fernandes e infográficos de Fernando Alvarus.

A premiação, uma das mais importantes do jornalismo brasileiro, é promovida e organizado por uma comissão constituída pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, pela Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo e pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).

A iniciativa conta com o apoio do Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil (Unic Rio).

A solenidade de entrega da premiação será em São Paulo (capital), no dia 24 de outubro, às 20h, no Tucarena, que fica na Rua Monte Alegre, 1024, Perdizes. Veja aqui os premiados nas outras categorias.

As reportagens da série “Sem Direitos” foram publicadas durante cinco dias nos sites do #Colabora, Ponte Jornalismo e da agência Amazônia Real com a seguinte parceria: os três sites produziram juntos as reportagens, cada um arcando com os custos das viagens e remuneração dos profissionais e publicando no mesmo dia e simultaneamente em suas mídias sociais. A rede colaborativa foi inspirada no site norte-americano ProPublica.

A jornalista Adriana Barsotti, do #Colabora, que tem sede no Rio de Janeiro, destacou que ao convidar as mídias digitais Ponte Jornalismo e Amazônia Real para formar a colaboração, ambas encararam o trabalho sem concorrência e sim como parceiros.

“A gente uniu forças e conseguiu ir a mais estados, mais regiões, mais cidades do que a gente conseguiria se cada um ficasse no seu quadrado. Então isso eu acho fundamental e cada vez mais necessário no jornalismo”, disse.

O jornalista Fausto Salvadori disse que a redação da Ponte, que fica em São Paulo, ficou muito feliz ao ser convidada para participar do projeto. “Tem tanto a ver com a nossa missão de vida, e por participar de um trabalho ao lado de jornalistas que admiramos (a Amazônia Real sempre foi uma inspiração para nós). No projeto, coube à Ponte trazer o tema da violência de Estado, que diz respeito ao direito mais fundamental de todos, que é o direito à vida. O mais importante dos direitos tem sido diariamente desrespeitado pelo braço armado do Estado, em sua prática diária de massacre da população negra e periférica”, disse.

A editora-executiva da agência Amazônia Real, Kátia Brasil, disse que produzir jornalismo independente em parceria conectando redações em Manaus, Belém, Rio de Janeiro e São Paulo é quebrar uma bolha imposta pelas grandes mídias tradicionais. Para ela, o resultado do Prêmio Vladimir Herzog é um grande impacto.

“É quando eu digo: furamos a bolha!”. “Foi um veículo ajudando o outro que deu neste resultado. E o mais importante: é que falamos de pessoas invisibilizadas, sem acessos aos direitos. E mostramos as violações que acontecem neste Brasil desigual”, disse Kátia.

Com conteúdo como textos, vídeos, dados, mapas e infográficos, a série “Sem Direitos” mostrou que aproximdamente 65% dos brasileiros não têm pelo menos um dos seguintes direitos garantidos pela Constituição: educação, proteção social, moradia adequada, saneamento básico e comunicação (internet). Ao longo do trabalho de apuração, foi incluído um sexto direito que também não é respeitado: o direito à vida. Os dados foram extraídos da Pesquisa Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE 2017 e 2018.

Relatos de histórias silenciadas

Dona Júlia: sem saneamento no Maranhão (Foto: Yuri Fernandes/Colabora)

A reportagem da Amazônia Real ouviu os jornalistas que produzirem a “Série sem Direitos”. Eles contaram os bastidores das reportagens e como conseguiram encontrar os personagens das histórias, agora premiadas pelo Vladimir Herzog.

A jornalista Adriana Barsotti não foi apenas a coordenadora da série “Sem Direitos: o rosto da exclusão social no Brasil”. Além de organizar a leitura dos dados do IBGE, ela escreve a reportagem: “Sem saneamento – ‘Banheiro é o seguinte: quem não fizer uma casinha vai para o mato’”. A jornalista viajou ao Maranhão, onde encontrou dona Julia Marques, de 89 anos.

“Foi assim um jornalismo meio de risco porque a gente foi parando na beira da estrada (na BR-135, entre as localidades de Ponta da Ilha e Curva). Tínhamos ido na cidade mais pobre do Brasil, Marajá do Sena, fazer uma outra matéria para o Colabora, que era o “Extremos do Brasil” e, aproveitando a viagem, economizando os recursos, a gente resolveu que ia fazer já alguns personagens para essa matéria. A gente descobriu assim, parando em alguns vilarejos e perguntando se as pessoas tinham esses serviços. E descobrimos a dona Júlia né, sem coleta de lixo, sem abastecimento de água, saneamento básico.

