A Amazônia e a seca em São Paulo

PAULO ARTAXO O Estado de São Paulo está enfrentando uma das suas maiores secas que se tem notícia. O nível dos reservatórios que abastecem a região metropolitana de São Paulo e a falta de chuvas não têm precedentes históricos conhecidos. […]

Por Amazônia Real Publicado em: 18/11/2014 às 15:52

PAULO ARTAXO

O Estado de São Paulo está enfrentando uma das suas maiores secas que se tem notícia. O nível dos reservatórios que abastecem a região metropolitana de São Paulo e a falta de chuvas não têm precedentes históricos conhecidos. Será possível que a causa dessa falta de chuvas no Sudeste é o desmatamento da Amazônia? Esta é uma pergunta importante, que requer um estudo científico aprofundado.

Algumas questões científicas essenciais preliminares: O que faz a água precipitar como chuva é só o fluxo de vapor de água? Quanto do vapor de água que passa pela região Sudeste vem da Amazônia? Que outros ingredientes na complexa receita de fazer chuva são também importantes?

Vamos por partes: a chuva é o resultado final de um longo e complexo processo. Para que tenhamos a formação de uma gota de nuvem, são necessários, no mínimo, três ingredientes: 1) Vapor de água; 2) Uma partícula de aerossol que atue como núcleo de condensação de nuvens; e 3) Condições termodinâmicas apropriadas na atmosfera. Sem um desses, não há formação de gota de nuvem e nem chuva.

O vapor de água é a matéria-prima da chuva. É uma condição necessária, mas não suficiente. O terceiro ingrediente, também chamado de convergência do fluxo de umidade, reflete as condições atmosféricas apropriadas para a formação de chuva. É, portanto, uma característica termodinâmica da atmosfera essencial para a produção de chuva, e que não esteve presente frequentemente no último ano, na região Sudeste. As razões ainda estão sendo investigadas pelos meteorologistas.

Trabalhos de pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e da Universidade de São Paulo (USP) – José Marengo, Gilvan Sampaio, Tércio Ambrizzi, Henrique Barbosa, Maria Assunção, entre outros -, publicados recentemente em revistas científicas de alta credibilidade, mostram um complexo quadro que governa o fluxo de umidade e sua convergência no Sul do país. Um dos estudos mostra que somente um terço do vapor de água que chega a São Paulo vem da Amazônia na estação seca. O estudo também mostra que um terço vem do Atlântico e o restante, do Sul do país.

A razão da falta de água em São Paulo, de acordo com esses estudos científicos, não pode ser atribuída majoritariamente ao desmatamento na Amazônia . É uma questão muito mais complexa que ainda está em estudos. Sabemos que existe uma variação da evapotranspiração quando trocamos a floresta amazônica primária com uma floresta secundária ou área de cultivo. Sendo assim, como apenas 30% do vapor de água vem da Amazônia, a falta de água em São Paulo não pode ser atribuída diretamente ao desmatamento, que atingiu cerca de 20% da área original da floresta.

Certamente, temos que aprender a usar os recursos naturais de nosso planeta de modo mais inteligente, e a água é um dos mais preciosos. Todos dependemos totalmente de água para viver, e nossa economia e sociedade não vivem sem água. Por isso, temos que administrar nossas bacias hidrográficas com sabedoria, ponderando os diversos usos, economizando e despoluindo nosso rios e lagos.

Convém salientar que uma parte da responsabilidade da atual crise hídrica em São Paulo deve-se à falta de planejamento e visão de longo prazo dos nossos governantes. Não podemos esquecer que a redução do desmatamento na Amazônia é uma grande vitória ambiental de nosso país, e temos que continuar na direção de menores taxas e de recuperação as áreas degradadas da região para que seu equilíbrio ecológico se mantenha.

Ao mesmo tempo, é essencial implementar sistemas de gerenciamento de recursos hídricos que tenham planejamento de longo prazo e levem em conta os múltiplos usos desse recursos natural precioso do qual o Brasil tem muita sorte por ser abundante (até o momento). As mudanças climáticas que já estão em curso podem mudar esse quadro mais rápido do que imaginamos. Mas, se continuarmos na política de desperdício e de falta de gerenciamento, a próxima crise hídrica vai chegar muito mais cedo que gostaríamos.

É preciso que este recurso natural ora distribuído de modo desigual em nosso país tenha políticas públicas mais eficientes e que garantam o abastecimento de modo contínuo, como é feito em outro países com escassez hídrica. Em paralelo, devemos reduzir ainda mais o desmatamento na Amazônia, não pela falta de água no Sudeste, mas para garantir os serviços ambientais e a biodiversidade da maior floresta tropical de nosso planeta.

Paulo Artaxo é doutor em Física Atmosférica pela Universidade de São Paulo (USP), onde é professor titular. Atua nas questões de mudanças climáticas globais e meio ambiente na Amazônia. É membro da equipe do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças do Clima), que foi agraciada com o Prêmio Nobel da Paz de 2007.

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Amazônia Real

A agência de jornalismo independente e investigativo Amazônia Real é uma organização sem fins lucrativos, criada por jornalistas mulheres em 20 de outubro de 2013, em Manaus, no Amazonas, Norte do Brasil. Sua missão é fazer jornalismo ético e investigativo, pautado nas questões da Amazônia e de seu povo. A linha editorial é voltada à defesa da democratização da informação, da liberdade de expressão, da liberdade de imprensa e dos direitos humanos. ([email protected])