Juarez Silva Jr.

Isabelle, Manaus e o Largo São Sebastião

O reality-show mais assistido do Brasil, uma máquina de produzir ou requentar “celebridades nacionais”, no mais das vezes efêmeras, em sua última versão teve a cunhã-poranga do boi Garantido, a manauara Isabelle Nogueira. O fato deu uma divulgação e visibilidade […]

Por Juarez Silva Jr Publicado em: 02/05/2024 às 13:32

O reality-show mais assistido do Brasil, uma máquina de produzir ou requentar “celebridades nacionais”, no mais das vezes efêmeras, em sua última versão teve a cunhã-poranga do boi Garantido, a manauara Isabelle Nogueira. O fato deu uma divulgação e visibilidade ao Boi-bumbá e coisas da cultura amazonense com um alcance inédito.

Para comemorar e assistir à estreia da bela, aconteceu uma concentração na praça, hoje também conhecida por Largo São Sebastião. Para assistir à final e também para recepcionar a terceira colocada na atração, o local escolhido foi o mesmo.

O Brasil e quiçás brasileiros pelo mundo viram imagens de um espaço lotado e com o imponente teatro Amazonas ao fundo. A escolha do local não foi aleatória. Pelo contrário, entre tantos espaços bons para concentrações, o Largo tem um simbolismo e apelo incomparável em se tratando de Manaus. O texto de hoje portanto não é sobre Isabelle, mas sobre o Largo de São Sebastião e a sua importância para Manaus.

História do surgimento

Difícil para quem vai ao Largo São Sebastião, imaginar como era o local há apenas 157 anos; historicamente nem é tanto tempo. Antes disso a área era uma pequena roça, pertencente ao tenente-coronel Antônio Lopes Braga, que a doou ao município e, em 1867, no “descampado” foi instalado um obelisco de 6 metros de altura em homenagem à abertura dos portos às nações amigas ocorrida em 1808.

A “praça” era apenas um terreno irregular com um obelisco no meio e não tinha quase nada em volta, inclusive o teatro que só seria construído e inaugurado quase três décadas depois. Foi chamada de Praça de São Sebastião em homenagem à Irmandade de missionários franciscanos que havia chegado à cidade em 1859.

Na sequência da construção do Teatro, a “praça” passou por um “desaterro” e ficou anos como um “terrenão” de terra batida, até que no governo Ramalho Junior, já na virada do século 20, todo entorno do teatro ganhou embelezamento e urbanização. Por volta de 1901, o velho obelisco foi substituído pelo belo e atual monumento, obra do artista italiano Domenico de Angelis, ocorrendo também o famoso calçamento. Ao longo do tempo a praça foi ganhando equipamentos e as árvores.

Ponto de encontro

A igreja de São Sebastião, em frente a praça, começou a ser construída em 1868 e foi inaugurada 20 anos depois. Isso tornou a área um ponto de circulação e encontro natural desde então.

No começo do século 20, antes do futebol se tornar popular, era o ciclismo que atraia público em Manaus, com o fechamento dos velódromos nas praças Osório e Rio Branco, por uns tempos a praça São Sebastião atraiu os amantes do ciclismo.

Em 1924 com a instalação de um coreto, passou a ter retretas com bandas às quintas e domingos. Nas imediações da praça ao longo do tempo se concentraram várias atividades e atrações que invariavelmente levavam à circulação nela.

Concentrações

Difícil também dizer o que teve mais influência no status atual da praça, se a própria praça, a igreja ao lado, o teatro à sua frente, o entorno cultural e gastrônomico ou mesmo a posição privilegiada no centro histórico, bom para ponto de concentração ou finalização de circuitos turísticos, manifestações sociais e políticas e eventos culturais/artísticos.

O famoso “Bar do Armando” instalado desde 1963, foi durante muito tempo considerado um reduto da “intelligentsia” manauara, uma animada mistura de intelectuais, artistas, políticos e figuras populares destacadas.

Um subproduto desse caldeamento é a tradicional “Banda da Bica”, movimentada concentração carnavalesca desde meados dos anos 80. Nela temos a gênese das modernas concentrações populares e culturais no hoje Largo de São Sebastião.

Praça ou Largo?

A designação de ‘Largo’ vem do conceito de integração e revitalização do entorno do teatro, igreja e praça, na esteira da criação do Festival Amazonas de Ópera, pela Secretaria Estadual de Cultura no final do século 20. Já no 21, a rua José Clemente foi fechada à circulação de carros no trecho que vai do teatro até o final da praça.

O Largo é, portanto, um conjunto cultural, gastronômico e turístico que inclui e circunda principalmente a praça e o teatro. Esse fomento estatal trouxe para o largo uma grande e recorrente gama de atividades e eventos artísticos e culturais variadíssimos.

Vibe internacional

Sendo o largo São Sebastião e entorno um conjunto turístico e cultural central, é óbvia a grande circulação de turistas nacionais e estrangeiros no espaço. Também concentra algumas opções hoteleiras. A velha praça virou uma lotada e verdadeira “Babel” em dois grandes eventos ocorridos na cidade, a Copa do mundo de futebol em 2014 e nas Olimpíadas em 2016.

Renda

A presença constante de público circulante levou ao desenvolvimento de atividades econômicas no largo e entorno, o que por sua vez retroalimentou a circulação. Tanto estabelecimentos comerciais formais, alguns com músicos ao vivo, como também “banquinhas” e ambulantes, além de “artistas de rua” diversos. Aliás esse fenômeno é bem comum mundialmente; onde tem público tem comércio e vice-versa.

A praça é do povo

Como já dizia Castro Alves em 1870, “a praça é do povo como o ceu é do condor”. Esse adágio é levado muito a sério, no mundo, no Brasil e não teria como ser diferente em Manaus. Na cidade são várias as praças e todas com usos históricos e populares, por vezes de forma interligada, com eventos partindo de uma para outra, ou até de forma concorrente, com o público circulando entre umas e outras. O Largo de São Sebastião no entanto tem um lugar especial entre todas nossas praças, afinal, é o nosso principal cartão postal.

As imagens que ilustram este artigo são de autoria de Antônio Lima/Secom e foram feitas na Festa da Cunhã, no Largo de São Sebastião durante a final do Big Brother 2024.

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Sobre a matéria

Juarez Silva Jr

Juarez Silva Jr. é um ativista, escrevinhador digital e apaixonado pela Amazônia, radicado em Manaus desde 1991. Tem graduação em Processamento de Dados pela Universidade de Taubaté, em São Paulo. Trabalhou e lecionou diretamente na área de tecnologia da informação por duas décadas, migrando para a área de Educação a Distância na qual é especialista pela Universidade Católica de Brasília. Também é Mestre em História pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Atua nos movimentos de negritude e é estudioso da temática e história das relações raciais e cultura afrobrasileira e africana, movimentos sociais e Direitos Humanos. Foi conselheiro estadual de Direitos Humanos e é servidor público de carreira. Escreve sobre tecnologia, história, relações raciais, atualidades, sociedade e cultura.