Cultura

“Me encantei com o documentário”, diz Ovídio Barreto Tukano sobre os “Kumuã”

Por Izabel Santos Publicado em: 01/09/2019 às 20:32

O curta-metragem da Amazônia Real foi lançado ontem na Casa das Artes e hoje na plataforma do Youtube (Foto: Amazônia Real/Amazônia Real)

Manaus (AM) – A agência de jornalismo independente Amazônia Real lançou na noite deste domingo (01), no seu canal do Youtube, e no sábado (31) no centro cultural Casa das Artes, em Manaus, o curta-metragem “Kumuã: os especialistas de cura do Alto Rio Negro”.

Com direção e roteiro do jornalista Fábio Zuker, fotografia de Alberto César Araújo e montagem do cineasta César Nogueira, o documentário conta as histórias dos homens que possuem o conhecimento da medicina indígena e têm o poder de evocar as propriedades de cura e de proteção dos povos Tukano por meio do bahsese (terapia ancestral), do bahsamoi (os cantos/rituais) e do kihti (as tramas de histórias contadas pelos indígenas). Outros povos chamam Kumu (singular de Kumuã) de xamã e pajé.

No sábado (31), o documentário foi exibido na Casa das Artes, no Largo São Sebastião, em Manaus, e reuniu cerca de cem pessoas em duas sessões, que foram encerradas com uma roda de conversa que durou uma hora. Participaram do bate-papo a jornalista e cofundadora da Amazônia Real Elaíze Farias, que mediou o debate entre a plateia e os convidados: o protagonista do filme e antropólogo João Paulo Barreto, seu pai, o Kumu Ovídio Barreto, o professor do povo Tuyuka e bahsegu Higino Pimentel Tenório, além de Alberto César Araújo e César Nogueira.

Aos 81 anos, o Kumu Ovídio Barreto disse que foi a primeira vez que assistiu a um documentário sobre o povo Tukano. Ele é um dos especialistas que atende a população de Manaus no Centro de Medicina Indígena Bahserikowi’i, em Manaus. Falando na língua Tukano, traduzida pelo filho, ele disse que ficou bastante satisfeito com o que assistiu.

“Me encantei com o documentário, que mostra aos não indígenas um pouco de como somos, de onde somos e como funciona o nosso conhecimento. Esse esforço para entender é um bom passo. Nós temos um sistema de conhecimento diferente, por exemplo, aquilo que os outros chamam de câncer ou diabetes, para nós é um descuido durante o processo de formação das pessoas que afeta o indivíduo”, disse Ovídio Barreto.

Ovídio Barreto (de blusa verde) no lançamento de “Kumuã” na Casa das Artes
(Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

O professor Higino Pimentel Tenório, que também é colaborador do Bahserikowi’i como bahsegu (uma categoria específica de especialista que domina o bahsese, a terapia ancestral), disse que aprovou a produção da agência de jornalismo. “Achei o resultado do documentário muito positivo. É uma maneira de usar a tecnologia para inovar nossa cultura”, comemorou ele com a realização do evento.

Higino também destacou a presença de elementos fundamentais do bahsese presentes no vídeo. “O tabaco e o epadu são muito importantes para a nossa cultura: eles fortalecem o corpo e a mente das pessoas desde a criação do mundo”, explicou o professor.

O antropólogo João Paulo Barreto destacou o trabalho de parceria para a realização do documentário, que contou com o apoio das comunidades de São Domingos Sávio e Pari Cachoeira, no Alto Rio Negro, além da Fundação Nacional do Índio (Funai).

“Eu agradeço à Amazônia Real, que sempre nos entendeu. Esse documentário é fruto de um trabalho longo, de parcerias e conversas. Significa para nós que o relacionamento com todo um conjunto de atores é importante. Só chegamos até aqui, porque todas essas pessoas estavam envolvidas”, disse o protagonista do curta “Kumuã”.

Duas sessões e muita curiosidade

César Nogueira fala com o público durante o lançamento de “Kumuã” na Casa das Artes
(Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

Inicialmente, a organização do evento previa a exibição da produção audiovisual em apenas uma sessão, mas devido ao grande público presente, dentro e fora da sala, foi necessária a realização de uma sessão extra do curta “Kumuã”. Nas duas ocasiões, a plateia foi composta por um público bastante diverso, entre antropólogos, cineastas, professores, convidados e curiosos.

A estudante de serviço social Camilla Junqueira foi uma das pessoas que compareceram à Casa das Artes. Para ela, “o cinema e a internet são importantes aliados na democratização da informação, como é o caso do documentário Kumuã. Eu ainda não tinha tido a oportunidade de assistir a um filme que fala sobre a ancestralidade dos povos indígenas. Estou encantada e curiosa”.

Frequentadores e frequentadoras do Bahserikowi’i – Centro de Medicina Indígena também prestigiaram a estreia do curta-metragem. A atriz Viviane Palandi foi uma delas. “É uma casa que sempre visito e recomendo. O documentário é muito necessário: deu até vontade de ver mais, porque ele é uma partícula de uma longa história de medicinas naturais nas quais as histórias são medicinas, as presenças são medicinas, a natureza é medicina. Com isso, eu só aprendo e me coloco à disposição para aprender mais com eles e com elas”, disse a atriz após assistir à exibição.

