Política

Por que as mulheres param no 8 de Março?

Ao menos 177 países farão paralisações em favor dos direitos femininos no Dia Internacional da Mulher. Em Manaus, haverá protestos a partir das 15 horas na Praça da Saudade Kátia Brasil e Maria Cecília Costa, da Amazônia Real Há […]

8M Manaus em 2017 (Foto: Coletivo Difusão)

Por Amazônia Real Publicado em: 07/03/2018 às 21:29

Ao menos 177 países farão paralisações em favor dos direitos femininos no Dia Internacional da Mulher. Em Manaus, haverá protestos a partir das 15 horas na Praça da Saudade

Kátia Brasil e Maria Cecília Costa, da Amazônia Real

Há 107 anos as mulheres em todo o mundo fazem protestos para celebrar conquistas de direitos e alertar/cobrar os diversos direitos que ainda não foram efetivados. As manifestações começaram em homenagem às 129 operárias queimadas por policiais na fábrica têxtil Triangle Shirtwaist Company, em Nova York, nos Estados Unidos, em 8 de março de 1857. Elas reivindicavam a redução da jornada de trabalho, que era de 14 horas, e o direito à licença-maternidade.

Em 1975 o Dia Internacional da Mulher com a data das mortes das operárias foi reconhecido oficialmente pelas Nações Unidas. A partir daí a data começou a ter um novo fôlego com as mobilizações do movimento feminista cobrando mais políticas públicas contra a violência. Esse ano as mulheres estão se mobilizando em cidades de mais de 177 países, da Europa a América Latina.

A reportagem da Amazônia Real entrevistou as coordenadoras do ato Paralisação Internacional das Mulheres. Perda de Direitos? Eu não aceito! organizado por movimentos sociais, fóruns, ativistas, organizações sindicais e coletivos feministas do Amazonas.

Em Manaus, o ato começa às 15 h com a concentração na Praça da Saudade, no centro da cidade. A partir das 16 h, as manifestantes fazem uma caminhada até o Largo São Sebastião, ao lado do Teatro Amazonas, onde haverá a partir das 18h o show Ouvindo nossas vozes! com as apresentações de grupos dança: Circular do Espaço Feminista Uri Hi, Maracatu Baque Mulher Manaus, Mara Pacheco, Cia de Dança Uatê e Kirar (Dança conosco); de música com Kamylla Vitória, Catarina; performance da atriz Maria Moraes; poesia com Mulheres In Rima feat Rebeca, Carol Calderaro e Roselayne Castro; além da artista Melany Marinho. Leia as entrevistas abaixo:

Luzarina Varela da Silva (Foto: Rodrigo Duarte/8M)

Luzarina Varela da Silva, ex-metalúrgica e operária do Distrito Industrial de Manaus, é representante do Fórum Permanente das Mulheres de Manaus, do Movimento de Mulheres Solidárias do Amazonas (Musas) e da Pastoral Operária (PO). Ela participou do primeiro ato em que as mulheres da capital amazonense foram às ruas para reivindicar os direitos e lutar contra a violência, em 1985.

“Uma coisa que queremos deixar bem claro é que o Dia 8 de Março é um dia totalmente de luta. Não é um dia para comemorar o capital, o comércio. Ainda vou mais além, é um dia de luto, pelas companheiras que tombaram na luta. Nos anos 80 nossas pautas eram lavanderias e restaurantes comunitários e creches, que estão na pauta até hoje, assim como as delegacias da mulher. Hoje tem uma Delegacia em Manaus (no bairro Parque Dez) e um anexo na Cidade de Deus (bairro da Zona Leste). Em Itacoatiara a delegacia não funciona para atender às mulheres, virou uma delegacia comum. Em Coari funciona mais ou menos, a mesma coisa acontece em Tefé, em Parintins. Então desde 1987, quando abriu a primeira, são 21 anos, nós lutamos para que a mulher tenha um atendimento digno quando chega agredida na delegacia. Então eu digo que a gente vai e volta, vai e volta nas políticas públicas. E a violência não para. É violência da hora do parto, a obstétrica, é nas ruas, no ônibus, em casa, na escola. Isso não é de agora. Quantas mulheres morreram? Nós estamos na cidade, o Amazonas tem 62 municípios. E as mulheres das águas e da floresta, a mulher cabocla, a mulher ribeirinha? É assim que elas se denominam: caboclas, ribeirinhas, mulheres das águas e da floresta. Para essas mulheres as políticas públicas, infelizmente, ainda não chegaram. Para um simples preventivo elas têm que vir para a capital. Uma mamografia, um parto mais complexo, elas têm que ir para a capital. Tem município aí que não tem nem delegacia. Tem um tenente da polícia militar, com todo respeito… Então, as políticas públicas estão muito aquém e aqui em Manaus nós não estamos prestando atenção, mas o nosso preventivo, que a gente faz, não é mais uma ginecologista que vê, é uma enfermeira. A Semsa (Secretaria Municipal da Saúde) assinou uma portaria: é uma enfermeira ou um clínico-geral. A mulher não faz mais pré-natal com a ginecologista, nem com obstetra, é o clínico-geral ou a enfermeira. Então vamos às ruas de luto!”

