Martinha Prata valia Ouro (In Memoriam)

FÁTIMA GUEDES Em meio ao complexo buraco negro midiático – esse vazio de nutrientes em favor do belo, da esperança, de materialidades com sabor de solidariedade e acolhimento… Na contramão da morte sobre caminhos onde a sabedoria dos povos […]

Catedral de Parintins. (Foto: Alberto César Araújo em 24/05/2015)

Por Amazônia Real Publicado em: 12/08/2015 às 09:12

FÁTIMA GUEDES

Em meio ao complexo buraco negro midiático – esse vazio de nutrientes em favor do belo, da esperança, de materialidades com sabor de solidariedade e acolhimento… Na contramão da morte sobre caminhos onde a sabedoria dos povos prevaleça sobre a ditadura do conhecimento, a memória de Dona Martinha Prata instiga-nos à resistência, iluminando-nos para além do tecnicismo, do mercadológico, do dito oficial.

Martinha Ribeiro da Silva, conhecida por Martinha Prata, nascera em Parintins, aos 09 de novembro de 1922. A referência Prata vem da parte da avó cujas informações precisas se perderam na oralidade.

Do casamento com Herculano Monteiro da Silva não tivera filhos, porém criou e educou muitos afilhados e sobrinhos, os filhos que amou. Assim, adotara e perfilhara Érico Ribeiro da Silva, fazendo-o herdeiro do nome e dos bens.

Os dados que nos permitiram reconstruir a memória de Dona Martinha foram intermediados por Érico, hoje, com 63 anos, professor, casado, reside na Avenida Vicente Reis, 3424, Bairro São Bendito, na cidade de Parintins/AM.

Segundo as contribuições do Filho, Martinha era Espírita e fazia vidências através da Bola de Cristal. Também benzia crianças com quebrantos assim como adultos em estados depressivos. Para o desenvolvimento desse Cuidado de Saúde, a Vidente utilizava as energias das mãos cujos resultados práticos confirmavam-lhe domínio sobre esse conhecimento.

Entre outras informações, Érico falara sobre recomendações importantes deixadas pela Mãe a quem procurava por seus serviços: – Ela dizia pra não se permitir a estranhos lhes colocar as mãos sobre a cabeça. Ali, é o centro de recepção de energias positivas e negativas. E não se conhece as intenções de quem se aproxima de nós. Cuidado é bom! Reforçava.

Érico também lembrou um fato da vida de Martinha envolvendo um ilustre cidadão parintinense, já falecido, Sr. Tupy Cantanhede cujo nome identifica o estádio de futebol de Parintins.

Sr. Tupy tivera um caso amoroso, na cidade de Faro/PA, e fora enfeitiçado por um famoso daquela cidade. O feitiço foi conduzido no ferrão de um marimbondo sobre o rosto de Tupy. Na sequência, quase perde a vida com parte do rosto gangrenado. Conforme Érico, toda essa leitura mística feita através da Bola de Cristal. Com os tratamentos espirituais da Vidente, Tupy livrara-se da magia e recuperara a saúde. A partir do ocorrido, o Ilustre Cidadão nunca mais retornara à cidade de Faro.

Dentre uma lembrança e outra, os olhos de Érico liberavam lágrimas… Compreensível. Aquela Espírita não lhe servira apenas de colo materno; fora a referência incontestável em sua construção humana.

Érico lembrara também:

– Durante a vida, a Mãe, raras vezes, adoecera; cuidava muito bem da própria saúde, da saúde dos seus, só através de preparados e cuidados naturais.

Com a morte do companheiro e amigo Herculano a Espírita perdera, aos poucos, a alegria, o entusiasmo o que contribuiu para a antecipação de sua desencarnação, aos 83 anos.

Antes da partida, revelara ao Filho, nosso informante, ser Ele um Sacaca. Isto é, aos oito meses de gravidez, a mãe biológica de Érico ouvira-lhe o choro; característica de quem possui capacidade sensitiva. Alertou-O ainda para não permitir ninguém lhe repousar as mãos sobre a cabeça; seu poder sensitivo deve ser preservado.

Por fim, Érico recorda do grande sonho da Mãe: completar 80 anos com vida e saúde. E conseguiu. Naquele dia, oferecera uma churrascada para a vizinhança e amigos num clima de muita alegria e descontração.

Aos 83 anos, com a certeza da missão cumprida, Martinha transcendera para a outra dimensão levando nas mãos as experiências de Saúde vividas do lado de cá, certamente para compartilhar com suas entidades de luz. Experiências ou modos de Cuidados ainda rejeitados pelo Sistema oficial,

No mais, ou preservamos a Utopia semeada por Martinha Prata ou decretamos à morte os Saberes Popular/Tradicionais. Embora sem reconhecimento oficial, estão aí, resistindo, quando as ausências do Conhecimento Técnico não suprem as demandas e não enfrentam os mistérios e a complexidade de nossa Amazônia Caboca.

Vidências – No universo da curandagem, diz-se da capacidade de visualizar o sobrenatural ou prever acontecimentos.

Benzer – Componente mítico dos cuidados naturais de saúde reconhecidos pelas populações tradicionais para afastar energias negativas.

Quebrantos – Da nomenclatura da curandagem: estado depressivo.

Feitiço – Magia.

Enfeitiçado – Acometido por feitiço.

Desencarnação – Designativo de morte na ciência do Espiritismo. O espírita não morre, desencarna para viver em outra vida.

Sacaca – Em tupi, sacaca é feitiço, é o sentido mágico da relação com o sobrenatural. É aquele que tem a capacidade ou o dom de lidar com práticas que permitem essa relação. Os pajés são considerados Sacacas porque já nasceram com o dom da transcendência e com a capacidade ou o poder da cura. Informações cedidas por Fred Góes, Jornalista e Compositor Parintinense.

Fátima Guedes é educadora popular e pesquisadora de conhecimentos tradicionais da Amazônia. Graduada em Letras pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), tem especialização em Estudos Latino-Americanos pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) em parceria com a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) em Guararema (SP). É também fundadora da Associação de Mulheres de Parintins, da Articulação Parintins Cidadã e Militante da Marcha Mundial das Mulheres.

Reportagem Noticiosa

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