Política

Como as mulheres enfrentam a Covid-19 em Jaboatão dos Guararapes (PE)

Por Maria Fernanda Ribeiro Publicado em: 07/07/2020 às 19:35

320 chefes de família, que antes da pandemia trabalhavam como cuidadoras de idoso, babás, empregadas domésticas e ambulantes, estão sem renda

(Foto: Brenda Alcântara)

Fome, desemprego, incertezas, angústias, um corre aqui e outro ali para conseguir um trocado. É assim que as mulheres chefes de família, a maioria negras e mães solos, das periferias de Jaboatão dos Guararapes, na Região Metropolitana de Recife, em Pernambuco, têm enfrentado a pandemia do coronavírus. Considerada a segunda maior cidade de Pernambuco, com 702 mil habitantes, e uma das primeiras a relatar casos de contaminação no estado, falar em isolamento e distanciamento social onde muitas das famílias já se aglomeravam antes da pandemia em casas de um único cômodo, parece uma orientação difícil de ser cumprida.

De acordo com Débora Aguiar, 26 anos, do Coletivo Jardim Resistência, ainda há outros fatores para a periferia que dificultam o confinamento, como a ausência de serviços públicos essenciais como fornecimento de água diário e a coleta de lixo, o torna a situação ainda mais precária e a vida em tempos de pandemia ainda mais difícil. “O Estado só se mostra presente diariamente dentro de nossas favelas na falta de água que ocorre do sertão a região metropolitana de Recife. A demora na coleta é tanta que em cada esquina existe amontoados de lixo e em muitos locais ela não é realizada”.

O coletivo foi criado por Débora em 2007 para ajudar as mulheres grávidas a montar os enxovais. Agora, o foco do coletivo, em conjunto com outros movimentos e instituições, é auxiliar os moradores das 26 comunidades de Jaboatão dos Guararapes que estão em situação de maior vulnerabilidade social a receber o auxílio básico de alimentos, acompanhados por itens de higiene pessoal. Para auxiliar nessa identificação, um mapeamento, por meio de um questionário, está sendo realizado nas redes.

Até o momento foram diagnosticadas 320 mães chefes de família em situação de vulnerabilidade social nas comunidades periféricas pertencentes aos bairros de Piedade, Candeias e Barra de Jangada. Os dois primeiros ocupam o topo do ranking e somam 379 casos, o equivalente a 11% de todos os registros positivos de Jaboatão dos Guararapes. Piedade também é líder nos registros de mortes, com 34 caos, o correspondente a 10% dos casos que vieram à óbito.

Dessas famílias monitoradas 82,5% são chefiadas por mulheres negras e mães solo, antes da pandemia 26,9% delas trabalhavam em serviços domésticos como cuidadoras de idoso, babás, diaristas e empregadas domésticas e 5,9% delas eram ambulantes. Das mulheres chefes de família mapeadas até agora, 42,5% ainda não possuem cadastro ou esperam serem aprovadas no auxílio emergencial.

Elizabete Araújo com o filho
(Foto arquivo pessoal)

Elizabete Maria do Carmo Araújo, 19 anos, mora com o filho, a mãe, o pai e a irmã de 16 anos, que está grávida. Ela e a mãe são as responsáveis pelo sustento da casa e na pandemia tiveram que se redobrar para colocar comida no prato. A mãe cuida da barraca, onde se vende de tudo um pouco. Elizabete trabalha temporariamente num ateliê que produz máscaras. “Só o auxílio do governo não dá para uma família, a gente tem que se virar de outras formas”.

Débora afirma que o objetivo das ações que estão sendo realizadas é minimizar os impactos do coronavírus nas famílias mapeadas, como a de Elizabete, por esse questionário. São ações que ainda que básicas são fundamentais para colaborar no sustento das famílias e também cumprir as orientações de distanciamento social”, disse Débora.

Das 320 mães que estão sendo monitoradas, 170 ainda esperam a entrega de cestas básicas. Para suprir essa demanda, uma vakinha virtual foi criada e está disponível nesse link.

Bairros mais pobres, mais óbitos

Mapeamento feito pela Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) alerta para o crescimento dos números de casos e óbitos por Covid-19 nos últimos 15 dias nos bairros de alta vulnerabilidade social na Região Metropolitana do Recife. Baseado nos informes epidemiológicos das secretárias de Saúde dos municípios, o mapeamento mostra o avanço da pandemia nesses locais entre 10 e 25 de maio. A pesquisa avaliou a variação de casos confirmados e óbitos, mapeando a relação desses indicadores com o Índice de Vulnerabilidade Social (IVS).

No município de Jaboatão dos Guararapes, onde já foram registrados 332 óbitos e 3.302 testes confirmados, tanto os casos positivos como os óbitos cresceram mais nos bairros mais pobres. “As análises desses quatro maiores municípios da região metropolitana mostram que os bairros com menor renda e precariedade no abastecimento de água, coleta de lixo domiciliar e esgotamento sanitário são aqueles que têm apresentado maior variação percentual de casos confirmados e óbitos no período pesquisado”, afirmou o pesquisador e coordenador do Centro Integrado de Estudos Georreferenciados para a Pesquisa Social (Cieg) da Fundaj, Neison Freire.

Pernambuco foi um dos primeiros estados do Brasil a adotar medidas restritivas. O primeiro decreto, com regulamentação para evitar aglomerações, foi assinado no dia 13 de março. Jaboatão dos Guararapes integrou os quatro municípios da Região Metropolitana de Recife que passaram duas semanas na chamada quarentena rígida. Na segunda-feira (01 de junho) foi anunciada a retomada gradual das atividades. No primeiro dia de relaxamento, Jaboatão dos Guararapes registrou taxa de isolamento de 43,9%, a menor entre as cidades.

Segundo o boletim do Ministério da Saúde desta terça-feira (7), Pernambuco contabilizado 66.151 casos de coronavírus e 5.234 mortes por Covid-19. Mais de 46 mil pessoas foram curadas da doença.

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Sobre a matéria

Maria Fernanda Ribeiro

Maria Fernanda Ribeiro é jornalista multimídia com foco nos povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos. Documento e compartilho histórias em reportagens, crônicas e vídeos. Viajei dois anos pela floresta amazônica munida apenas da minha mochila, uma câmera e um gravador para conhecer quem são as pessoas que habitam a floresta. Rodei por oito estados (só faltou o Tocantins entre os que compõe a Amazônia Legal), de barco, de carro e de avião. Isso foi entre 2016 e 2018 e, de lá para cá, reportar as vidas, os conflitos e os movimentos que permeiam as histórias dessas pessoas é o meu caminhar como jornalista. ([email protected])