Cultura

A história da mulher que vivia agarrada no pescoço do marido

Esta história apresentada pelo time da comunidade Ilha da Onça foi a vencedora do Primeiro Campeonato na Língua Paumari na Terra Indígena do Lago Marahã, no Amazonas. O título na língua paumari é “Imakhinava kidi ijimaroa kagamoki varani vihini hida” Era […]

Indígena paumari mostra a ilustração da história vencedora (Foto: Funai)

Por Amazônia Real Publicado em: 11/08/2014 às 19:38

Esta história apresentada pelo time da comunidade Ilha da Onça foi a vencedora do Primeiro Campeonato na Língua Paumari na Terra Indígena do Lago Marahã, no Amazonas.

O título na língua paumari é “Imakhinava kidi ijimaroa kagamoki varani vihini hida”

Era uma vez um jovem casal. Certa noite, ela falou para o marido que ia para a casa das colegas para conversar, brincar, e se divertir. Sempre que marido voltava da pesca, chegava em casa, e ela não estava. Ela estava sempre em outro lugar. Ele sempre esperava que ela estivesse onde havia combinado com ele, mas na verdade estava com outros jovens. Depois dele fazer um peixe cozido ou assado, ia dormir, morto de cansaço. Mas antes, ele deixava um vaso com água para a esposa beber quando chegasse. Isto aconteceu vezes.

A mãe da esposa traidora, ao tomar consciência do que estava acontecendo, ficou com pena do genro. Ela passou a não gostar mais da própria filha porque ela ficava traindo o marido. Certa noite, ao deparar-se com o vaso de água deixado carinhosamente pelo marido para a esposa beber quando chegasse, ela o derramou.

Quando a filha chegou já de madrugada, antes de deitar-se procurou a água e não a encontrou. Ficou andando pela casa, não achou água para beber e foi dormir com sede. Ela dormiu, e depois de certo tempo, quando já estava dormindo, seu pescoço começou a estalar. O pescoço dela começou a se soltar do resto do corpo, e sangue começou a descer. Depois da cabeça soltar-se completamente, pulou no chão e ficou olhando para o marido dela bem de pertinho. Ele continuava dormindo, sem dar-se conta de nada. Ela viu que ele nem se mexia, e então falou para si mesma: “Vou já tomar água lá na beira!” Aí ela saiu do mosquiteiro, e saiu pulando até chegar lá na beira do rio. Chegando na beira, ela disse: “Ai, estou com muita sede!” e começou a beber água. Bebeu bastante água e depois de beber falou: “Agora já tomei água, e já posso voltar a dormir.” Voltou de novo aos pulos. A cabeça chegou e entrou novamente dentro do mosquiteiro.

A mãe da mulher estava só prestando atenção, olhando de longe da casa dela. A cabeça entrou no mosquiteiro, e o chão dentro do mosquiteiro estava coberto de sangue. O resto do corpo da mulher ainda estava deitado perto do marido. Uma vez dentro do mosquiteiro, a cabeça da mulher ficava olhando para os olhos do marido, para ver se não mexiam. Mas ele nem piscava. Ela olhou várias vezes, até que a certa altura, ele mexeu. Ele nem pensava que isto ia acontecer. Se ele não mexesse, a mulher se colocaria novamente de volta sobre o corpo. Mas como ele abriu os olhos e se mexeu, ela pulou no pescoço dele e o mordeu. Aí, ele ficou com ela no pescoço por vários dias porque ela não o soltou mais. O marido enterrou o corpo da mulher enquanto a cabeça dela ficava pendurada no seu pescoço. Quando ele comia ou bebia algo, ela se alimentava daquilo.

Depois de certo tempo, ele cansou, e decidiu tentar matar a cabeça. Primeiro, tentou afogá-la na água. Ele mergulhava e ficava debaixo da água até quase perder o fôlego. Depois boiava novamente com ela. Quando eles boiavam, ela dizia: “Meu marido! Você quer me matar afogada?” E ele dizia que não. Ele tentou fazer isto várias vezes, e voltava para casa depois de não conseguir.

Depois tentou matar a cabeça da esposa de outro jeito. Levou-a para debaixo de uma castanheira e fez uma casinha bem fechada para ela no chão, onde não precisasse ficar com medo das onças. Descascou muitas castanhas para ela, e depois falou: “Fique comendo estas castanhas enquanto eu subo na árvore para tirar mais. Não fique me chamando todo o tempo, se não vou cair da árvore!” Ele subiu no castanheiro por um cipó, pegou ouriços de castanha e começou a jogá-los, tentando acertar a cabeça da mulher. Os ouriços caiam perto da cabeça, e ela dizia: “A, você quer me matar com um ouriço de castanha!” Mas ele dizia que não.

Certa hora, o marido atravessou para o outro lado da árvore para ver se descia por outro cipó, e já ia fugindo dela. Ele desceu rapidinho e foi correndo só nas pontas do pé, sem fazer zoada. Mas assim que ele chegou na beira, ouviu o barulho da cabeça perseguindo-o, esbarrando em folhas e galhos e batendo no chão. Quando o marido já estava bem no meio do igapó, ela chegou na beira da água, chamando por ele. Ela dizia: “ Meu amor! Venha me pegar, estou com medo da onça!” Várias vezes ela ficava repetindo isto, enquanto ele só ficava olhando, escondido atrás de uma árvore. Ele ficou com pena. Ela ficou chamando por ele até de tarde, dizendo que não era para ele deixá-la.

Finalmente, às quatro horas da tarde mais ou menos, ela começou a falar em todas as línguas de todos os pássaros, na língua da onça, de animais terrestres e que voam. Por último, depois de experimentar falar nas línguas de todos os animais que pulam, ela gostou do grito do macaco da noite (baka’da’di’da’di). Ela fez: “Hi! Hi! Hi! Hi!” e disse: “Que lindo! Vou ficar com esta linguagem para sempre.” O marido começou a chorar quando escutou isto. Depois de proferir o grito do macaco da noite umas duas, três vezes, a cabeça pulou da beira para o alto, pousou numa árvore com buraco e entrou no buraco.

Não demorou muito tempo, e quando o marido olhou, viu um macaco no lugar da cabeça da sua esposa. Ele voltou para casa chorando, muito triste, e chegou lá já de manhã. No tempo que se seguiu, ele saia bem cedo de manhã para pescar. Uma vez, a sogra dele perguntou onde ele tinha deixado a cabeça da mulher, e ele respondeu tristemente que ela tinha virado macaco. Aí, ela falou: “Não fique triste, não. Não tenho pena dela porque ela fez coisas erradas. Mas você pode se casar com a irmã mais nova dela.” Ela foi lhe mostrar a menina, era bonita, e ele ficou feliz de novo. Ele e sua nova esposa viveram felizes para sempre.

Tradução : Edilson Paumari

Revisão: Adriana Huber Azevedo e Oiara Bonilla

Leia artigo sobre o concurso: Indígenas do Médio Purus lutam pela valorização da língua nativa

Veja mais fotos do concurso.

Os jurados paumari analisam os concorrentes (Foto: Oiara Bonilla)

Indígena paumari valoriza a pintura e desenhos da etnia (Foto: Oiara Bonilla)

Índios apresentam história durante concurso (Foto: Oiara Bonilla)

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

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