Cultura

Mulheres artistas fazem exposição inspirada nas guerreiras amazonas e no punk

A mostra tem o objetivo de contestar como as mulheres estão sendo retratadas, subvertendo valores dentro e fora das artes. Na foto está a artista Nico Ambrósio (Fotografia Coletivo As Nortistas) Manaus (AM) – Neste sábado (21) em Manaus, a […]

Por Alicia Lobato Publicado em: 20/12/2019 às 17:32

A mostra tem o objetivo de contestar como as mulheres estão sendo retratadas, subvertendo valores dentro e fora das artes. Na foto está a artista Nico Ambrósio (Fotografia Coletivo As Nortistas)

Manaus (AM) – Neste sábado (21) em Manaus, a partir das 16 horas, acontece a segunda edição do evento “Amazona Punk”, que expõe trabalhos de mulheres artistas da capital amazonense no Impact Hub, que fica na Avenida Efigênio Salles, no. 1299, bairro Aleixo, na zona centro sul da capital. O projeto foi fundado na data 19 de abril de 2019, mesmo dia em que surgiu o coletivo As Nortistas, nome formado com a junção das palavras “Norte” e “Artistas”, responsáveis pelo evento.

Nico Ambrósio, 20 anos, uma das artistas que fazem parte do coletivo, conta que o grupo surgiu da ideia de promover um evento de artes apenas com mulheres. “O coletivo em si ainda não havia sido pensado. Na verdade, não tínhamos essa concepção de formar um coletivo. Aí, a gente foi contatando mais meninas (as atuais integrantes) que conhecíamos, que produzem arte e admiramos. Juntou essa galera toda e aconteceu a primeira reunião. Durante a reunião percebemos que queríamos dar continuidade àquela ideia, não fazer só um evento e passar batidas. Parimos o coletivo ali mesmo, o nome, os nossos objetivos”, explica Nico.

Ela destaca que a primeira edição do evento voltado para exposição e apresentação de arte ocorreu no dia 20 de julho de 2019 e contou com a participação de 16 artistas, entre as quais musicistas e cantoras, fotógrafas, poetas, pintoras e artistas plásticas.

A escolha das artistas é feita por meio de um formulário, onde a candidata preenche seus dados e envia uma amostra do seu trabalho. Mayara Jansen, 30 anos, também idealizadora do projeto, explica como funciona a escolha: “Nos reunimos e discutimos cada uma das inscrições. Analisamos a composição visual, acabamento, originalidade e se já foi exposto em outro evento ou não daqui (preferimos que seja algo que não tenha sido exposto anteriormente)”.

O Coletivo As Nortistas (Foto: Divulgação)

Conforme Mayara, o nome para a exposição tem como inspiração a lenda das mulheres indígenas guerreiras amazonas, personagens femininas presentes nos relatos dos primeiros navegadores espanhóis na Amazônia, e o movimento Punk, um movimento cultural da Inglaterra que explodiu nas décadas de 70 e 80, sobretudo com bandas de rock.

“Essa exposição vem da vontade de contestar como estamos sendo retratadas, subvertendo valores dentro e fora das artes. Guerrilla Girls [grupo de artistas femininas da década de 60] é claramente uma influência para nós. Então preferimos artistas que tenham uma poética questionadora, um traço marcante, mesmo que ela fale de sua experiência pessoal, Se essa experiência representar uma questão coletiva, significará que tocará mais pessoas que estarão em contato com aquela obra e desejamos que as pessoas se perguntem o porquê”, afirma Mayara.

A artista também fala sobre ser consenso entre o grupo que todas que expõem sejam pagas por apresentar o seu trabalho e que as obras e suas mensagens sejam o foco da exposição e não uma mera decoração para uma festa. “Claro que terá música em nossas exposições, mas que até estas passem as mensagens das mulheres.” conclui.

Entre os debates que o evento busca trazer, segundo Nico, é assegurar um espaço sério e seguro para as mulheres que produzem arte na região Norte do Brasil.

