A questão do lixo em Parintins (O problema)

Por Amazônia Real Publicado em: 11/11/2013 às 00:00

RENAN ALBUQUERQUE

O município de Parintins, a 369 quilômetros via fluvial da capital do Amazonas, Manaus, produz hoje, em média, 60 toneladas de resíduos sólidos diariamente, contabilizando-se o material orgânico recolhido. O despejo do lixo no município até a década de 1990 se dava em “lixeiras viciadas” (pontos de descarte impróprios, em ruas, rios, vielas, becos etc.) espalhadas em diferentes pontos da cidade. Em março de 1997, no governo do prefeito Carlinhos da Carbrás, houve a criação da lixeira pública da cidade em uma área pertencente à extinta Escola Agrícola. Na verdade, um desserviço aos humanos, animais e vegetais da ilha. No local, nenhum tratamento foi realizado para melhorar a situação dos resíduos despejados desde a fatídica data, e assim a cantilena vem se repetindo, em tempos idos e vindos, até chegarmos ao espetacular ano da Copa de 2014 (falta um mês, mas estou ansioso para comer pipoca na Arena da Amazônia), contabilizando mais de uma década após a virada do milênio e a chegada da Era de Aquário.

Em 2000, enquanto a mídia cabocla estava preocupada com o bug dos computadores, foi instalado no terreno ao lado do lixão de Parintins o Centro de Estudos Superiores de Parintins (Cesp), da Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Trocando em miúdos, ocorreram dois crimes simultâneos: a criação de um lixão sem ordenamento técnico e a instalação de uma universidade em uma área de risco à saúde. A partir de então, surgiram às primeiras movimentações acerca da problemática, no intuito de mitigar os efeitos sociais e ambientais da deposição de resíduos.

Mena Barreto, médico, responsável na época pelo internato rural de acadêmicos, foi um dos precursores da discussão. Juntamente com o Movimento Articulação Parintins Cidadã, representado pela professora Fátima Guedes e pelo jornalista Floriano Lins, foram organizadas palestras em escolas e associações de moradores, nas quais eram tratadas questões referentes ao lixão e havia a tentativa de amenizar os efeitos dos problemas já identificados naquele momento: doenças gastrointestinais e de pele, contaminação do lençol freático e da fauna e flora do entorno, proeminentes do chorume e dos gases tóxicos e de efeito estufa emitidos.

A área usada para a destinação final dos resíduos orgânicos e não orgânicos de Parintins compreende aproximadamente a 100 hectares e é responsável por emanar inúmeros problemas socioambientais. O curioso, porém, é que somente são noticiados acontecimentos no município relacionados à interdição do aeroporto Júlio Belém para pousos e decolagens no turno diurno. A contaminação do lençol freático do entorno da lixeira e a queima irresponsável de gás metano recolhido do subsolo, por exemplo, passam ao largo.

O embargo da Justiça à abertura do aeroporto durante o dia, efetivado pelo juiz Dimes da Costa Braga, deu-se por causa do lixão a céu aberto encontrar-se a menos de sete quilômetros da pista de pousos e decolagens, fato que, segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), gera riscos em decorrência da quantidade de urubus que sobrevoam o local e podem colidir com as aeronaves. Todavia, no caso da contaminação e da queima de gases, pouco se ressaltou.

Atualmente, o maior problema relacionado à lixeira pública é, sobretudo, o dano causado aos moradores dos bairros adjacentes à área, por meio da proliferação de vetores de doenças, sendo eles urubus, ratos, baratas e moscas; da contaminação da água da chuva que escorre no entorno da lixeira; do mau cheio crônico; do chorume; da poluição do ar; da degradação florestal e da aniquilação do bem-estar social via deseducação popular ante o tema.

A Prefeitura Municipal de Parintins, confrontando a lei nº 407/2007 do Código de Posturas, há pelo menos quatro anos vem incentivando de maneira controversa a população das áreas periféricas da cidade a depositar resíduos orgânicos e domésticos na rua, contribuindo para o estresse da capacidade de acumulação do lixão. Regularmente, são veiculados informes via rádio para que moradores amontoem o lixo gerado em frente às suas casas para que tratores do tipo pá-mecânica e caminhões caçamba façam o recolhimento. O problema é que a coleta ocorre uma vez a cada 60 dias, em média, daí o que se vê são montes de entulho que vão de eletrodomésticos e carcaças de animais mortos a estrume, madeira em decomposição, pneus, isopor, ferro, papelão, restos de materiais de construção e pode de vegetação apodrecida. É a visão do inferno na terra encantada do boi-bumbá.

Em janeiro de 2013, a Prefeitura de Parintins informou que o lixão foi “elevado” à categoria de aterro controlado, sob a concordata do Estado, o que seria um passo para atingir o nível de aterro sanitário, classificação dada a locais de descarte e disposição de resíduos com alto grau de sustentabilidade e reduzido risco à saúde humana. Seria, mas não ocorreu, como já se costuma a verificar em casos de festim relacionado a Grandes Projetos de Investimentos na Amazônia (vide Copa de 2014).

