Philip M. Fearnside

Parque Nacional da Serra do Divisor ameaçado: 3 – Mudanças do uso da terra

Por Diogo Mitsuru Koga, Irving Foster Brown, Philip M. Fearnside, David S. Salisbury e Sonaira Souza da Silva As áreas ocupadas por pastagem e desmatamento representam 15-17% da área não florestal, mostrando estabilidade da pressão antrópica. A principal mudança na […]

Por Amazônia Real Publicado em: 25/05/2022 às 17:04

Por Diogo Mitsuru Koga, Irving Foster Brown, Philip M. Fearnside, David S. Salisbury e Sonaira Souza da Silva

As áreas ocupadas por pastagem e desmatamento representam 15-17% da área não florestal, mostrando estabilidade da pressão antrópica. A principal mudança na cobertura da terra do Parque Nacional da Serra do Divisor (PNSD) foi a transição de vegetação primária para vegetação secundária e mosaico de usos, representando 67-71% da área sem mata nativa (1.447 ha), sendo 43-45% de vegetação secundária.

A perda de floresta dentro da zona de entorno foi maior do que dentro do PNSD, com a zona de entorno experimentando uma perda de 10% de floresta em 30 anos (Tabela 4). A substituição de VP pelas classes P e D representou 22% das mudanças na classe VP entre 1988 e 2003 e 39% no período mais recente (2003-2018). O abandono da agricultura e pecuária para VS e posterior transição para ‘floresta’ (floresta secundária com estrutura semelhante à da vegetação primária) foi de 45% durante 1988-2003, diminuindo para 25% durante 2003-2018. A manutenção ao longo do tempo de áreas produtivas (pastagem e mosaico de usos) foi maior na zona de entorno de 5 km do que no Parque. As áreas e percentagens das classes de uso e cobertura da terra em 1988, 2003 e 2018 no PNSD e na zona buffer de 5 km são apresentadas no Material Suplementar (Tabelas 5 e 6).

As coberturas naturais do PNSD, como os corpos d’água ao longo dos rios Juruá e Moa, ocuparam uma média de 1.601 ha. As transições observadas entre as classes O e CA para VP e VS nas matrizes se devem às mudanças ocorridas nos cursos do Juruá, Juruá Mirim, Moa e outros rios porque são sinuosos ao longo do tempo. A classe ‘outros’ inclui áreas afetadas por deslizamentos de terra naturais nas serras da Jaquirana, Moa, Juruá Mirim e Rio Branco, ocasionadas periodicamente por chuvas excessivas ou por terremotos.

Implicações para a conservação

O Parque Nacional da Serra do Divisor (PNSD) ainda conserva cerca de 98% de sua floresta primária, e 48% do total que foi desmatado até 2018 agora tem vegetação secundária. Florestas em áreas protegidas armazenam e capturam carbono atmosférico, e sua preservação pode ser um importante contribuinte para mitigar o aquecimento global [1]. Em 2014, as florestas do PNSD detinham 134,9 milhões de Mg de carbono (acima e abaixo do solo), tendo perdido apenas 2% de seu estoque original para o desmatamento desde aproximadamente 1970 [2].

A preservação do PNSD contribui para a segurança alimentar dos habitantes da área protegida através da proteína proveniente de animais silvestres [3, 4]. Há 407 famílias no PNSD que utilizam recursos naturais e se dedicam à agricultura e pecuária de pequena escala, além das pessoas que visitam para fins turísticos, científicos ou educacionais. O aumento do envolvimento da população local deve ser buscado nos processos de tomada de decisão em áreas protegidas, porque isso é um pré-requisito tanto para a conservação quanto para o desenvolvimento socioeconômico [5].

A parte sudoeste da bacia amazônica, na qual o PNSD está localizado, é uma importante fonte direta e intermediária de umidade distribuída para a bacia do Prata que inclui São Paulo e Buenos Aires [6]. As mudanças no uso da terra nesta região da Amazônia podem enfraquecer o papel de reciclagem da água das florestas, modificando a precipitação a milhares de quilômetros deste local e intensificando os extremos climáticos, afetando a produtividade agrícola tanto dentro como fora dos trópicos [7].

Esses impactos se somam ao cenário investigado por Leite-Filho e colaboraores [8], os quais descobriram que um encurtamento da estação chuvosa ocorreu no sul da Amazônia durante um período de 15 anos devido ao desmatamento e outros fatores. A estação seca já se prolongou no sul da Amazônia [9]. Ambas as análises podem ser aplicadas à região do PNSD e seu entorno em uma perspectiva futura.

