Desenvolvimento capitalista, desigualdade e diferenças

MARCELO SERÁFICO Quando em 1848 Marx e Engels falavam da “torrente de civilização” da sociedade burguesa, captavam algumas das principais tendências do desenvolvimento do capitalismo. Entenderam, não sem algum eurocentrismo, que a dinâmica implicada pela “exploração do mercado mundial” promovia […]

Por Amazônia Real Publicado em: 17/11/2013 às 16:09

MARCELO SERÁFICO

Quando em 1848 Marx e Engels falavam da “torrente de civilização” da sociedade burguesa, captavam algumas das principais tendências do desenvolvimento do capitalismo. Entenderam, não sem algum eurocentrismo, que a dinâmica implicada pela “exploração do mercado mundial” promovia mudanças radicais na organização das relações de produção globais e nas maneiras de compreender essas mesmas relações. Na verdade, estavam vivendo um momento marcante da expansão do capitalismo, em suas conotações de modo de produção e de processo civilizatório.

Estava em causa para Marx e Engels indicar as condições comuns que, com o capitalismo, passavam a enlear as vidas dos trabalhadores do mundo. A potencialidade dessa tendência global de desenvolvimento do capitalismo mostrava-se ainda mais clara quando se olhava o “mundo não-europeu”, quando vinham à cena histórica as nações sem indústria, as nações que, não sendo européias e burguesas, eram contemporâneas da Europa burguesa e objeto de sua expansão. Em Futuros resultados do domínio britânico na Índia, escrito em 1855, Marx assim compreende o sentido da investida britânica sobre a sociedade hindu:

Até agora, as classes governantes da Grã-Bretanha só estiveram interessadas no progresso da Índia de modo acidental, transitório e a título de exceção. A aristocracia queria conquistá-la; a plutocracia saqueá-la e a burguesia industrial ansiava por submetê-la com o baixo preço das suas mercadorias. Mas agora a situação mudou. A burguesia industrial descobriu que os seus interesses vitais reclamam a transformação da Índia num país produtivo e que, para isso, é preciso sobretudo proporcionar-lhes meios de irrigação e vias de comunicação interior. Os industriais se propõem cobrir a Índia com uma rede de estradas de ferro. E o farão. Com isso serão obtidos resultados inapreciáveis (MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. Obras Escolhidas. São Paulo: Ed. Alfa-Ômega, s/d, vol. 1, pp. 293-294).

O trecho acima pode ser lido como um relato do processo através do qual as relações sociais de produção européias são, forçando o argumento, exportadas para outros cantos do mundo, considerando as possibilidades de incremento da lucratividade dos empreendimentos capitalistas. A ocidentalização, que tem na análise de Marx sobre o domínio britânico na Índia um registro importante, implica a criação das condições sociais necessárias à produção capitalista em lugares outros que não a Europa.

No que as relações sociais de produção capitalistas são “artificialmente criadas”, essa é a ideia, revelam-se seus pressupostos e condições; no que se expande, o capitalismo destrói e recria as relações de produção, redefinindo a posição de vastas regiões do globo a partir do papel que cumprem na divisão internacional do trabalho. Os “novos mundos” vão se integrando à produção capitalista como fornecedores de matérias-primas, uns, como produtores de manufaturas, outros, como consumidores de manufaturas, ainda outros, e como simples maquiladores, alguns. Sem prejuízo de que essas posições se combinem em determinados momentos e lugares, ou mesmo que umas eliminem outras.

O que ocorre é que, progressivamente, em âmbito mundial, desenvolve-se um modo de produção que tem na empresa privada e no mercado suas forças dinâmicas. Mas empresa privada e mercado operando em realidades diversas, combinando as oportunidades de investimento e as diferenças (étnicas, sexuais, regionais, etárias) que encontram de modo a incrementar a lucratividade. Nisso talvez resida uma sugestão nem sempre explícita na compreensão do desenvolvimento capitalista como “desenvolvimento desigual e combinado”. Talvez se possa dizer que, juntamente com a empresa privada e o mercado, as diferenças sejam convertidas pelo capital em elementos dinâmicos do processo de acumulação. Sem esquecer que a própria conversão deve ser vista nas condições históricas que a possibilitaram. Daí a hipótese de que em nossas sociedades a produção das desigualdades seja nutrida pelas diferenças.

Reportagem Noticiosa

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