O cineasta amazonense Sérgio Andrade também assistiu à estreia da produção. “É muito interessante ver um curta que investiga essa multiplicidade da cultura indígena que tem no município de São Gabriel da Cachoeira, pois são muitas variantes, várias mentalidades de acordo com ervas, o fumo que eles fazem uso, e o bahsese. Acho que merecia até um filme maior, mas de qualquer maneira é muito interessante travar um conhecimento com esse ambiente”, opinou Sérgio.

O público lotou a Casa das Artes para assistir “Kumuã”, em Manaus
(Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

O antropólogo e professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Gilton Mendes, é apontado pelo próprio João Paulo como seu “mentor intelectual”. O professor é um dos criadores do Núcleo de Estudos da Amazônia Indígena (Neai), grupo de pesquisa vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) e ao Departamento de Antropologia da Ufam aos quais João Paulo está vinculado como doutorando. O Neai concentra pesquisas sobre temas e problemas relacionados aos povos e comunidades tradicionais.

Gilton esteve presente e foi citado por João Paulo durante o debate. O professor também teceu seus comentários sobre o documentário. “Achei um documentário lindo, com imagens bem-feitas, e mostra uma série de coisas sutis, mas muito profundas, possíveis de serem detalhadas, exploradas. Eu destacaria duas coisas. A primeira é a dimensão do lugar do grupo, do clã. O curta mostra o desejo do João Paulo, que é o mesmo de todos os que saem do Alto Rio Negro: de voltar ao seu local de origem um dia. A outra é a transmissão do conhecimento tradicional, o com quem se aprende, no caso o bahsese, que é ensinado de pai pra filho, de tio para sobrinho, como o uso do tabaco e do epadu, além da força da palavra, que é o bahsese”, revelou o professor.

Os “Kumuã”

Lançamento de “Kumuã na Casa das Artes, em Manaus
(Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

A produção do documentário “Kumuã: os especialistas de cura do Alto Rio Negro” teve início no último mês de março, em São Gabriel da Cachoeira. As nove horas de filmagens realizadas, entre imagens da paisagem local e entrevistas, resultaram em uma espécie de “boat movie”, um filme-de-barco.

Além da direção de Fábio Zuker, produção audiovisual de Alberto César Araújo e montagem do cineasta César Nogueira, o documentário recebeu mixagem de som de Paulo Marinho, ilustração de Denilson Baniwa na produção do cartaz e teve a participação da designer Nádia Saraiva na produção visual do material de divulgação. João Paulo Barreto, além de personagem, atuou como consultor e tradutor das falas dos indígenas Tukano.

A trilha sonora é composta pelas canções “Caapivaia” e “Vara Sagrada”, de Raimundo Caetano, do Grupo de Música Dessana, que faz parte do projeto “A Música das Cachoeiras”, da Cauxi Produções.

Também são personagens do curta os kumuã Duhpo – Manoel Lima; Ahkuto – Nelson Pedrosa; Yupiri – Cláudio Lemos Barreto; Arkuto – José Maria Barreto; Kumarõ – Ovídio Barreto; Seribi – Isac Resende Barreto; Kisibi – Durvalino Moura Fernandes; além do Bayá Yepa Suriã – Otávio Barreto, e das herbaristas Nubia Lima e Marta Trurriyo, que cuidam do cultivo das plantas medicinais na Comunidade São Domingos Sávio.

Por dentro da floresta

Filmagem de “Kumuã” no Alto Rio Negro, em São Gabriel da Cachoeira
(Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

Criado em 2018, o projeto “Olhando por Dentro da Floresta Amazônica”, da agência Amazônia Real, tem coordenação geral da jornalista Kátia Brasil. O projeto produz uma série de reportagens e documentários sobre os povos indígenas e povos tradicionais ameaçados e vulneráveis da região. O projeto aborda temas como direitos dos territórios, direitos humanos e conhecimentos tradicionais.

“Acredito que o formato do audiovisual contribui para ampliar as vozes, as demandas e as histórias das populações amazônicas. É uma categoria do jornalismo que a Amazônia Real adotou a partir desse projeto e que tem tido uma boa repercussão. Não devemos nos acomodar como jornalistas e esse formato mostra o quanto podemos avançar nas produções que contribuem para dar visibilidade às populações amazônicas”, avalia Elaíze Farias, uma das fundadores da Amazônia Real.

Lançamento na Casa das Artes do documentário “Kumuã
(Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

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Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Izabel Santos

É graduada em Jornalismo pela Faculdade Martha Falcão, de Manaus (AM). Tem mais de dez anos de atuação na cobertura de política e meio ambiente. Trabalhou no Jornal Amazonas Em Tempo; no Portal Amazônia, foi coordenadora de jornalismo na rádio CBN Amazônia e coordenadora de jornalismo no canal televisivo Amazon Sat. Foi indicada ao Prêmio Milton Cordeiro de Jornalismo em 2014, na categoria Internet, pela série de reportagens "Balbina, hidrelétrica da contradição". Foi a jornalista responsável pelas ações de divulgação científica da segunda fase do INCT Adapta, projeto científico sediado no Inpa que investiga o impacto das mudanças climáticas nos organismos aquáticos da Amazônia. ([email protected])