Juarez Silva Jr.

Racismo e Antirracismo, um ano de tensões globais

Por Juarez Silva Jr Publicado em: 12/06/2020 às 13:32

O racismo

É uma estrutura global e secular, milenar até, se considerarmos as práticas de preconceito e discriminação étnica desde a antiguidade clássica e que precederam a invenção considerada “científica” da raça, feita por Carolus Linnaeus (1707-1778), em 1758, com a taxonomia do Homo Sapiens dividida em subespécies atreladas às características fenotípicas mais comuns das populações continentais, acrescidas de pressupostos morais.

Antes de Linnaeus no entanto, a raça já era um termo/conceito em busca de ares “científicos” com a “Nouvelle division de la terre par les différents espèces ou races qui l’habitent” (“Nova divisão da terra pelas diferentes espécies ou raças que a habitam”) de François Bernier (1625-1688), publicada em 1684.

Muito embora o racismo tenha uma história universal e, como dito, envolvendo também etnias- caso dos judeus, ciganos, entre outros, que são grupos de cultura distintas e próprias (língua, cosmovisão, tradições milenares, mito de criação, noção de parentesco remoto e território ancestral reivindicado) – que podem estar dentro do mesmo “grupo racial” (com características fenotípicas continentais), ele, o racismo, encontra hoje mais visibilidade e efeitos práticos a partir dos eventos da conquista das Américas, com a dizimação, sujeição e aviltamento de seus povos originários, os indígenas (por sinal, um dia também chamados “negros da terra”), do tráfico negreiro africano para o “novo mundo”, com a escravização e aviltamento secular e os processos de colonização europeia de África e Ásia. Africanos e afrodescendentes, pelos números e espraiamento global e cultural são, de há tempos, as principais vítimas do racismo, pelo menos em nível de ocidente.

A desigualdade social e econômica advinda do racismo é perceptível em todos os indicadores estatísticos sociais, a violência racista para além destes fica também evidente pela imprensa, que se antes não fazia muita questão de mostrar os casos, hoje não tem como escapar de dar suporte jornalístico ao que não tem como ser contido via redes sociais. Não se trata nem de “perder o furo” mas de perder notícia, credibilidade e relevância; não se pode também deixar de imaginar alguma mudança de valores nos pautamentos de interesse mais coletivo e diverso.

O antirracismo

Um mural pintado em tributo a George Floyd em Houston, Texas
(Foto: Aaron Preacher/Greenpeace)

A luta antirracista não é nova, tampouco cessou ou arrefeceu em algum momento, mas há fatos que a fazem recrudescer, ganhar notoriedade e visibilidade. A constatação de que é maior a vulnerabilidade das populações negras na pandemia de Covid-19 é uma delas; declarações racistas (conscientes ou não) outra; os casos de violência e morte por ação ou omissão outras. Porém nenhuma superou nos últimos tempos, em consequências práticas globais, a morte do norte-americanos George Floyd, negro, morto por sufocamento, aliás como tantos outros antes, frente a uma câmera, por um policial supremacista branco em Minneapolis, EUA.

A movimentação virtual, os protestos presenciais, mesmo em meio à pandemia, tem forçado mundo afora, um grande número de mudanças práticas, desde a alteração de procedimentos de abordagem policial, passando pela responsabilização criminal antes não aplicada à agentes abusivos, fim de famoso programa de TV de exaltação de violência policial, retirada de símbolos confederados da NASCAR, alteração de nomes de logradouros, retirada de homenagens a notabilizados pela escravização, inclusive com derrubadas de estátuas, ou um aporte de 100 milhões de dólares feito pela Apple a fim de apoiar ações educacionais e práticas contra o racismo e desigualdade racial, entre outras coisas.

No Brasil, as manifestações também estão ocorrendo e a partir também de outras demandas e casos de violência e descaso conhecidos, o genocídio da juventude negra é pauta já colocada há tempos. Assistimos também a um desmonte das conquistas da população negra nos últimos tempos, vide por exemplo a tomada da Fundação Cultural Palmares, como parte da guerra cultural em que o Brasil foi jogado, desde 2019, por um presidente que vai na contramão de todos os objetivos declarados de criação da fundação, atacando Zumbi, negando o racismo, fazendo ode à Princesa Isabel, atacando os quilombolas e o ao movimento negro. Isso é o chamado metarracismo, racismo cínico que se traveste de “antirracismo”, mas que tem como real finalidade perpetuar a desigualdade e negar as demandas da população negra. Enfim, mais uma frente de combate para os antirracistas.

Por falar nisso, quero deixar meu posicionamento pessoal sobre dois pontos polêmicos que circulam pela grande rede: o primeiro é sobre a relação antifascismo e antirracismo; o segundo é sobre a onda de retirada de homenagens públicas em função dessa onda de consciência histórica.

Sobre Antirracismo e Antifascismo

Anda rolando aí pelas redes uns posicionamentos contra o encampamento do antifascismo por antirracistas, em especial os negros. Meu entendimento: não tem como ser antirracista sem ser antifascista. Em um sistema fascista o racismo é combustível ideológico; em outros também, mesmo que não tão aberto e declarado, logo, racismo vindo do fascismo ou não, deve receber combate.

