Amazônia em Chamas: policial militar aposentado nega ameaças a jornalista que denunciou o “dia do fogo”

Por Amazônia Real Publicado em: 09/09/2019 às 16:34

Donizete Severino Duarte, que é também produtor rural, culpa bituca de cigarro e falta de chuva pela alta nas queimadas no Pará. Ele chamou o governo do estado de “insano” pela investigação que faz contra ele (Foto de queimadas no Parna Jamanxim em Novo Progresso, no Pará, em 24 de agosto de 2019/Victor Moriyama/Greenpeace)

Vivianny Matos, especial para a Amazônia Real

Belém (PA) – A reportagem da Amazônia Real entrevistou o policial militar aposentado e produtor rural Donizete Severino Duarte, que foi identificado pela Polícia Civil do Pará como sendo o responsável pelos crimes de ameaças, calúnia e difamação contra o jornalista Adecio Piran, proprietário do jornal Folha do Progresso, da cidade de Novo Progresso, no sudoeste do Pará. Em reportagem publicada pela agência, o jornalista acusou Duarte de o atacar em um grupo da rede social WhatsApp ao postar a imagem de um panfleto junto com a frase “Mentiroso, Estelionatário e Trambiqueiro”. O panfleto dizia ainda que a notícia publicada pelo jornal sobre o protesto “dia do fogo” era falsa e prejudicou o desenvolvimento econômico de Novo Progresso.

Donizete Duarte aceitou conceder a entrevista com a condição de que as perguntas fossem enviadas, previamente, ao seu telefone celular via mensagem de texto pela rede social no WhatsApp, mas não disse em que cidade se encontrava. Ele afirma que pertence ao grupo político da direita “Renova Novo Progresso” e não “Direita Unida Renovada”, como anunciou a Polícia Civil e o jornal Folha do Progresso. O policial negou que atacou o jornalista, dizendo que apenas compartilhou, em suas redes sociais, o panfleto, que ele chamou de folheto. “(…) Eu assumo a minha postagem em todas as minhas redes sociais (Facebook e nos grupos de WhatsApp). Eu não tenho intenção nenhuma de fazer mal a ninguém, muito menos ao Adecio Piran”, disse.

Sobre a produção do panfleto e a ampla divulgação deste nas cidades de Novo Progresso e Altamira, ele também negou ter participação. “Esse folheto eu não tenho nada a ver com a confecção dele. Para começar, eu não tenho dinheiro. Então, eu não ameacei o Adecio”, disse Duarte. O policial aposentado disse que o seu grupo no WhatsApp possui muita influência política em Novo Progresso, porém, não mencionou partidos.

Com relação à investigação da Polícia Civil do Pará, que o acusa de autor das ameaças contra o jornalista Adecio Piran, Duarte disse que “o governo [do Pará] cometeu um ato de insanidade. Dizer que já encontrou o homem que [fez a] ameaça? Não! Eu acredito que o governo não tinha todas as informações”, afirmou ele.

O jornalista Adecio Piran publicou, em 5 de agosto, que o “dia do fogo” aconteceria no dia 10 do mesmo mês, como um protesto dos produtores rurais de Novo Progresso. O protesto era para “chamar atenção das autoridades” sobre a falta de apoio do governo”, e também para demonstrar que os ruralistas estavam “amparados pelas palavras” do presidente Jair Bolsonaro (PSL), que contestou os dados dos desmatamentos na Amazônia e prometeu perdoar as multas de ruralistas por crimes ambientais. “Precisamos mostrar para o presidente [Jair Bolsonaro] que queremos trabalhar e o único jeito é derrubando. E para formar e limpar nossas pastagens, é com fogo”, disse um fazendeiro, ouvido pelo jornal Folha do Progresso, sob anonimato.