Antonia Maria Barroso , no centro em foto de 2017 (Foto: Rodrigo Duarte/8M)

Antonia Maria Barroso é representante do Espaço Feminista Uri Hi e do Fórum Permanente das Mulheres de Manaus. Ela falou à reportagem sobre o contexto internacional do 8 de Março.

“Estaremos nas ruas, ocupando os espaços no 8 de março. Essa unidade na diversidade das mulheres é muito salutar para nós porque a cada ano a gente vai se fortalecendo na América Latina, no Brasil, no Amazonas. Em Manaus nós estamos fazendo uma bela articulação no respeito à todos os coletivos, a todas as companheiras que estão na luta. São várias bandeiras de luta, vários processos de demanda, de denúncia, e todos os coletivos, todas as mulheres estão denunciando a violência. A violência institucional, o feminicídio, essas reformas têm um significado muito grande, um impacto na vida das mulheres. Esse enfrentamento ao capitalismo é de extrema importância para nós porque isso dá direito à vida. Se a gente faz esse enfrentamento a esse sistema que massacra as mulheres, nós vamos ter muitas conquistas. Nós não vamos arregar (ceder) porque nós somos fortes e a revolução vai ser através das mulheres. Por que nós estamos nas ruas? Para responder é preciso fazer um resgate da nossa luta. Nós mulheres viemos nesse enfrentamento no mundo há anos. Mas o movimento teve maior unidade na América Latina a partir de 2015 e 2016, na Argentina. O movimento ‘Nem Uma A Menos’ (Ni Una Menos), que aconteceu após as mortes de duas jovens, chamou atenção do mundo todo na marcha contra a violência. No mesmo ano na Polônia milhares de mulheres se vestiram de preto e ocuparam as ruas em repúdio ao retrocesso na legislação da interrupção da gravidez no país. No ano seguinte, 2017, cerca de 30 países, inclusive as mulheres dos Estados Unidos e do Brasil, se juntaram na marcha construindo essa unidade e lutando contra os assédios e abusos sexuais. O mundo todo está passando por perdas de direitos, por massacres de mulheres, estupros, por privatização, mulheres negras e povos direitos estão perdendo a terra. Governos de extrema direita que estão aí instalados fazem com que nossos diretos sejam retirados, é por isso que precisamos de unidade. É por isso que estamos nas ruas”.

As mortes que Antônia destacou na Argentina na declaração acima foram os feminicídios de Chiara Páez, 14 anos, em 10 de maio de 2015, e de Lucia Pérez, de 16 anos. O feminicídio é o assassinato motivado pelo fato de a vítima ser uma mulher, como descreve o Código Penal argentino em 2012. Um agravante que no caso de condenação por homicídio, o acusado pode receber a prisão perpétua na Argentina.

Michelle Andrews (Foto: Rodrigo Duarte/8M)

Michelle Andrews é feminista e ativista do Coletivo Difusão. Para ela, a mídia e o comércio transformaram o Dia da Mulher num clichê, por isso, ela diz que os movimentos das mulheres feministas estão nas redes sociais desconstruindo esse clichê e o discurso de ódio e machista. Este ano tomou força nas redes sociais as campanhas no Brasil e Estados Unidos contra os assédios e abusos sexuais. As americanas criaram o movimento #MeToo (Eu Também), as brasileiras a campanha #Bastadeviolência, ambas ganharam visibilidade mundial.

