Natal sem Fantasias

FÁTIMA GUEDES Por mais que se busquem referenciais ou dados relativos ao conjunto de quinquilharias que se nos apresentam como símbolos natalinos – árvore cônica (pinheiro), pisca-piscas, arranjos coloridos, brilhos e brilhos – fica difícil associar tais engrenagens ao […]

4º. lugar – “Por que me abandonaste?” de Ivan Freitas”

Por Amazônia Real Publicado em: 22/12/2015 às 18:38

FÁTIMA GUEDES

Por mais que se busquem referenciais ou dados relativos ao conjunto de quinquilharias que se nos apresentam como símbolos natalinos – árvore cônica (pinheiro), pisca-piscas, arranjos coloridos, brilhos e brilhos – fica difícil associar tais engrenagens ao perfil de Jesus de Nazaré, Pedra Angular do Cristianismo, e às circunstâncias de seu nascimento.

Conforme os relatos bíblicos, o Nazareno nasceu sem pompas ou fanfarras num abrigo de animais, na presença de Maria, José, pastores, ovelhas e burricos.

Entre as citações da Bíblia e as fantasias mercadológicas impostas aos povos colonizados e assumidas até mesmo por instituições ditas cristãs, há distâncias abissais. Nossa afirmação se apoia nos exageros de lixo colorido atufalhados no interior de templos e praças. E mais, ao mesmo tempo em que contradizem a trajetória humano-divina do Aniversariante reafirmam uma lógica classista e mercantil; encobrem vícios, luxúrias e, o mais cruel, operacionaliza-se a mercantilização do que se anuncia como sagrado.

Um mergulho nessas contradições oportunizara aos artistas parintinenses, nesse período natalino, desafios problematizadores para além dos interesses do mercado. No movimento criativo e espontâneo de seus pincéis; na íntima relação com estéticas libertárias e humanizantes reinventam, recriam mundos e convencem interlocutores letrados ou não à desconstrução de imaginários alienantes, deterministas e excludentes.

Bem a propósito, para Platão, a arte humana se propõe como expressão conjugada da coisa em si com a imagem que acompanha cada coisa, ou seja, o reflexo da própria natureza do ser. Lança-se como instrumento de provocação, reação e transformação. As imagens projetadas essencialmente devem expressar uma verdade/realidade e não reprodução da aparência. Precisa transversalizar o óbvio para alcançar a plena expressividade. O Filósofo ainda tecia severa condenação sobre a arte limitada a copiar a realidade – pintura, escultura ou poesia. Por fim, sem provocações/reações traços e cores, por mais harmoniosos que se nos apresentem, são ecos de acomodação e conformismo matizados de vazio

Alimentados nesta fonte filosófica, 20 Artistas presentearam aos ilhéus um Natal sem Fantasias, contrapondo-se aos desperdícios de dinheiro público, o que certamente Jesus de Nazaré faria na atual conjuntura. Sobre as ruínas sombrias e fétidas daquela que seria a Casa da Cultura dos parintinenses, os 20 Artistas oficializaram a semeadura de uma revolução artística no enfrentamento a imaginários injustos e hipócritas. É o poder revolucionário da Arte no enfrentamento ao óbvio; é a revelação de um cenário de hipocrisias, injustiças, fraudes e corrupções sistêmicas, como ferramenta de instigação à intervenção e ao enfrentamento.

Ali, à disposição de públicos diversos, Nossos Mestres do Pincel abrem os túmulos das prevaricações cotidianas da Ilha e registram a memória da corrupção administrativa predominante sobre os bens públicos.

Uma vez que a Escola não cumpre sua função político-social (formar sujeitos críticos e problematizadores para, no mínimo, interferirem nas perversidades do modelo econômico), os Artistas parintinenses se antecipam solidários aos clamores dos Movimentos Populares e lançam, naquelas Ruínas, a pedra angular da Educação Popular pela Arte rumo às transformações almejadas.

Por essa via de entendimento, vislumbra-se, embora como miragem, um outro Natal e Ano-Novo pé no chão, humanizado, socialmente construído para além das bugigangas, dos lixos coloridos e do padrão determinado pelo mercado.

A Utopia já começou!

Veja as quatro obras vencedores do concurso nas fotografias de Floriano Lins:

1º. lugar – “Meu Natal” de Arildo Mendes

2º. lugar – “Memórias da Corrupção” de José Augusto Tavares

3º. lugar – “Reflexos do (des) natal” de Glaedsom Nogueira Azevedo

4º. lugar – “Por que me abandonaste?” de Ivan Freitas”

Nota:

Ilhéus – Referência aos moradores da Ilha Tupinambarana, cidade de Parintins.

Fátima Guedes é educadora popular e pesquisadora de conhecimentos tradicionais da Amazônia. Graduada em Letras pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), tem especialização em Estudos Latino-Americanos pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) em parceria com a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) em Guararema (SP). É também fundadora da Associação de Mulheres de Parintins e da Articulação Parintins Cidadã.

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Amazônia Real

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