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) detectou, no “dia do fogo” em Novo Progresso, 124 focos de incêndio, o que representou um aumento de 300%, em relação ao dia anterior (9 de agosto). No dia seguinte, foram 203 focos (11 de agosto). Já em Altamira, foram 194 focos de queimada em 10 de agosto e 237 no dia seguinte, uma alta de 743% nos focos de incêndio”, segundo a nota oficial da Procuradoria da República no Pará.

Os responsáveis pelos incêndios florestais estão sendo investigados pelo Ministério Público Federal e pela Polícia Federal. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) faz várias operações nas regiões de Novo Progresso e Altamira contra as queimadas e os desmatamentos, o que gerou tensão e protestos dos produtores rurais, madeireiros e garimpeiros.

Protestos na BR 163 contra ações dos fiscais do Ibama e do ICMBio, em Novo Progresso
(Foto: Folha do Progresso/09/09/2019)

Para o policial militar aposentado Donizete Duarte, o “dia do fogo’ “foi uma invenção para criar marketing e publicidade para algum veículo de comunicação”. No entanto, ele confirmou que houve aumento no desmatamento da região e responsabilizou essa alta das queimadas à “bituca de cigarro” jogada na mata e à falta de chuvas. “Teve derrubada na Amazônia? Teve. (…) O que chamam de incêndios é devido à falta da chuva e a maior parte dessas queimadas são em pastos”.

Donizete Duarte, em Novo Progresso, em 2014
(Foto: Folha do Novo Progresso)

Após a publicação da reportagem sobre as ameaças contra Adecio Piran, o Sindicato dos Jornalistas do Pará (Sinjor/PA) e a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), o Comitê para Proteção de Jornalistas (CPJ), além da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), se manifestaram, repudiando os ataques contra o jornalista. A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) manifestou solidariedade a Adecio Piran. “Quando um jornalista é atacado por realizar o trabalho de informar, o prejuízo é de toda a sociedade. Cabe às autoridades investigar as ameaças a Piran e punir os responsáveis”, cobrou a instituição.

O Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) disse à reportagem da Amazônia Real que, caso seja de interesse de Piran, ele poderá ser incluído no Programa Estadual de Assistência a Vítimas, Testemunhas e Familiares de Vítimas de Crimes (Provita/Pará). Mas o jornalista não se posicionou ainda sobre a adesão ou não ao programa. Por enquanto, ele está recebendo proteção da Polícia Militar. Leia a entrevista exclusiva com o policial militar aposentado Donizete Severino Duarte.

Amazônia Real – O senhor é produtor rural ou fazendeiro? O que o senhor produz na sua fazenda?

Donizete Duarte – Não sou fazendeiro. Sou policial militar aposentado. Sou do Mato Grosso do Sul e estou em Novo Progresso desde 2002. Sou pequeno produtor. Tenho uma pequena propriedade, um sítio de 20 alqueires, no qual eu produzo apenas cultura para a minha subsistência.

Amazônia Real – Segundo a Polícia Civil do Pará, o senhor é o responsável pelos ataques contra o jornalista Adecio Piran, proprietário do jornal Folha do Progresso. O que o senhor tem a dizer sobre essa acusação?

Donizete Duarte – Eu não ameacei o Adecio Piran. Apenas encontrei um folheto na rua de manhã cedo, se não me engano, no dia 28 (de agosto). Onde se passava tinha esse folheto, denegrindo a imagem do nosso amigo Adecio Piran. Eu, simplesmente, fiz uma foto do folheto e postei nas minhas redes sociais com alguns dizeres. Essa postagem é a que está lá na delegacia, onde a polícia diz que encontrou a pessoa que ameaçou [Piran]. Então, eu fui ouvido na delegacia uma vez só. Parece que o jornalista deu o nome de todas as pessoas que postaram esse folheto nas redes sociais lá na delegacia e eu fui o primeiro ser ouvido, devido o meu grupo [no WhatsApp] que tem uma grande influência política na cidade. Então, a única coisa que aconteceu foi esse folheto que eu compartilhei nas minhas redes sociais e o meu depoimento que está na delegacia. Esse folheto, eu não tenho nada a ver com a confecção dele. Para começar, eu não tenho dinheiro. Então, eu não ameacei o Adecio. A partir desse momento que eu fiz essa postagem, eu fui lá no sítio e voltei – e lá não tem internet – e quando eu voltei estava um auê. A partir desse momento, eu não fiz mais nenhum comentário nas redes sociais a respeito desse jornalista.

