Questão Agrária

Após impasse, polícia do Amazonas assume investigações sobre conflito no seringal São Domingos

Por Fabio Pontes Publicado em: 05/04/2019 às 13:06

O lugar é alvo de grileiros e as terras foram compradas irregularmente por agricultores, mas o imóvel rural é público e o Incra estuda implantar a reforma agrária (Foto Amazônia Real)

Rio Branco (AC) – A Secretaria de Segurança Pública do Amazonas, enfim, decidiu enviar policiais civis e militares para investigar o conflito agrário no Seringal São Domingos, no sul de Lábrea, onde, no último sábado (30 de março), um agricultor foi assassinado por jagunços e outras três pessoas foram dadas como desaparecidas pelas famílias, na divisa dos estados do Acre e Rondônia.

Por estar localizado na divisa dos três estados, em uma área chamada de Ponta do Abunã, as autoridades da Segurança Pública analisavam a quem caberia investigar o conflito no seringal São Domingos. O motivo do conflito é a disputa das terras púbicas por grileiros e madeireiros.

A Superintendência Regional do Incra no Amazonas disse que foi informada sobre o conflito e que a apuração do caso competia à Secretaria de Estado de Segurança Pública do Amazonas.

Procurada no início da semana pela Amazônia Real, a Secretaria de Estado da Segurança do Amazonas chegou a afirmar que estava analisando se a área onde ocorreu o conflito estava em sua jurisdição ou em outro estado. Somente após a Polícia Militar de Lábrea ter confirmado os crimes é que as autoridades amazonenses decidiram agir. A Polícia Civil do Amazonas abriu um inquérito para apurar o caso e enviou homens das polícias Civil e Militar ao seringal.

O objetivo da investigação, segundo a Polícia Civil do Amazonas, é localizar os autores da morte do agricultor Nemes Machado de Oliveira, 53 anos, e da tentativa de assassinato de uma pessoa que escapou dos tiros, pulando em um açude. Quanto às pessoas desaparecidas, conforme relatos das testemunhas, a polícia quer saber se as informações são verdadeiras. Também há relatos de pessoas desaparecidas na região de Nova Califórnia, distrito pertencente a Rondônia, na divisa entre os estados do Amazonas e Acre.

Para a Defensoria Pública do Estado do Acre (DPE/AC), no conflito do seringal São Domingos morreram quatro pessoas. O órgão está prestando assistência às famílias dos agricultores. Membros dessas famílias, que são originárias do município de Acrelândia, afirmam que compraram lotes de terra no seringal e ali passaram a criar gado. Segundo o que relataram, além de matarem os agricultores, os jagunços queimaram casas, veículos e as expulsaram sob ameaças de morte. Não há informações sobre quem seja o mandante do ataque.

Nesta sexta-feira (5), a DPE convocou uma reunião em Rio Branco, capital do Acre, para pedir providências dos órgãos responsáveis pela fiscalização da região e a investigação dos crimes cometidos contra os agricultores.

Participam da reunião, na sede da DPE em Rio Branco, representantes do Incra, da Comissão Pastoral da Terra (CTP), lideranças de Movimentos Sociais e Direitos Humanos, moradores do Seringal São Sebastião, entre outros órgãos.

O Incra do Amazonas estuda a origem das terras do seringal São Sebastião. “Somente após a conclusão do relatório, previsto para o final de abril, é que a Superintendência Regional do Incra no Amazonas poderá definir quais áreas públicas da União poderão ser destinadas para reforma agrária ou regularização fundiária”, disse o órgão à reportagem.

Terra pública grilada

Enterro do agricultor Nemes Oliveira em Acrelândia (Foto: Reprodução)

Os moradores do seringal São Domingos afirmam que, a partir de 2014, eles começaram a comprar as propriedades de pessoas que já ocupavam o local em lotes de terras. Recentemente, descobriram que a propriedade pertence à União, e que os documentos de posse eram falsos, isto é, que as terras públicas tinham sido griladas.

As disputas se intensificaram desde o ano passado, quando as famílias passaram a ser ameaçadas pelos grileiros e fazendeiros. Há até o relato de uma possível lista de pessoas marcadas para morrer.

Conforme informação da Polícia Civil do Amazonas, foram destacados de Manaus dez policiais militares e mais um grupo de civis para as investigações no seringal São Domingos. O acesso é somente de avião até o município de Boca do Acre (AM), na divisa com o sul de Lábrea (distante a 703 quilômetros de Manaus). De lá, eles seguiram, por estrada, passando por rodovias dos estados do Acre e de Rondônia. A região é tida como de difícil acesso neste período de chuvas na região, e de muita mata fechada, o que dificulta a ação dos investigadores.

O outro acesso ao seringal é por um ramal de 50 quilômetros que começa na rodovia BR-364, estrada que interliga os estados do Acre e Rondônia.

Na segunda-feira (1º de abril), antes dos policiais amazonenses chegarem ao seringal, uma equipe de inteligência da Polícia Militar do Acre foi até o seringal São Domingos para levantar as informações preliminares. Na ocasião, os policiais também não localizaram as pessoas desaparecidas.

De acordo com o secretário de segurança do Acre, coronel Paulo César Rocha, um relatório chegou a ser produzido, informando sobre o cenário encontrado no seringal. O documento foi enviado aos Ministérios da Justiça e da Segurança Pública, Agricultura, Pecuária e Abastecimento (que controla o Incra) e o do Meio Ambiente, por conta de crimes ambientais identificados na região.

O relatório também foi enviado às Secretarias de Segurança do Amazonas e de Rondônia. Segundo relatos de um policial ouvido pela reportagem e que esteve na área do conflito, grandes áreas de floresta foram desmatadas na região do conflito para abertura dos lotes e agropecuária. Espécies de árvores que deveriam ser preservadas – como a castanheira – foram derrubadas.

Perguntado se o documento poderia ser acessado pela reportagem, Paulo César Rocha deu a seguinte resposta: “É um relatório de inteligência, com teor reservado, pois apresenta informações sensíveis que carecem de investigação.”

A região do sul de Lábrea, onde ocorreu o conflito no seringal São Domingos, é conhecida como “faroeste amazônico”, devido ao histórico de violência, na disputa por terras. Esse histórico tem resultado em assassinatos e ameaças às famílias de sem-terra e defensores da floresta, além de grilagem, exploração ilegal de madeira e desmatamentos.

É nessa região de conflitos, no sul do Amazonas, que tem ocorrido registro dos maiores crescimentos nos índices de desmatamento do estado. Além da retirada ilegal de madeira, grandes áreas de pastagem vêm sendo abertas nos últimos anos.

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Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Fabio Pontes

Fabio Pontes é jornalista acreano, há mais de uma década escrevendo, desde a Amazônia, sobre meio ambiente, povos indígenas e comunidades extrativistas, crises migratórias, mudanças climáticas (enchentes e secas severas) e a política regional. Já produziu reportagens para os principais veículos de imprensa do Acre e do país. Desde 2016 escreve para a Amazônia Real. Twitter: @fabiospontes