O PNSD sofreu uma redução muito menor na floresta primária (1%) no período de 30 anos (1988-2018) do que na zona de entorno de 5 km (10%), o que demonstra a importância das áreas protegidas na região amazônica e reafirma os papéis que essas áreas têm na manutenção da floresta e, assim, mitigar as mudanças climáticas e proteger a biodiversidade. Uma proposta de reclassificação deste parque nacional para uma área de proteção ambiental impactaria as 400 famílias que vivem no Parque, assim como uma estrada proposta que cortaria o Parque. Estudos mostram a inviabilidade econômica do projeto rodoviário e os prováveis impactos no desmatamento, na biodiversidade e no regime climático regional e continental. Interromper tanto o projeto rodoviário proposto quanto a recategorização do status de proteção do Parque seria a maneira mais apropriada de manter a floresta no Parque e contribuir para a estabilidade climática regional e global. [10]

A imagem que abre este artigo é de autoria de Mailza Gomes

Notas

[1] Maxwell SL, Evans T, Watson JEM, Morel A, Grantham H, Duncan A, Harris N et al. (2019) Degradation and forgone removals increase the carbon impact of intact forest loss by 626%. Science Advances 5: art. eaax2546.

[2] Nogueira EM, Yanai AM, Vasconcelos SS, Graça PMLA, Fearnside PM (2018) Carbon stocks and losses to deforestation in protected areas in Brazilian Amazonia. Regional Environmental Change 18: 261–270.

[3] Sarti F, Adams C, Morsello C, van Vliet N, Schor T, Yagüe B, Tellez L et al. (2015) Beyond protein intake: Bushmeat as source of micronutrients in the Amazon. Ecology and Society 20: art. 22.

[4] Lemos LP, Bizri HRE, Amaral JV, Santos AS, Koga DM, Silva FE (2018) Caça de vertebrados no Parque Nacional da Serra do Divisor, Acre. Biodiversidade Brasileira 8: 69–88.

[5] Oldekop JA, Holmes G, Harris WE, Evans KL (2016) A global assessment of the social and conservation outcomes of protected areas. Conservation Biology 30: 133–141.

[6] Zemp DC, Schleussner CF, Barbosa HMJ, van der Ent RJ, Donges JF, Heinke J, Sampaio G et al. (2014) On the importance of cascading moisture recycling in South America. Atmospheric Chemistry & Physics 14: 13337–13359.

[7] Lawrence D, Vandecar K (2015) Effects of tropical deforestation on climate and agriculture. Nature Climate Change 5: 27–36.

[8] Leite‐Filho AT, Costa MH, Fu R (2020) The southern Amazon rainy season: The role of deforestation and its interactions with large-scale mechanisms. International Journal of Climatology 40: 2328–2341.

[9] Espinoza JC, Ronchail J, Marengo JA, Segura H (2019) Contrasting North–South changes in Amazon wet-day and dry-day frequency and related atmospheric features (1981–2017). Climate Dynamics 52: 5413–5430.

[10] Este texto é uma tradução de: Koga, D.M., I.F. Brown, P.M. Fearnside, D.S. Salisbury & S.S. da Silva. 2022. Serra do Divisor National Park: A protected area under threat in the southwestern Brazilian Amazon. Environmental Conservation

Leia os outros artigos da série:

Parque Nacional da Serra do Divisor ameaçado: 1‑ Resumo da série

Parque Nacional da Serra do Divisor ameaçado: 2 ‑ O Parque

Sobre os autores

Diogo Mitsuru Koga possui graduação em Ecologia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2010) e mestrado em Gestão de Áreas Protegidas da Amazônia pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (2019). Atualmente é Analista Ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), lotado no Núcleo de Conciliação Ambiental – Tocantins. Foi gestor e chefe substituto do Parque Nacional da Serra do Divisor (PNSD) – Acre, entre 2010 e 2019.

Irving Foster Brown possui graduação da Amherst College (1973) e mestrado (1979) e doutorado (1981) em ciências geológicas na Northwestern University. Atualmente é pesquisador do Woodwell Climate Center vinculado à Universidade Federal do Acre. Tem experiência na área de Geoquimica e Ecologia, com ênfase em Ecologia Aplicada, atuando principalmente nos seguintes temas: mudanças globais, queimadas, sensoriamento remoto, estimativas de desmatamento, uso de florestas, metodos de verificação do uso da terra.

Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 700 publicações científicas e mais de 600 textos de divulgação de sua autoria que podem ser acessados aqui.

David S. Salisbury é Professor Associado de Geografia e Meio Ambiente na University of Richmond, Richmond, Virginia, EUA. É Professor Honorário na Universidad Nacional de Ucayali, Peru. Fez graduação em literatura espanha no Middlebury College, mestrado em estudos latino-americanos na University of Florida e doutorado em geografia na University of Texas. Publicou diversos trabahos sobre mudança do uso da terra na Amazônia peruana e no Acre.

Sonaira Souza da Silva é formada em Engenharia Agronômica (2008), Mestrado em Produção Vegetal com ênfase em agricultura familiar (2010) pela Universidade Federal do Acre e Doutorado em Ciências de Florestas Tropicais (2017) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Atualmente é professora da Universidade Federal do Acre Campus Floresta em Cruzeiro do Sul, onde atua como orientadora no Programa de Pós-graduação em Ciências Ambientais e Coordena o Laboratório de Geoprocessamento Aplicado ao Meio Ambiente (LabGAMA). Desenvolva pesquisas focadas em análises espaciais do uso da terra, queimadas e incêndios florestais na Amazônia.

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Sobre a matéria

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