Cultura

Artistas da região Norte recorrem a lives, mas a internet não ajuda

Por Roberta Brandão Publicado em: 30/06/2020 às 17:38

Enquanto o auxílio da Lei Aldir Blanc não chega, produtores culturais fazem o que podem para sobreviver e garantir alguma fonte de renda

Em cena a atriz Ana Oliveira, em Manaus (Foto: Francine Marie)

Belém (PA) – As lives têm sido uma saída para os artistas de todo o Brasil. Mas as transmissões online de shows e outros espetáculos culturais são particularmente prejudicadas na região Norte. A conexão e velocidade de dados da internet na Amazônia são precárias em muitos pontos. Há algumas semanas, o cantor paraense Jeff Moraes luta contra a tecnologia para realizar uma apresentação virtual. Sem qualquer tipo de auxílio emergencial específico para o setor cultural vindo por parte dos governos federal, estadual ou municipal, o artista tem recorrido a amigos para apresentar o seu trabalho, incluindo utilizar a casa deles.

“Devido aos problemas de conexão de internet eu preciso ir na casa de amigos ou em espaços culturais para trabalhar e fazer as lives. Me arrisco sem garantias de retorno financeiro”, diz Jeff. Antes da pandemia, ele se apresentava como cantor de quinta-feira a domingo. Com a pandemia do novo coronavírus, sua renda sofreu muito impacto. Por este motivo, está recebendo auxílio do namorado e da sua família para se manter financeiramente. Ao ver a onda de lives, decidiu fazer a sua. Pintou a parede de casa para criar um cenário com o objetivo de produzir conteúdo digital de melhor qualidade. Mas tem encontrado bastante problemas na realização de transmissões ao vivo por conta da internet lenta.

Passado os três meses do impacto inicial, Jeff começa a trilhar uma nova carreira de apresentador de lives e em um quadro em um canal da Tv regional. Também lançou o clipe da música “Seja onde for”, durante o isolamente social. Após bater a meta de inscritos de 1.000 inscritos no Youtube, o mínimo de acessos necessário para conseguir realizar a transmissão online nesta plataforma, busca agora apoio para financiar sua apresentação, contratação de músico e produção. “Depois de três meses começo a me reestruturar e encontrar novas formas de trabalho. Não exatamente na forma de como eu realizava meu fazer artístico. Mas acho que ser artista é se reinventar”, diz o cantor, agora também apresentador.

Print da live de Jeff Moraes

Os artistas que já conseguiram produzir lives costumam exibir o número das contas bancárias ou QR code. Para a colunista de marketing digital nas mídias sociais Dani Walendorff, as transmissões ao vivo de conteúdos continuam sendo uma ótima alternativa para aquecer e aproximar a relação com o público. Mas isso quando a tecnologia ajuda. “A conexão no Pará, aqui no Norte, é um dos fatores que contribui muito para a gente ter dificuldade de acesso e ai quando saímos da capital ou para alguns bairro da periferia, muitas vezes, essa conexão vai piorando ou não existe. E isso influencia bastante o alcance de audiência. O perfil das pessoas na internet é muito ansioso, não tem muita paciência, às vezes a pessoa até está interessada, mas o conteúdo trava e ela passa para outra coisa”, explica.

Ana Oliveira, de 29 anos, palhaça e produtora cultural na Fita Crepe, de Manaus, também teve receio de realizar um evento online por conta da internet, porém teve mais sorte. Ela realizou uma ação inovadora ao lado dos companheiros de trabalho. Criaram um festival de teatro online, com participação dos sete estados da região Norte e com a apresentação de mais de 20 espetáculos das mais diversas linguagens. O objetivo de vender ingressos e obter pequenas cotas de patrocínio foi obtido. “As primeiras duas semanas da quarentena foram um período muito de choque e ficar meio sem chão”, lembra Ana.

Print da live do Ateliê 23

Ao observar as novas movimentações dos artistas, sobretudo as lives, percebeu que vários grupos se uniam e faziam ações integradas. “Chamei alguns amigos que sabia que tinham espetáculos com imagens com boa qualidade e fizemos o PAN, Potências das Artes do Norte, para mostrar para o Brasil e para o mundo as produções da região Norte”, explica Ana.

Mesmo com as portas fechadas desde o início do isolamento social, o espaço cultural Iacitata conseguiu algum saldo positivo por meio das redes de articulação com produtores locais e artesãos. “Nós fortalecemos um grupo de consumo onde é feita uma comercialização curta, justa e direta. Essa rede de cultura alimentar que compõem o Iacitata, com a facilitação do Gruca (grupo de consumo agroecológico) e a rede de consumidores, mesmo com a pandemia, beneficiou 600 famílias entre pescadores, agricultores, catadores de mariscos, cooperativas agroecológicas, artistas, entre outros”, explicou Tainá Marajoara.