Acho até assim, que corremos alguns riscos. Hoje talvez a gente fizesse diferente, mas na época a gente achou que não era perigoso fazer isso, parar na beira da estrada dependendo assim do que a gente via e perguntando”, diz jornalista.

Adriana conta que algumas pessoas não quiseram dar entrevista, mas dona Júlia agiu diferente. Ela se prontificou a dar entrevista na mesma hora.

“Foi assim como aquela família também sem internet, que era uma família grande dez pessoas se não me engano, foi da mesma forma: a gente parou na beira da estrada, a gente viu que eles estavam olhando e a gente se aproximou e fez essa abordagem, explicou que a matéria era sobre isso”, disse Adriana, contando também como foi a produção da reportagem “Sem direitos: família não tem computador nem celular conectado”.

“Escolhemos Bruna Silva”

Bruna Silva é mãe de Marcus Vinícius, morto aos 14 anos em operação policial no RJ
(Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo)

A reportagem de autoria da equipe da Ponte Jornalismo contou a história de Bruna Silva, mãe de Marcus Vinícius, morto aos 14 anos em operação da PM no Rio de Janeiro. Os autores são os repórteres Carolina Moura, Fausto Salvadori e o fotojornalista Daniel Arroyo. Salvadori relatou abaixo como foi a produção da reportagem: “Sem direitos: A mãe de um jovem negro que não teve direito à vida”.

“Das milhares de histórias possíveis, escolhemos a da Bruna Silva e de seu filho Vinicius, morto de forma estúpida pelas forças da intervenção federal no Rio de Janeiro. Uma morte muito parecida com a da Agatha, com a de tantas crianças e jovens negros. A entrevista foi conduzida com muita sensibilidade e cuidado por Carolina Moura, que encarou o desafio de falar com uma mãe que foi vítima do pior crime do mundo, o assassinato de um filho. Bruna é uma personalidade fascinante, uma guerreira, e Carol soube retratar isso na reportagem. Usamos um vídeo feito por Daniel Arroyo com imagens de Bruna numa manifestação em São Paulo. As falas de Bruna diante da câmera são um testemunho muito forte. Tem a força de quem clama contra a injustiça, de quem transformou a camiseta manchada de sangue do Vinicius num estandarte. Difícil ver sem chorar”, afirma Fausto.

Responsável pela edição da matéria, ele explica que durante o trabalho buscou aprofundar o contexto, contando como o direito à vida está definido na Constituição, como essa inclusão foi alvo de chacotas por parte de Roberto Campos, que foi ministro da ditadura militar. O jornalista também levantou estatísticas mostrando como esse direito é desrespeitado regularmente pelo Estado.

“Usamos o conceito de necropolítica, de Achiles Mbembe [filósofo camaranês], que aprendi com o professor [de jornalismo] Dennis de Oliveira. Curiosamente, é um conceito que neste ano começou a se popularizar, usado por comentaristas para definir as políticas de morte do governo brasileiro, especialmente do governador Witzel, no Rio de Janeiro. O que acho da indicação ao prêmio? Eu espero que ajude a chamar atenção para a história de Bruna e que ajude a levar justiça para ela. É para isso que a Ponte existe. Creio que seja para mudar essas realidades que a Amazônia Real e o Colabora existem também. E a parceria de veículos que lutam pelas mesmas causas tem tudo para obter grandes conquistas no jornalismo e, espero, também nos direitos humanos. Que essa indicação, que esses prêmios, sirvam como um grito”, disse Fausto Salvadori.

Um pedaço de chão

Sem moradia: ocupação Laércio Barbalho, no bairro do Tapanã
(Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)

A agência Amazônia Real foi a iniciativa responsável pela produção da reportagem “Sem moradia – uma casa da Barbie sem cama nem banheiro, em Belém”, produzida pela jornalista Catarina Barbosa e o fotógrafo Cícero Pedrosa Neto, ambos colaboradores no Pará. Os dois visitaram a ocupação Laércio Barbalho, localizada na Rodovia do Tapanã, bairro afastado do centro da capital paraense.

