Juarez Silva Jr.

A patota de Cosme e a ascensão da intolerância religiosa

Por Juarez Silva Jr Publicado em: 27/09/2021 às 15:38

A reflexão de hoje é bem curta. Escrevo no dia em que no Brasil todo, e obviamente não excluída a nossa Amazônia, se faz a popular e tradicional distribuição de doces em homenagem a Cosme e Damião.

A tradição começa pela comemoração dos santos gêmeos, e que na igreja católica se dá no último domingo de setembro. A sincretização dos santos gêmeos com as divindades infantis iorubás, os também gêmeos chamados Ibeji, então deu à comemoração um outro sentido, mais popular ainda, o de “festa das crianças”, em que as mesmas recebem doces, comidas e outros mimos.

A tradição se espalhou pelo país muito por conta da Umbanda, religião genuinamente brasileira, oriunda de uma dissidência do espiritismo kardecista, que é cristão, mesclado com o candomblé, de matriz africana, o catolicismo e cultos de base indígena como o Catimbó e Jurema. É, portanto, a partir dos terreiros de Umbanda que se disseminou a prática de fazer a distribuição pública de doces na segunda-feira imediata ao dia católico dos santos; e como já dito, em uma sincretização com os gêmeos “orixás-mirins” Ibejis, associados aos santos gêmeos católicos.

Quem já adulto não lembra de ter participado tranquilamente da farta distribuição de doces e brinquedos e brincadeiras organizadas pelos terreiros ou umbandistas dos bairros ou comunidades? Era uma festa em que todos participavam sem maiores problemas.

Até que nos últimos anos, com a ascensão das igrejas neopentecostais, ao mesmo tempo que coisas que não faziam parte do universo evangélico histórico, passaram a ser “gospelizadas”, ou seja, “coisas do mundo” que foram apropriadas e repaginadas com o intuito de poderem então ser consumidas em uma “versão autorizada” para os fiéis. Outras, por sua vez, passaram a ser demonizadas e fortemente atacadas por meio de intolerância religiosa.

É o caso dos doces distribuídos no Cosme e Damião. Uma coisa surgida para celebrar a infância, a alegria, o bom espírito de doar, a integração comunitária e a boa convivência entre grupos de religiosidade distintas, se vê agora envolta em uma disputa com espírito justamente contrário, o de fomentar o preconceito, discriminação e isolamento dos “diversos”.

Deixo aqui a alegre mensagem do carismático e popular Zeca Pagodinho em “Patota de Cosme” :

“Já tentou diversas vezes me prejudicar

Mas minha cabeça é sã

Porque Cosme é meu amigo

E pediu a seu irmão: Damião

Pra reunir a garotada

E proteger meu amanhã, meu amanhã

Porque Cosme é meu amigo

E pediu a seu irmão: Damião

Pra reunir a garotada

E proteger meu amanhã”

É isso. Seja lá qual for a sua fé, não faz o menor sentido se insurgir contra algo que fomenta bons valores humanos. Que o espírito fraternal do Cosme e Damião e a pureza das crianças, prevaleça sobre a intolerância e obscuridade.

A imagem que ilustra este artigo é do acervo de Juarez Silva

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Sobre a matéria

Juarez Silva Jr

Juarez Silva Jr. é um ativista, escrevinhador digital e apaixonado pela Amazônia, radicado em Manaus desde 1991. Tem graduação em Processamento de Dados pela Universidade de Taubaté, em São Paulo. Trabalhou e lecionou diretamente na área de tecnologia da informação por duas décadas, migrando para a área de Educação a Distância na qual é especialista pela Universidade Católica de Brasília. Também é Mestre em História pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Atua nos movimentos de negritude e é estudioso da temática e história das relações raciais e cultura afrobrasileira e africana, movimentos sociais e Direitos Humanos. Foi conselheiro estadual de Direitos Humanos e é servidor público de carreira. Escreve sobre tecnologia, história, relações raciais, atualidades, sociedade e cultura.