As ações de solidariedade

Ednaldo e o Samba do Bilão (Foto: Reprodução Facebook)

A corrente de solidariedade entre os artistas é o que tem garantido a sobrevivências dos produtores culturais. O sambista paraense Bilão da Canção está nessa corrente do bem que já auxiliou mais de cem músicos. “Essa ideia veio primeiramente para ajudar os músicos da minha banda que como todos não teriam como receber suas funções, mas em seguida tivemos que estender para os músicos em geral”, conta Bilão, que se contaminou durante as entregas das cestas básicas, mas apresentou a forma assintomática do novo coronavírus.

Muka Souza, de 63 anos, ou mestre Muka, como é mais conhecido, confessa que é a primeira vez que se torna completamente dependente da ajuda solidária de amigos e familiares. “As pessoas que me oferecem qualquer coisa eu aceito, porque graças a Deus não tenho esses orgulhos. Mas o ruim é que a gente nunca esteve nessa dependência. Sempre na ativa, hoje era dia de eu tocar. Mês de junho era mês de tocar. Fora a saudade, né? Mês de junho eu saio tocando no Arraial do Pavulagem por prazer. Mas o que importa é a saúde. Eu acho que eu só vou parar de tocar quando eu morrer”, afirma.

Após quase 44 anos de carreira como músico percussionista, passagem por bandas importantes da capital do Pará, anos de repasse cultural através da arte educação, com composições e grandes apresentações musicais e teatrais no currículo, mestre Muka soube, com a ajuda de um amigo, que na próxima semana receberá o auxílio emergencial do governo federal.

A perspectiva é a de que o setor cultural que foi o primeiro a parar seja o último a retomar as atividades. No Pará, não há previsão de retorno, em Manaus a previsão é para o mês de setembro, ainda com restrições. Até lá, além dos auxílios, os produtores culturais torcem para que nada mais de ruim aconteça. Mas as notícias em meio à crise econômica que se avizinha não são boas.

Montagem de Vacas do Ateliê 23 (Foto: Larissa Martins)

Em Manaus, o espaço cultural Ateliê 23 foi roubado três vezes durante o período do isolamento social. “No terceiro houve uma invasão no espaço, quebraram o telhado, levaram o ar condicionado e alguns equipamentos”, afirma o artista e responsável pelo espaço cultural, Taciano Soares. “Estamos com uma campanha nas redes sociais para arrecadar recursos, doações financeiras, para que a gente possa reparar os danos e fortalecer a segurança do espaço.”

O Ateliê 23, no centro da cidade, conseguiu um apoio da secretaria de cultura de R$ 1.000. “Tem sido um momento bem difícil porque a gente não nenhuma outra fonte de renda oficial. E, bom, R$ 1.000 para gerir um espaço em três meses fica meio difícil”, desabafa Taciano Soares.

Nesta terça-feira (29), o presidente Jair Bolsonaro sancionou o projeto de lei Aldir Blanc que destina R$ 3 bilhões para o setor cultural, um dos principais afetados pela pandemia do coronavírus.

A Lei Aldir Blanc está sendo vista como a sobrevivência para milhares de produtores culturais da Amazônia, impossibilitados de trabalhar desde o início das políticas de isolamento social. A previsão é a de que o estado do Amazonas receba R$ 32.021.165,58 e o Pará, R$ 67.641.674,13, segundo documento publicado pela Confederação Nacional de Municípios (CNM). Mas para alguns criativos e fazedores de cultura esse auxílio emergencial chega tarde demais. Leia mais aqui.

O ator e produtor cultural Taciano Soares (Foto: Fabielle Vieira)

Como apoiar os artistas

Atêlie 23, em Manaus

Banco Bradesco

Agência 2239 / Conta corrente 41712-2

Informações no Facebook

Bilão da Canção, em Belém

Para músicos com cestas básicas e doações em dinheiro.

Avenida Dr. Freitas no. 771 (entre P.Miranda e Senador Lemos, ao lado da Academia Genesis)

Contas bancárias para depósito:

Edinaldo Delgado

CPF 426.077.362.34

Banco Caixa Econômica

Agência 4110 / OP 013 / Conta poupança 22947-5

Informações na página do Facebook

Muka Souza

Caixa Econômica

Agência 4110 /OP 013 / Conta poupança 000504689

Jeff Moraes

Jefferson Andrick Moraes da Silva

Banco Itaú

Agência 2939 / Conta corrente 575698

Informações na Fanpage

Clipe Seja onde for Jeff Moraes

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Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Roberta Brandão

É graduada em Jornalismo, Publicidade e Propaganda, e Mestra do Programa de Comunicação da Amazônia (PPGCOM-UFPA). É fotógrafa, produtora, ativista cultural, carimbozeira, batuqueira, mãe do Gaitán e mulher na Amazônia. ([email protected])