Na região Norte, 24,4% das pessoas são privadas do direito à moradia adequada. Ou arcam com alugueis excessivos ou têm casas construídas com materiais não duráveis e sem banheiro de uso exclusivo no domicílio. Na ocupação, com auxílio do seu “Frigideira”, os jornalistas encontram os personagens Clay Luiz Nascimento Cirilo, Mirian Neves Aquino e Isaac Santos.

“Quando recebi a proposta de pauta da Adriana Barsotti para fazer a reportagem imediatamente entrei em contato com as lideranças comunitárias com as quais tenho contato. Seu Frigideira – até hoje não sei o seu real nome, porque prefere ser chamado assim – foi a ponte que me levou até os moradores da comunidade Laércio Barbalho, localizado no bairro do Tapanã, na região metropolitana de Belém. O curioso foi descobrir que os moradores escolheram o nome da comunidade para ver se sensibilizava o governador Helder Barbalho (MDB) a não os tirar do local. Laércio Barbalho é avó do Helder e pai do senador Jader Barbalho (MDB)”.

Catarina Barbosa lembra que no local conheceu seu Isaac, o Clay e outras pessoas, que acabaram ficando de fora da reportagem. “Cada uma com sua história de vida particular, mas com igual sonho de ter um pedaço de chão para chamar de seu”, diz ela

Catarina durante a entrevista na ocupação Laércio Babalho, em Belém
(Foto: Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real)

A jornalista afirma que a história dos dois chamou sua atenção, sobretudo, pela alegria com que viviam suas vidas. “Por vezes era difícil entender como eram tão felizes e esperançosos, mas eram. Para além da questão da fé, pude presenciar o quanto o Estado priva as pessoas dos seus direitos. Fiz questão de fazer o cálculo para mostrar aos leitores que a conta não fecha e que se não for pela ocupação de espaços improdutivos, aquelas pessoas nunca poderão ter um lugar para chamar de seu. Hoje, a comunidade tem um número maior de pessoas, mas todos continuam somando às estatísticas apresentadas na reportagem. As casas são de madeira e as pessoas não tem banheiro ou saneamento básico. Até hoje, o governo não legalizou a ocupação, mas eles não deixam de ter esperança de que um dia isso possa tornar realidade”, contou Catarina.

Sem moradia – Seu Isaias mostrando a pia improvisada, ao fundo de sua casa
(Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)

Para o fotógrafo Cícero Pedrosa Neto, a série “Sem Direitos” foi uma experiência intensa na realidade de pessoas que vivem em meio ao centro urbano de Belém.

“Mas desvalidos de qualquer estrutura, vivendo com o mínimo e abandonados pelo Estado. São pessoas invisíveis para o poder público, que se somam a outros milhares de cidadãos brasileiros. As cidades amazônicas refletem muito o tipo de política implementada pelos governos para esta região do Brasil. Se pensarmos também na Amazônia enquanto ‘urbe’, enquanto cidade, encontraremos outros tantos cenários de conflitos socioeconômicos, socioambientais, etc., para além dos muitos que já conhecemos e que são próprios desta região.

Saber que essa reportagem é ganhadora do Prêmio Vladimir Herzog é motivo de muito orgulho por tudo que ele representa — o prêmio e àquele a quem ele homenageia com o nome. São tempos difíceis para a imprensa e para as pessoas que buscam a dita ’verdade dos fatos’, que tanto perseguimos. Vida longa ao jornalismo investigativo e independente!”, disse Pedrosa Neto.

Catarina Barbosa conclui, dizendo: “saber que a série foi premiada é reconhecer a história daquelas pessoas. Agradeço a toda a equipe da Amazônia, e aqui vai um agradecimento especial à Kátia Brasil, que sempre foi ponte para que eu pudesse contar histórias; à Adriana Barsotti, que com essa série mostrou que o Brasil não é um país de todos; ao Pedrosa Neto, fotógrafo que fez as imagens e o vídeo, pela sensibilidade e humanidade com a qual sempre retrata os personagens que encontramos nas pautas”.

Leia a série na íntegra no site do #Colabora

Veja mais: Os vídeos da série Sem Direitos

Os textos, fotografias e vídeos produzidos pela equipe da agência Amazônia Real estão licenciados com uma Licença Creative Commons – Atribuição 4.0 Internacional e podem ser republicados na mídia com o crédito do autor e da agência Amazônia Real. Fotografias cedidas ou produzidas por outros veículos e organizações não atendem a essa licença.

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