“Quem tem acesso às mídias acha que o Dia 8 é para presentear a mulher com flores e presentes. A gente tem uma realidade cruel no Amazonas e no Brasil e não pode ficar conformada em morar num país onde a cada 15 segundos tem um relato de violência. Então precisamos garantir a visibilidade dessas pautas enquanto comunicadoras e cidadão do mundo. O feminismo é intersecional com falas das manas indígenas, negras, manas da periferia. Hoje, mais do que nunca, temos que falar sobre os tipos de violência que acontecem nesse país. Nós estamos utilizando a tag #8M para que as pessoas consigam nos localizar e garantir a visibilidade do movimento. O Dia 8 de Março tem bandeiras, cores e muita luta para fazer essa contra narrativa da homenagem comercial do dia das mulheres.”

No Amazonas, em 2017, mais de 120 mil mulheres denunciaram nas delegacias que foram vítimas de agressões, conformes informações da Secretaria Estadual de Justiça (Sejus) ao Núcleo de Pesquisa e Estudos de Gênero (Neiregam) da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). No estado, é crescente também o número de agressões e mortes contra mulheres lésbicas, transexuais e transgêneros. Em janeiro deste ano, a ativista LGBT e professora de informática Mary Lucia da Silva Ribeiro foi agredida brutalmente por um vizinho. Os socos provocaram traumas na face e na cabeça da professora. Integrante do Fórum Permanente das Mulheres de Manaus, Mary não participará do ato devido aos problemas de saúde que ainda enfrenta, no entanto, seu agressor continua em liberdade.

O direito ao Registro Civil

A ativista Joyce Alves Gomes, da Associação de Travestis, Transexuais e Transgêneros do Estado do Amazonas (Assotram) e do Conselho Regional de Serviço Social (Cress) da 15ª. Região Amazonas e Roraima, falou à reportagem sobre a violência LGTB+ e as conquistas recentes como a decisão do Supremo Tribunal Federal que permitiu que mulheres trans possam registrar o nome social no Registro Civil, o documento principal para emitir o Registro de Identidade e o CPF. Assim, Joyce conquistou esse direito.

“O Amazonas foi um dos primeiros Estados brasileiros a reconhecer a mulher trans como mulher e juntar todas no mesmo objetivo, que é a luta contra esse sistema machista e opressor que tá aí. Então eu chamo todas para que somem com a gente dia 8 de Março, a partir das 15 horas na Praça da Saudade. Vamos caminhar juntas pela luta e pela implementação dos direitos, os que ainda não conquistamos e os que já foram conquistados não estão sendo implementados. Com relação a decisão do STF. Nossa, foi maravilhoso! Eu me senti, assim, realizada porque é o reconhecimento da tua identidade. O que você é sem o seu nome? Era um direito que nos era negado já historicamente. Não tínhamos direito, na verdade, de termos nosso próprio número. Porque, para ter esse direito reconhecido, tinham que ter vários laudos. De acordo com a CID 10, tínhamos que nos reconhecer como disforia de gênero (CID 10 é sigla para Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde no Brasil. Essa classificação garante às pessoas transexuais o direito à terapia hormonal, psicoterapia e à cirurgia de redesignação sexual). Eu tinha que dizer que era doente para poder ter direito ao meu nome. Então, a partir do momento que o STF toma essa ciência. Eu chorei nesse dia, é o reconhecimento de quem tu é, entendeu? Muitas não têm nem condição de entrar com uma ação sobre o nome. Então era uma coisa absurda. Você passava constrangimento diversas vezes porque, às vezes, a tua fisionomia é de um jeito e, você chegando lá, no momento de apresentar sua identidade… Eu tenho um nome: Joyce Lorane. Tenho sim, estou no processo da mudança de registro já.”

Tânia Chantel (com microfone) no Diálogos da partidAmazonas (Foto: Sascha Porto)

Tânia Chantel é do Movimento de Mulheres Camponesas do Amazonas e falou nesta entrevista sobre a importância do 8M no âmbito regional e como as mulheres precisam sair da zona de conforto.

