A industrialização, o ecodesenvolvimento e o bem viver

RENAN ALBUQUERQUE Quando começou a industrialização no Brasil, profundas modificações no sistema de trabalho foram sentidas. Na década de 1950, em que a conjuntura geográfica era diferenciada em relação a atual, mais de 70% dos brasileiros moravam em áreas rurais. […]

Por Amazônia Real Publicado em: 27/04/2015 às 11:40

RENAN ALBUQUERQUE

Quando começou a industrialização no Brasil, profundas modificações no sistema de trabalho foram sentidas. Na década de 1950, em que a conjuntura geográfica era diferenciada em relação a atual, mais de 70% dos brasileiros moravam em áreas rurais. Cidades apresentavam espaços vazios, em formação. Em áreas rurais estava agrupada a maioria das pessoas. Menos de 60 anos depois, a situação se inverteu, com a população majoritariamente em urbes. No decorrer da mudança, porém, mesmo observando a inversão demográfica, a partir de 1960 o governo brasileiro, militar e baseado em um regime de exceção, não se preparou para a conjuntura apresentada.

Políticas socioeconômicas praticadas em países europeus e na América do Norte começaram a ser transplantadas para o Brasil. Por causa disso, a implantação de projetos de desenvolvimento na Amazônia ocasionou equívocos a povos afetados pela política da imitação, pautada pelo modelo liberalista de governo. Como peculiaridades do bioma foram pouco levadas em consideração ao longo dos tempos, devido orientações científicas e ideológicas desconectadas da realidade regional, houve lacuna concernente a tendências objetivas para a reconstrução de políticas públicas voltadas para o bioma ou dentro dele praticadas.

A partir de então, o ecodesenvolvimento ficou cada vez mais distante e menos plausível de ser alcançado, haja vista que valores de mundo legados a brasileiros foram importados da civilização europeia, de suas tradições, de sua história peculiar de entre guerras, de disputas imperiais e expansão de áreas urbanas. Nem em nosso país e em nações de menor porte na América Latina há recursos naturais suficientes para sustentar o nível de consumo que hoje se almeja nos EUA, por exemplo. É preciso mudança de mentalidade que abranja a estrutura das pessoas, suas condições de existência.

No país, a atual austeridade praticada hoje na Europa — como política imposta a setores economicamente mais fracos da população mundial — já fora disseminada desde que Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial passaram a ser credores do desenvolvimento social. Ao decidirem quais obras, quais avanços, quais estratégias de desenvolvimento e quais investimentos deveriam ser feitos, uma panaceia de valores invertidos passou a figurar entre os brasileiros.

Na América Latina, por outro lado, o termo bien vivir vem sendo compreendido como conceito essencial para a mudança de rumo a um mundo que respeite particularidades referentes a cosmovisões, saberes, representações, parentesco e consanguinidade, bem como concernentes à realidade coletiva e individual e à condição imaterial de grupos. A proposta é ensaio para o ecodesenvolvimento, fazendo contraponto ao ideal de austeridade de credores e especuladores do FMI.

O conceito de bien vivir foi organizado a partir da Constituição equatoriana de 2008, tomando como referência uma noção oriunda de conhecimentos indígenas, e ganhou força a partir do Plano Nacional para o Bem Viver 2009-2013, também do Equador. Na época, a Bolívia respondeu a anseios do país vizinho e passou a disseminar a proposta e veicular na mídia o bien vivir, cujo modelo possui bases da conjunção ecotecnologia, ecorregião e ecodesenvolvimento. O significado é amparado na convicção de que deve existir harmonia necessária entre ambientes e habitantes, facilitando a recuperação material e cultural de povos e reconstruindo saberes antes desconsiderados pelo caráter impositivo do capitalismo.

Para dar o valor ao ecodesenvolvimento apoiado em ecotecnologias voltadas a ecorregiões, faz-se necessário que o bem viver na Amazônia desnude tudo de negativo que o capitalismo, transformador do dinheiro no maior valor individual da atualidade, deixou de herança para o mundo contemporâneo. Além de considerar a importância da conjunção entre meio ambiente e economia, o bien vivir aposta na evolução de seres humanos e não na acumulação. E acredito que seja tal pressuposto que amazônidas devam seguir.

* Renan Albuquerque é professor e pesquisador do colegiado de jornalismo da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e desenvolve estudos relacionados a conflitos e impactos socioambientais entre índios waimiri-atroari, sateré-mawé, hixkaryana, junto a atingidos pela barragem de Balbina e com assentados da reforma agrária.

Reportagem Noticiosa

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