Então, minha postagem foi única aquela. Eu assumo a minha postagem em todas as minhas redes sociais (Facebook e nos grupos de WhatsApp). Eu não tenho intenção nenhuma de fazer mal a ninguém, muito menos ao Adecio Piran. E falando em ameaça, ontem (3 de setembro), na Câmara Municipal de Novo Progresso, foi feito um ato de repúdio pelos vereadores contra esse jornal (Folha do Progresso). E eu acho que o governo [do Pará] cometeu um ato de insanidade. Dizer que já encontrou o homem que [fez a] ameaça? Não. Eu acredito que o governo não tinha todas as informações.

Amazônia Real – O que o senhor sabe sobre o “dia do fogo”?

Donizete Duarte – Eu não tenho conhecimento desse fato. No meu grupo de WhatsApp tem poucos fazendeiros. Então, nós não sabemos o que aconteceu realmente. Acredito que esse ‘dia do fogo’ foi só uma invenção para criar nome. Isso não existe. Foi apenas para criar marketing e publicidade para algum veículo de comunicação.

Amazônia Real – Ocorreram incêndios para chamar a atenção do presidente Jair Bolsonaro, por parte dos produtores rurais?

Donizete Duarte – A maioria dos incêndios está acontecendo nas laterais da BR (163). Muitas vezes por bituca de cigarro, ou por descuido de alguma pessoa que está transitando. Então, está queimando muito pasto. A floresta da Amazônia não pega fogo. O que pega fogo são os pastos e aquelas partes que já foram derrubadas. Teve derrubada na Amazônia? Teve. Mas também não é de se alarmar tanto. Então, a derrubada, ela existiu e o que chamam de incêndios é devido à falta da chuva e a maior parte dessas queimadas são em pastos.

Amazônia Real – Qual é o objetivo do grupo de WhatsApp “Direita Unida Renovada”?

Donizete Duarte – O nosso grupo é o ‘Renova Novo Progresso’. Nosso objetivo é a renovação completa na política progressiense. Nós batemos contra as raposas políticas do município. Nós discutimos política pública para o município, bem como o plano diretor da cidade que não existe. Essa é a nossa discussão do grupo. E referente ao que está acontecendo desse auê, que o Brasil, o mundo está contra Novo Progresso, devido a essa reportagem do ‘dia do fogo’, o nosso grupo, é claro, que não é favorável. São pessoas que defendem a nossa região, pessoas que querem ver a nossa região produtiva. Acho que não tenho nenhum integrante pecuarista ou fazendeiro no meu grupo. A maioria é comerciante, empresários e pessoal comum da sociedade que não aguenta mais essa situação dessa velha política do ‘toma-lá-dá-cá’. Então, esse é o nosso objetivo do grupo: renovação total. Não queremos nenhum vínculo com políticos.

Amazônia Real – Qual é a sua opinião sobre a crise dos incêndios florestais na Amazônia?

Donizete Duarte – A respeito dessas queimadas, isso acontece todo ano. Esse ano pode ter aumentado um pouco, devido à falta de chuva na região. No meu sítio não deu nem uma garoa (chuva) depois do tempo chuvoso. Então, é muita seca. Esse é o aumento que teve (nas queimadas). A quantia do aumento é grande, tendo em vista a falta de chuva, a seca que está assolando a Amazônia. Isso já aconteceu em outras épocas.

O que diz o jornalista?

Procurado pela reportagem, o jornalista Adecio Piran disse que não comentaria as declarações do policial militar aposentado Donizete Duarte. Ele confirmou que está recebendo proteção da Polícia Militar do Pará, que foi determinada pelo governador do Pará, Helder Barbalho (PSDB), após solicitação feita pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI).

