Augusto Simões – Traço Irreverente

“A arte em essência é um instrumento de provocação e transformação. Precisa ultrapassar o óbvio para alcançar a plenitude da expressividade”, diz Platão. FÁTIMA GUEDES José Augusto de Souza Simões marcou presença como filho de Parintins aos 03 […]

Por Amazônia Real Publicado em: 30/03/2015 às 14:27

“A arte em essência é um instrumento de provocação e transformação. Precisa ultrapassar o óbvio para alcançar a plenitude da expressividade”, diz Platão.

FÁTIMA GUEDES

José Augusto de Souza Simões marcou presença como filho de Parintins aos 03 de fevereiro de 1967. Foi reconhecido ativista em potencial ainda bebê, quando ensaiava os primeiros passos superando limites e adversidades.

Iniciou sua vida artística aos 09 anos de idade demonstrando sensível afinidade entre as ideias a tinta e o pincel.

Questionado sobre possíveis influências em sua expressividade artística, Simões fala com emoção e ao mesmo tempo com orgulho, sou um dos primeiros discípulos do missionário italiano, Irmão Miguel de Pascalle.

Considera-se adulto desde o nascimento, tendo em vista a necessidade de se fazer existir e sobreviver aos trancos e barrancos. Aos 16 anos assume sua vida profissional. Defende a sobrevivência com o produto de sua arte: pintura em camisas, faixas, letreiros de casas comerciais, telas com temas amazônicos, esculturas sacras em gesso e madeira sem precisar, no entanto, negar ou negligenciar sua marca ideológica. A maior prova foi em 1990, na arte – Crime do Areal -, expressada nos muros do Cemitério São José, na cidade de Parintins/AM.

Hoje, aos 48 anos de vida, luta e resistência, seu artístico multifacetado já ultrapassa a marca de 3.000 obras. Por conta da competência e firmeza, criou a comissão de arte e teatro de arena do Boi Bumbá Garantido, por quem se diz leal torcedor. Também foi um dos fundadores da Associação dos Artistas Plásticos de Parintins (AAPP). Em 1995, idealizou – Parintins, cidade da arte e da cultura -, ideia em que vislumbra uma Ilha mágica dos Parintintin traduzida em esculturas gigantes; um meio de imortalizar os legítimos construtores desta terra.

Nem só de pão, mas de pizza também se vive em Parintins, ironiza o Irreverente. E, assim, para compensar a carteira meio abalada por boicotes opositores, já afetando sobremaneira as necessidades vitais de sua família, aproveita uma brecha do sistema e, apropriando-se da peculiar e irreverentemente criatividade, mistura diferentes sabores, cores e cria a Tar da Pizza: espaço onde são alimentados, conforme Augusto, tanto a barriga como o senso crítico.

Portador de uma visão universal realística sobre a vida, o Artista Poeta transporta em sua cotidianidade declarada indignação às contradições estruturais. As críticas sociais são a marca expressiva de suas obras. Seu trabalho transcende, instrui, liberta… Vive a catarse: intenso, profundo… Ao lado de Augusto dos Anjos, Augusto Simões é atemporal, eterno… Seu trabalho é provocador, Admirado por uns, odiado por outros (…). Através de seus traços, formas e cores, revela o real-concreto libertário: O povo anseia, o povo fala!

Embora pareça contraditório, o questionador radical, o declarado ateu, prioriza o silêncio interior com quem mantém diálogo perene na busca de iluminação para sua expressividade artístico militante. Na sincera companhia de seus pensamentos, encontra respostas: O mundo é pequeno demais para tantas descobertas. O verdadeiro artista sempre será um construtor social. Sua mente viaja no espaço e tempo, há anos luz, entre os meros mortais.

Por conta dos frequentes embates e enfrentamentos cujos reflexos, direta ou indiretamente, respingam sobre a harmonia familiar, o Irreverente se impõe recolhimento e até promete se voltar única e exclusivamente para a Tar da Pizza e para seus pincéis. No entanto, o juramento dura pouco e a imunidade ideológica cai por terra, quando se depara com grupos ativistas em manifestações pelas ruas da Ilha. E ironiza: Não tem jeito. Sou que nem pecador neoconvertido: não resiste às tentações dos vícios acumulados.

Já beirando meio século, nessa trajetória atribulada cujos conflitos lhe impõem silenciamentos, restrições similares e, ao mesmo tempo, forjam brechas para possíveis venalidades, nosso Artista torna-se mais irreverente: Se não me corrompi quando passei fome e estava na fase do arrebanhamento, não será agora. Se existir um deus pros ateus que me livre dessa infeliz caduquice.

Até onde foi possível dialogar com a irreverente expressividade de Simões, reafirmamos sua coerência e lealdade ao ideário de Platão, no que se refere a arte, enquanto instrumento de provocação e transformação…

Veja a galeria de Augusto Simões.

Notas:

Ilha – Referências à área urbana de Parintins.

Beirando – Aproximando.

Fátima Guedes é educadora popular e pesquisadora de conhecimentos tradicionais da Amazônia. Graduada em Letras pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), tem especialização em Estudos Latino-Americanos pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) em parceria com a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) em Guararema (SP). É também fundadora da Associação de Mulheres de Parintins, da Articulação Parintins Cidadã e Militante da Marcha Mundial das Mulheres.

Reportagem Noticiosa

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