Parintins, e Agora?!…

Por Amazônia Real Publicado em: 01/07/2015 às 19:04

FÁTIMA GUEDES

A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu e a noite esfriou… Pertinente a contribuição de Drummond, quando Parintins, mais uma vez, se recolhe após intensa farra.

Com o Festival Folclórico, multinacionais e grandes mercadores fixaram os olhares para a festa dos parintinenses. Acelera-se o processo de mercantilização da vida com reflexos impactantes sobre a existencialidade dos autóctones. Há de se levar em conta, o despreparo do nativo colonizado para lidar com fama, dinheiro fácil, cargos de chefia e etc. Na perspectiva do Escritor Márcio Souza, a sequela se manifesta “em exageros nos detalhes da miséria”.

E, agora Parintins?!…

É inegável. A deusa cobiçada do interior da Amazônia enchera os olhos do mundo num show de luxo e beleza, porém, apesar de arrotar religiosidade, esquecera o anúncio cristão: a glória do homem é breve como a flor dos campos; negara também luxo e lixo como correspondentes semânticos.

A propósito das referências, as agremiações bumbalinas atingiram níveis abusivos de poderes político e econômico com sérios agravos a direitos civis, à cultura local, à dignidade de leias torcedores e ao público pagante dos descarados devaneios, desperdícios, luxúrias e privilégios de uma elite com pinta de dominante. A propósito, Parintins, hoje, paga pela promíscua vaidade. Sobre ruas repletas de lixo, lama, buraco e uma variedade de misérias, acorda ressacada nos braços frios da realidade sem perspectivas aparentemente libertárias e humanizantes.

Alegoria de fim de festa. (Foto: Floriano Lins)

Por falar em ressaca, é válido comparar experiências dos primeiros anos de Festival Folclórico. As ressacas pós-festivais manifestavam-se em forma de humor e descontração; em sua natural sonolência ressacosa o ilhéu expressava sobras de festa, de alegria, de paixão, de folguedo, de vitória ou derrota do boi preferido. Passados os dias, guardavam-se as boas lembranças da festa até o próximo ano.

Com o avanço das tendências maléficas da financeirização sobre as tradições popular/comunitárias, o parintintin se transformara em tarefeiro, subserviente da elite subiimperialista; do povão, roubou-se o Brinquedo de São João que vira mercadoria, produto de exploração comercial, algoz de mão-de-obra escrava e mal paga, por fim, objeto e fonte de corrupção descarada. Hoje, a ressaca do Festival tem bafo de dor, revolta, indignação, vergonha, mágoa… Até a ressaca dos “vitoriosos” rescende a cumplicidade sobre resultados articulados nos bastidores dos bumbás. Prática antiga entre Contrários…

E, agora Parintins?!…

Após a boinança vem a languidez viciosa. Tudo em volta silencia, até mesmo a “esquerda combatente” da indústria cultural. Ninguém se atreve enfrentar a omissão, colocar o Festival na balança e submetê-lo a sério exame de corpo de delito. A vida parece perder o sentido e a estagnação retoma o antigo posto.

E, Agora, Parintins?!…

Na fazenda, a boiada está gorda, denuncia o compositor Chico da Silva. Em paralelo, a procissão dos falidos e desvalidos procura saídas para as sequelas, arrastando-se em direção ao templo. Quem sabe na Festa da Padroeira se resolvem as culpas, os remorsos, a depressão consequências dos vícios e palhaçadas da Ilha da Alegria… Nessas circunstâncias, é comum usar o manto da Virgem para esconder coisas que os olhos resistem ver.

E agora, Parintins?!…

No bojo da romaria, seguem as cunhantãs, ainda com restos de fantasias pelo corpo. Já não cantam olê, lê, olá, olá; quando os tambores silenciaram e a menstruação sumiu, ouve-se apenas ai, ai, ai seguidos de rogos à Virgem do Carmo pelo milagre do arriamento. Precisam desenrascar-se urgentemente. Enquanto isso, diz o Poeta, ficam tristes e no rasto da tristeza chegam à crueldade. Por essas razões, Parintins impõe-se penitencia: colabora com os lucros do arraial e, assim, abafa a consciência…

Que será de ti, Parintins?!…

Se teus doutores da Lei, abusam da autoridade, extrapolam os limites da Justiça, da Legalidade e em favorecimento à luxúria do Festival, negam o Estatuto da Criança e do Adolescente permitindo a exposição dos pequenos parintinenses, na arena do Bumbódromo. Diante da Suprema Corte, Conselheiros Tutelares e Agentes do enfrentamento a tais abusos se obrigam recuar e correr atrás dos prejuízos.

Por fim, com autoridade artístico poética, Chico da Silva retoma o espaço e profetiza o destino da capital brasileira do folclore: – Aos domingos, após missa na matriz, o teu povo está feliz. Salve, irmãos! Salve, irmãs!

Crianças de Parintins ficam sem transporte escolar seguro. (Foto: Floriano Lins(

Notas:

Agremiações Bumbalinas – Associações dos bumbás Garantido e Caprichoso.

Com pinta – Com pose; com jeito.

Brinquedo de São João – Referência aos bumbás.

Contrários – Os grupos folclóricos adversários.

Boinança – Aglutinação dos vocábulos Boi+Bonança.

Ilha da Alegria – Referência a cidade de Parintins.

Cunhantãs – Do tupi – kuña´tain, mulher adolescente. No Amazonas, menina, moça.

Olê, lê, olá, olá – Refrão cantado nas toadas dos bumbás.

Arriamento – O mesmo que menstruação.

Capital brasileira do folclore – Outra referência a Parintins.

Fátima Guedes é educadora popular e pesquisadora de conhecimentos tradicionais da Amazônia. Graduada em Letras pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), tem especialização em Estudos Latino-Americanos pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) em parceria com a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) em Guararema (SP). É também fundadora da Associação de Mulheres de Parintins, da Articulação Parintins Cidadã e Militante da Marcha Mundial das Mulheres.

Reportagem Noticiosa

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1 Comentário

Rosemere Barbosa Guimarães disse:

02/07/2015 às 19:52

Quanta riqueza na realidade escrita por uma mulher que ergue bandeira em defesa dos direitos de outras mulheres. Óh mulher! O qto aprendo com o seu modo de ser, de pensar, se posicionar. Texto perfeito, um abraço!

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