Piran disse, ainda, que “após interferência da polícia (como investigação e proteção) as pessoas silenciaram”, mas não informou os nomes delas. “Acredito na justiça”, afirmou o jornalista.

A Câmara Municipal de Novo Progresso confirmou à agência Amazônia Real que emitiu uma Moção de Repúdio contra o jornalista Adecio Piran. A nota faz referência, ainda, ao site da revista Globo Rural, que publicou que o “dia do fogo”, no dia 25 de agosto, (que o “dia do fogo”) foi um ato foi planejado por sindicalistas, produtores rurais, comerciantes e grileiros em um grupo do WhatsApp, que tinha mais de 70 seguidores, estando envolvidas pessoas das regiões de Altamira e Novo Progresso. Para os oito vereadores dos partidos PSC (2 parlamentares), PSB (1), PSDB (2), PPS (1), MDB (1) e PDT (1), que assinam a nota, as matérias jornalísticas divulgadas pelos veículos distorcem e criam “fatos para denegrir a imagem do Município de Novo Progresso e região”.

A Diretoria de Polícia do Interior, em nota publicada no site do governo do Pará informou que em relação à denúncia de ameaças recebidas pelo jornalista Adecio Piran, do jornal Folha do Progresso, responsável pela reportagem sobre o “dia do fogo”, a Polícia Civil de Novo Progresso, após o registro da ocorrência, iniciou as investigações e já identificou o responsável pelas ameaças como Donizete Severino Duarte, que usou um grupo de Whatsapp denominado “Direita Unida Renovada”, administrado pelo acusado.

“Donizete foi intimado a comparecer à delegacia, onde prestou depoimento e foi responsabilizado pelas ameaças. O caso foi enviado à Justiça”, diz a nota. “Em relação ao panfleto que circulou na região, no qual Adecio Piran é alvo de calúnias e difamações, as investigações continuam para identificar os autores da mensagem e os responsáveis pela distribuição à população”, disse a diretoria da Polícia do Interior.

Assim como policial militar aposentando e produtor rural Donizete Duarte, integrantes do governo de Jair Bolsonaro, como a ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina, também responsabilizou a estiagem pelos incêndios na Amazônia. Essa suposição foi negada pelos pesquisadores do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e pelo (do) próprio Inpe.

Por meio dos dados do Deter, o Inpe anunciou que o desmatamento na Amazônia cresceu no mês de julho 278% em comparação ao mesmo mês, em 2018. Já em agosto deste ano foi uma alta de 222% em relação ao mesmo período do ano passado, o que significou que 1.701 km² da floresta amazônica foram devastados, disse o jornal Folha de S. Paulo.

No monitoramento das queimadas, o Inpe apontou que os focos aumentaram 196% no mês de agosto deste ano: 30.901 contra 10.421 em relação ao mesmo período do ano anterior.

De janeiro a 8 de setembro, o Inpe registrou 13.535 focos de queimadas no estado Pará; um aumento de 82% em relação ao mesmo período de 2018, que foi de 7.454 pontos. Nesse mesmo período, agora em 2019, os focos de incêndios somaram 3.037 em Altamira, 2.611 em São Félix do Xingu, e 1.817 em Novo Progresso. Os três estão na lista dos dez municípios que mais têm queimadas no país.

Queimadas no Parna Jamanxim em Novo Progresso no Pará em 24 de agosto de 2019
(Foto: Victor Moriyama / Greenpeace)

A série Amazônia em Chamas, publicada pela agência Amazônia Real, revelou que funcionários do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que atuam no sudoeste do Pará, solicitaram apoio da Força Nacional de Segurança (FNS), subordinada ao ministro da Justiça, Sérgio Moro, para apoiar a fiscalização em Novo Progresso e Altamira para deter o protesto dos ruralistas no “dia do fogo”, mas não foram atendidos, apesar de serem cobrados pelo MPF. (Colaborou Kátia Brasil)

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