“Um espaço que possibilite que essas mulheres possam expressar seus trabalhos de forma livre, que sejam pagas por isso. Arte é trabalho também. Exige tempo, dinheiro, esforço emocional e físico. Para além do evento, tentamos trabalhar junto com as artistas essa ideia, de encararem suas artes como um trabalho sério. Tem também a ideia da representatividade, de tirar essas artistas, muitas vezes iniciantes, da obscuridade, levar suas obras para um público maior. Somos um coletivo de artistas independentes e apoiamos a arte independente, bancamos todos o rolê do nosso bolso, não temos patrocínio. Mostrar essa arte marginal e independente, que não está nos zoológicos de arte, nas principais galerias, mas que reflete uma manifestação de novos artistas surgindo no cenário da nossa cidade tem sido algo que priorizamos”.

Pauta com diversidade de gênero

A artista e feminista Mayara Jansen (Foto: Coletivo As Nortistas)

Umas das pautas que o coletivo busca abordar é a representatividade, como explica Mayara. “O coletivo em si é bem diverso. Somos bissexuais, lésbicas, cis, trans e não binária, negras e brancas. Essa pauta da visibilidade para negras, indígenas, mulheres LGBTs é pensada desde a primeira reunião. Tivemos representantes dessa diversidade entre as artistas selecionadas desde a nossa primeira edição e nesta segunda também. Queremos que a arte dessas mulheres de diferentes classes sociais, cores e credos fale por elas e a recepção do público da primeira edição nos deu um feedback positivo que estamos no caminho correto”.

Nico, acrescenta, lembrando que, como mulher negra, desde o começo se preocupava pessoalmente a questão da representatividade.

“Os espaços de arte independente onde eu já havia estado antes eram sempre muito brancos, olhava ao redor e só tinham artistas brancos junto de mim. Queremos que essas artistas cheguem até nós também. Nessa próxima edição acredito que tenha uma diversidade maior comparada a primeira. Espero que mais artistas não-brancas acompanhem e vejam que também podem estar ali, se reconheçam enquanto artistas dignas daquele espaço”.

Sarah Campelo, 19 anos, estudante de artes visuais na Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e curadora no coletivo, fala em como na história da arte poucas são as mulheres retratadas e é que esse é um dos compromissos do grupo: contar essas histórias.

“Mulheres artistas existem e a história delas tem de ser contadas. O nosso objetivo central é com as artistas da região Norte. Eu enxergo a arte como verbo, como ato político. A arte é política. Arte não é entretenimento, não é combinar um quadro com o tapete. É sempre bom ter isso em mente. Eu particularmente sinto a arte como um caminho curto entre eu e eu mesma. Uma forma de me construir fora de mim. Às vezes dá medo, as vezes não é belo. Mas a arte é isso. A arte ocupa.”

Sobre o atual cenário artístico de Manaus, Nico cita as artistas Keila Serruya com o seu trabalho no audiovisual, e Kerolayne Kemblin, que trabalha a identidade negra em suas obras, como exemplos de artistas importantes do cenário e complementa:

“Isso transforma esse cenário, não está acontecendo só o que a gente vê sempre na mídia. Tem uma cena nova e jovem surgindo, que vem do rolê independente. Tem espaço para todo mundo se tiver apoio, vamos fazer acontecer, né? Vão ter que aceitar querendo ou não”.

Mayara Jansen fala em expandir o coletivo para atingir outras mulheres, criando uma rede de artistas na capital.

“Nosso objetivo a longo prazo é [expandir] entre às demais cidade do estado. Depois, nos conectarmos com as nortistas dos outros seis estados do Norte para atingirmos nosso mais ambicioso objetivo, que é mostrar que aqui na nossa região tem muita arte e resistência, principalmente de mulheres”.

Foto Coletivo As Nortistas

O que é?

Amazona Punk

Dia 21/12 – às 16 horas

Local: Impact Hub

Entrada: R$ 10

Endereço: Av. Efigênio Salles, 1299 – Aleixo

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Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Alicia Lobato

Alicia Lobato é jornalista, natural de Belém (PA e vive em Manaus desde 2017. Integra a equipe da agência Amazônia Real desde 2019, quando iniciou como estagiária depois de participar da 1ª Oficina de Jornalismo Socioambiental promovida pela Amazônia Real e pela organização internacional Climate Tracker. Na agência, escreve reportagens que pautam a violência contra a mulher e o racismo. Tem interesse pelo jornalismo ambiental e de dados. ([email protected])