“Para as mulheres camponesas, sair da zona de conforto, por exemplo, é enfrentar o pacote do agronegócio que está aí colocado. Nós tivemos recentemente um acordão na Justiça, que foi a aprovação da reforma trabalhista. A gente sabe o que isso vai significar na vida das mulheres, principalmente das mulheres negras. A possibilidade da aprovação da reforma da previdência vai tirar o direito das mulheres camponesas de se aposentar. Nós, que estamos na produção, que queremos um território livre de transgênicos, perdemos direitos. As indústrias dos transgênicos negociaram para que essa reforma fosse aprovada. Então uma lei para que os transgênicos também pudessem ser utilizados de qualquer forma. Então isso automaticamente seria aprovado, a Anvisa não vai fazer nenhum tipo de objeção para que seja usada. E isso vai ter impactos negativos na vida das mulheres porque elas precisam de um território livre de transgênicos para produzir. E aí, a sua produção, livre de transgênicos, livre de transgênicos significa saúde, significa vida. Nós vamos ter também problemas de saúde, as águas não vão estar poluídas. Então para as mulheres camponesas sair da zona de conforto significa isso, Luta!”

Paralisação das mulheres em 8 de março de 2017, em Manaus (Foto: Coletivo Difusão)

Eurides Alves de Oliveira é missionária da organização católica Rede Um Grito Pela Vida. Ela explicou à reportagem como as mulheres migrantes da Venezuela estão vulneráveis ao tráfico de pessoas na Amazônia. Mulheres no 8 de março irão cobrar direito das migrantes e alertar contra o racismo, preconceito e xenofobia, crimes que violam os direitos humanos.

“O 8 de Março é um dia de luta, um dia de dar visibilidade a toda a realidade de violação de direitos e de violência que sofrem as mulheres. O tráfico humano, a exploração sexual das mulheres, sobretudo das meninas, das mulheres mais empobrecidas, mas de todas as mulheres, em geral. É um crime muito invisível, então estar na marcha junto com todas as companheiras, denunciando também essa forma brutal de violência é, sem dúvida, um momento singular. Porque esse é um crime, uma realidade que está crescendo muito. Eu estou voltando agora de Roraima, fomos lá ver de perto a situação da migração dos nossos irmãos e irmãs venezuelanas. Nos deparamos com infinitos casos de exploração sexual, de violência doméstica, e de tráfico de mulheres, meninas, onde as redes do tráfico organizado estão ligadas aí a grandes setores econômicos, tanto tráfico de drogas quanto até das nossas lideranças constituídas. Estão se aproveitando da extrema vulnerabilidade do povo para poder exercer seu potencial de comércio ou de pura exploração pelo machismo, pelo patriarcado, por essa relação desigual entre homens e mulheres. No meio desse crime todos as crianças são as mais vulneráveis. Assim, com certeza as adolescentes, as crianças e os adolescentes, acabam sendo mais vulneráveis porque eles ainda não têm autonomia, maturidade de fazer suas escolhas e de falar por si mesmo. Estão à mercê dos aproveitadores que acabam se aproveitando dessa situação. Em Boa Vista, por exemplo, a gente presenciou, a olho nu, uma rede de prostituição de muitas adolescentes venezuelanas. Embora o tráfico de pessoas seja muito democrático, ele atinge de criança até os adultos mas, sem dúvida, em uma situação de vulnerabilidade, onde não há oportunidade para a juventude, onde não há uma educação de qualidade, onde não há espaço de cultura, a juventude e a adolescência acabam sendo mais vulneráveis a esse crime.”

Ato Paralisação Internacional das Mulheres. Perda de Direitos? Eu não aceito!

Quando: 8 de março

Concentração: 15 horas

Local: Praça da Saudade, no centro de Manaus

Programação do Largo São Sebastião

Show Ouvindo nossas vozes!

Horário: das 18 horas às 20 horas

Dança Circular, com Antonia Maria (Espaço Feminista Uri Hi), Maracatu Baque Mulher Manaus, Djuena Tikuna, Mara Pacheco e a Cia de Dança Uatê, Kamylla Vitória (música), Catarina (música), Maria Moraes (performance), Dança Conosco com o Grupo de Dança Kirar, Mulheres In Rima feat Rebeca e Carol Calderaro (música e poesia), Dança com Roselayne Castro, Melany Marinho (música), Show Ouvindo nossas vozes!

Informações na página do Facebook:

Basta de Violência Contra as Mulheres (evento aqui).

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