Inevitável Epidemia

FÁTIMA GUEDES Não é exagero afirmar que, paralela à epidêmica corrupção que assola o Brasil, a dengue compete em gênero, número e classe. Sem excluir setores básicos da sociedade, as maiores incidências de contaminação da primeira mazela são detectadas nos […]

Por Amazônia Real Publicado em: 13/04/2015 às 13:12

Lixo acumulado é um grave problema em Parintins. (Foto: Arquivo pessoal de Fátima Guedes)

FÁTIMA GUEDES

Não é exagero afirmar que, paralela à epidêmica corrupção que assola o Brasil, a dengue compete em gênero, número e classe. Sem excluir setores básicos da sociedade, as maiores incidências de contaminação da primeira mazela são detectadas nos altos escalões da política, no ápice da pirâmide social – a dita “classe A”.

Em se tratando da segunda, os índices disparam nas estratificações mais baixas e em desvantagens de condição socioeconômica e sanitária, isto é, sobre a massa condenada aos precaríssimos guetos urbanos. Muito embora, não raro, o atrevido Aedes aegypti, transmissor da doença, quebra o bloqueio separatista entre os dois mundos e confirma os princípios democráticos de que, em se tratando de epidemia, todos são iguais perante a ofensiva viral.

A propósito da profecia sobre uma inevitável epidemia de dengue no País, tanto os brasileiros de cima quanto os de baixo estão sujeitos aos mesmos riscos de vulnerabilidade – ineficiência de saneamento básico, total negligência em relação à legislação sobre resíduos sólidos cuja produção desenfreada, até aqui, sem respostas coerentes.

Frente aos números cada vez maiores de brasileiros contaminados e às ameaças de uma epidemia, o Estado intensifica campanhas de sensibilização de combate ao mosquito. No geral, percebe-se na grande maioria das campanhas que este mesmo Estado não traz pra si a responsabilidade pelo avanço da nova praga brasileira nem aponta as próprias negligências em relação aos condicionantes sociais, fundamentais para a efetivação do direito dos povos a uma sadia qualidade de vida. Nesse sentido, virou esquema transferir-se para a massa analfabetizada responsabilidades sociais que são peculiares do aparelho estatal.

E nós, habitantes da Capital Brasileira do Folclore, quais as novidades sobre a questão?? A princípio e em princípio, nem só de boi vive a Ilha; aliás, o Boi tem sido a salvação dos ilhéus contra o anonimato, o isolamento e os preconceitos colonialistas; bem ou mal comparado, o Boi está para Parintins como a “maldita Geni” concebida por Chico Buarque de Holanda.

Até a conclusão do presente artigo, 93 casos de dengue foram confirmados na cidade de Parintins (AM). Aqui, não estão incluídos os pacientes que se recusaram procurar os hospitais por conta da qualidade na atenção. Ainda, em relação aos dados, é importante manter os olhos bem abertos, tendo em vista que as práticas cumpliciosas desenvolvidas pelas administrações de ontem e de hoje não são de todo transparentes e confiáveis: para poupar ou favorecer chefias e cargos utilizam de sórdidas tendências para esconder informações de interesse coletivo.

Sobre o que se tem de concreto em relação ao conjunto das responsabilidades sobre a proliferação da dengue, em Parintins, seria leviandade inocentar ou excluir a população. É sabido que uma parcela considerável de parintinenses – segundo o médico sanitarista Menabarreto Segadilha França – não exercita o lobo esquerdo do encéfalo, responsável pela racionalidade, e, portanto, torna-se indiferente e passiva diante de suas legítimas necessidades. Nesse sentido, naturalizou-se, neste Município, cruzar os braços ou desviar o olhar de pilantragens já viciadas, de desvios de dinheiro público, de enganações na educação e na saúde; virou rotina conviver com esgotos escancarados, com produção desenfreada de lixo, com mananciais urbanos tomados por esgotos e, ainda, aceitar um lixão em pleno Centro de Estudos Superiores da UEA (Universidade do Estado do Amazonas).

Tomando-se como referências tanto o conformismo dos ilhéus quanto a ausência de educação ambiental comprovada em suas vivências cotidianas, é vantajoso para a gestão pública massificar indutivamente os populares como os responsáveis pela proliferação da dengue no Município, e, por esta via, eximir-se de cobranças sobre saneamento básico, políticas públicas de tratamento de resíduos sólidos, sobre o dinheiro público derramado em vão com panfletos inacessíveis de entendimento; com camisetas caras; com poluição sonora e coisas mais, utilizados em campanhas inconsistentes de contenção ao mosquito transmissor cada vez mais atrevido. Ratificando: todo esse desperdício pago com dinheiro arrancado de vulneráveis e vítimas do Aedes aegypti.

De resto, oficializada e aceita tal hipocrisia, salve-se quem puder de uma inevitável epidemia.

Fátima Guedes é educadora popular e pesquisadora de conhecimentos tradicionais da Amazônia. Graduada em Letras pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), tem especialização em Estudos Latino-Americanos pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) em parceria com a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) em Guararema (SP). É também fundadora da Associação de Mulheres de Parintins, da Articulação Parintins Cidadã e Militante da Marcha Mundial das Mulheres.

Reportagem Noticiosa

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