O fato de vermos parte dos antifascistas mais preocupados com outras pautas, típicas de “esquerdas marxistas” e, como os velhos “comunas”, desconsiderando a questão da raça como uma importante questão de classe, não muda a necessidade de combater o fascismo tampouco “subalterna” o antirracismo ao antifascismo. O que temos visto nas manifestações é um acoplamento prático de ambas as pautas pela maioria. Agora, sem tem antifascista ou esquerdista que ainda não entendeu que assumir o antirracismo em equilíbrio com o antifascimo é “natural e necessário” fazer o quê ? Uma das principais características do antirracismo é a CONSCIENTIZAÇÃO. Se for para querer impor a pauta antirracista como prioridade absoluta ou “exclusiva” para todo mundo ou desistir das alianças e apoios com outros focos, essa guerra já está perdida. A missão, menos que transformar “todo mundo” em “antirracista ferrenho” é fazer todos os recortes de luta entenderem o conceito básico do UBUNTU, “sou porque somos”, assim ganham todos.

Sobre derrubada de monumentos e retirada de homenagens

Particularmente eu não vejo diferença entre grandes homenagens, seja monumento, nome em logradouros, bens públicos e privados, cidades, enfim. Se é uma homenagem com base em valores humanos que perpassam os tempos fica, se é uma homenagem com base em valores hoje inaceitáveis sai.

Também vejo diferença entre o monumento para não esquecer uma dor ou evento que não se deve repetir (tipo parte do muro de Berlim, ou um campo de concentração) e o para enaltecer uma figura a qual não apenas não cabe nenhuma exaltação no tempo presente, como se contraindica. Só para lembrar: na legislação brasileira é proibido nomear bens públicos e logradouros com homenagens à quem se notabilizou por escravismo e sua defesa é a Lei Nº 12.781, DE 10 DE Janeiro de 2013 que alterou a Lei nº 6.454, de 24 de outubro de 1977:

“Art. 1º É proibido, em todo o território nacional, atribuir nome de pessoa viva ou que tenha se notabilizado pela defesa ou exploração de mão de obra escrava, em qualquer modalidade, a bem público, de qualquer natureza, pertencente à União ou às pessoas jurídicas da administração indireta.”

“Art 3º As proibições constantes desta Lei são aplicáveis às entidades que, a qualquer título, recebam subvenção ou auxílio dos cofres públicos federais.” ( i.e estados e municípios, grifo nosso)

Muitas figuras históricas exploraram mão de obra escravizada, ou defenderam a escravidão, porém não se notabilizaram por isso, não representam apenas e principalmente essa questão, o escravismo não tem centralidade em suas imagens históricas, logo, homenagens baseadas em outros aspectos até podem ser admitidas, daí que é preciso comedimento e racionalidade nas “deposições” históricas.

Minha segunda coluna na Amazônia Real, “A Manaus do quilombola e do bandeirante”, publicação que completou 2 anos justo nessa semana em que escrevo, trata de uma dessas questões. Como é possível uma cidade que homenageia um herói nacional, Zumbi dos Palmares, com o nome em um bairro e um feriado municipal, manter homenagem também à sua antítese?

Um bandeirante notabilizado como apresador de índios, caçador de escravizados fugidos, destruidor de quilombos, entre eles o de Palmares, o que resultou na morte de Zumbi? É um absurdo paradoxo. Aliás, preocupado com a lentidão do processo de alteração do nome da Avenida Domingos Jorge Velho, que homenageia o bandeirante, ação que coadunaria perfeitamente com o momento global, questionei pelo Twitter o Prefeito de Manaus:

Enfim, o racismo está por todos os lados, em eventos chamativos ou as vezes imperceptíveis ao mais bem intencionado “cidadão de bem”, que inclusive pode praticá-lo ou apoiá-lo sem desconfiar da própria mentalidade racista introjetada. Já diz o ideograma japonês “crise é igual oportunidade” a comoção global gerada pela morte de George Floyd, deve ter um sentido, fazer com que a inaceitabilidade do racismo se amplie, ganhe estudo por parte dos que nunca se interessaram verdadeiramente ou mesmo pouco se interessaram, o Brasil é um palco cotidiano de tantos que como George Floyd, também não podem respirar. Vidas negras importam.

A imagem que abre este artigo é de autoria de Yasmin Velloso/Mídia Ninja e mostra manifestantes antifascismo e antirracismo em Brasília no último domingo em 07 de junho.

Juarez Silva Jr. é um ativista, escrevinhador digital e apaixonado pela Amazônia, radicado em Manaus desde 1991. Tem graduação em Processamento de Dados pela Universidade de Taubaté, em São Paulo. Trabalhou e lecionou diretamente na área de tecnologia da informação por duas décadas, migrando para a área de Educação a Distância na qual é especialista pela Universidade Católica de Brasília. Também é Mestre em História pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Atua nos movimentos de negritude e é estudioso da temática e história das relações raciais e cultura afrobrasileira e africana, movimentos sociais e Direitos Humanos. Foi conselheiro estadual de Direitos Humanos e é servidor público de carreira. Escreve sobre tecnologia, história, relações raciais, atualidades, sociedade e cultura.

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Juarez Silva Jr

Juarez Silva Jr. é um ativista, escrevinhador digital e apaixonado pela Amazônia, radicado em Manaus desde 1991. Tem graduação em Processamento de Dados pela Universidade de Taubaté, em São Paulo. Trabalhou e lecionou diretamente na área de tecnologia da informação por duas décadas, migrando para a área de Educação a Distância na qual é especialista pela Universidade Católica de Brasília. Também é Mestre em História pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Atua nos movimentos de negritude e é estudioso da temática e história das relações raciais e cultura afrobrasileira e africana, movimentos sociais e Direitos Humanos. Foi conselheiro estadual de Direitos Humanos e é servidor público de carreira. Escreve sobre tecnologia, história, relações raciais, atualidades, sociedade e cultura.