Funciona assim, em termos simplificados: lixão é um local onde não há tratamento de resíduos e urubus competem com humanos pela xepa do dia; no aterro controlado algum tratamento é dispensado, mas deveria ser apenas um estágio provisório, o que via de regra não ocorre; no aterro sanitário o lixo vira energia e rende lucro ao Estado, em vez de gerar problemas e cânceres de estômago. De modo que subir para a categoria de aterro controlado geraria expectativas para se atingir o grau de aterro sanitário em Parintins. Mas não, infelizmente.

Os impactos sociais, econômicos e ecológicos causados durante os 24 anos de acúmulo desordenado e ilegal de resíduos ainda repercutem na vida das pessoas, dia após dia. Com a proliferação de vetores de doenças, automaticamente são demandados maiores recursos financeiros dos cofres públicos para mitigar os danos socioambientais e no âmbito da questão da saúde pública. Na parte ambiental e ecológica, os impactos continuam a se relacionar à superpopulação de bichos pútridos na área urbana e à contaminação do lençol freático, além da alta em doenças de pele e gastrointestinais nos hospitais locais.

Atualmente, é feita em parte a execução do controle de aves, por meio de um plano de manejo de fauna aviária do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Esse plano exigiu que a Prefeitura contratasse um biólogo especialista para a execução de relatório de controle aviário. E só. O contraste da sujeira crônica e da podridão aguda, da disposição de água servida das casas diretamente às ruas, do esgotamento sanitário e das incertezas sobre as fossas negras (tipo sumidouro) assolam a população da ilha. É a antiestética da tolerância ao lixo institucionalizada.

Para o governo Dilma, até 2014 todos os municípios do Brasil devem extinguir seus lixões que, somam hoje 2.900, divididos em 2.810 municípios, e implantar aterros sanitários junto a outras medidas socioambientais, conforme previsto pela lei 12.305/010 da Política Nacional de Resíduos Sólidos. Caso não haja a mudança, pode acarretar aos municípios perda de recursos do governo federal, principalmente, do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Só que, para além da questão orçamentária e das leis (muitas vezes, letra-morta), existe a questão humana.

Em Parintins, a área aprovada para a possível implantação do suposto aterro controlado fica no Projeto de Assentamento da Gleba de Vila Amazônia, pertencente ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Após a transposição e, portanto, desativação do aterro controlado dentro da cidade encantada, esse histórico ponto de descarte de lixo da ilha passaria a ser um local de monitoramento e controle ambiental, mas não deixaria de ser uma área de risco, por conta da necessidade de autorevitalização do ecossistema ali existente. Além disso, se a transposição para a Vila Amazônia ocorrer sem um plano efetivo de melhoria, será apenas a mudança do problema de lugar e não a resolução do caso.

A secretária de Limpeza Pública de Parintins, Fabiana Campelo, e o secretário de Meio Ambiente do município, Ronaldo Medeiros, após um ano de gestão, não conseguiram avançar na diminuição dos resíduos orgânicos e não orgânicos produzidos pela população parintinense. Pelo contrário: a lei que descreve o impedimento dos moradores em depositar lixo na rua, de autoria do advogado e motoqueiro harleydavidsoniano Juscelino Manso, só existe em forma de arquivo documental, para azar da população.

Na prática, moradores dos bairros Palmares, Santa Rita, Santa Clara, São José, João Novo, Dejard Vieira, Itaúna I e II, Paulo Corrêa, Paschoal Alágio, União e Tonzinho Saunier – onde moram 65% da população de Parintins – convivem diariamente com a desurbanização e a sujeira. Em suma, o que existe na midiática ilha maravilhosa dos bois, no segmento da limpeza pública e do saneamento básico, é apenas a reprodução de discursos oficiais (vazios e obtusos), os quais indicam que a transposição da lixeira para a Vila Amazônia irá reposicionar a cidadania socioambiental há muito amputada.

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2 Comentários

borvest inkral disse:

04/09/2017 às 19:47

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vania colanzi disse:

21/09/2016 às 19:53

Estive em Parintins para realizar uma pesquisa e tambem pensando numa possibilidade futura de investimento, mas já na chegada vi uma “galinhonas pretas”, muito feias e em grande quantidade, eram os tais urubus, assustadores, o lixo me deixou chocada, por toda parte, logo eu que imaginei que o Amazonas a educação ambiental era algo exemplar, apesar de ter um povo maravilhoso, percebi o descaso com a cidade, não só do poder publico, mas de todos, ainda sonho em voltar, mas penso hoje em como ajudar a resolver o problema, uma cidade que tem tudo para acontecer nestas condiçoes me deixaram extremamente triste.

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