Renan de Freitas Pinto e suas construções intelectuais sobre a Amazônia: Parte 1

RENAN ALBUQUERQUE O primeiro contato que tive com concepções acadêmico-científicas do prof. Renan de Freitas Pinto foi tardio para mim. Iniciou-se no idos dos anos 2000 e seguiu-se de modo tanto quanto possível aprofundado até estudos regulares no Programa de […]

Por Amazônia Real Publicado em: 06/04/2015 às 14:52

RENAN ALBUQUERQUE

O primeiro contato que tive com concepções acadêmico-científicas do prof. Renan de Freitas Pinto foi tardio para mim. Iniciou-se no idos dos anos 2000 e seguiu-se de modo tanto quanto possível aprofundado até estudos regulares no Programa de Pós-Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia, da Universidade Federal do Amazonas. A meu ver, o sociólogo construiu sua carreira como pensador, fidedigno e ético, sempre a questionar sobreposições, por exemplo, acerca de sua região mater. Ele afirmava, e o faz ainda hoje, dentre demais questões, que o bioma já foi pensado de inúmeras maneiras historicamente – “inferno verde” (Alberto Rangel), “hileia amazônica” (Gastão Cruls), “paraíso perdido”, “eldorado”, entre outras adjetivações – e que agora deve ser significado a partir de uma pós-modernidade atualíssima, por si mesma amazonogênica (1).

A meu ver, Freitas Pinto entende também que adjetivações icônicas do bioma utilizavam parâmetros oscilantes entre um imaginário edênico e infernal. Algumas vezes como fonte da juventude, como lugar privilegiado da diversidade humana, da flora e da fauna; outras vezes como lugar da ausência, da deformação, delírio e angústia. Quase sempre compostas por extremidades e exotismos eram essas definições, segundo consta em papers descritos pelo sociólogo. De acordo com ele, foram, portanto, natureza e imaginário religioso as primeiras bases ordenadoras de discursos classificatórios que naturalizaram a pessoa amazônica, tornaram-na um ser pequeno perante a grandiosidade do ambiente.

Todavia, tem buscado ponderar Freitas Pinto em suas obras, a nominação das coisas, sobretudo do novo mundo, no qual a Amazônia se encontra inserida e construída, estabelece uma invenção e reinvenção sobre o seu sentido e sobre as coisas locais, a partir de uma base discursiva de ideias dentro de uma espécie de antropogeografia do novo mundo, que envolve diferentes campos da ciência, sobretudo as ciências naturais: mineralogia, botânica, zoologia, entre outros. Fez-se necessário, desde sempre – afirma o pensador – catalogar o ambiente estudado e registrar mapeamentos sociais, mas esse não é trabalho nada simples.

O sociólogo chama atenção em suas obras para o fato de que é importante notar discursos contemporâneos sobre o novo mundo e sobre a Amazônia, os quais são simplesmente vindos de fora pra dentro, pois ao se criar formas de classificação sobre o bioma europeus e norte-americanos, sobretudo, utilizam-se de descobertas factuais para repensar conceitos de natureza, Estado e poder. Um dos exemplos que se destaca desse processo, aponta Freitas Pinto, é o conceito de “bom selvagem”, de Rousseau, baseado na ideia de que o humano nasce bom por clivagem e que aos poucos vai sendo corrompido. Os indígenas seriam esse avatar, esse novo modelo de ser.

Conforme o sociólogo, a ciência e os diferentes campos de conhecimento, a um só tempo, não são simplesmente algo dado por meio de uma mão única (da Europa em direção ao “novo mundo”), mas sim via incorporações e interpretações do que fora visto ontem e hoje, vivenciado e relatado, através de cartas, diários, viagens sobre o novo mundo. A noção de pessoa, nesse sentido, segundo aponta Freitas Pinto, passou e continua passando a ser redefinida tendo por contraponto a articulação entre barbárie e civilização, daí a forma romantizada como os nativos são vistos e articulados dentro de teorias que os notam enquanto “bons selvagens”.

O novo mundo e a Amazônia, sugere Freitas Pinto em A Viagem das Ideias, tem o potencial de redefinir até mesmo novos critérios de humanidade, tendo por base debates de cunho conceitual e moral que procuram apreender qual o verdadeiro sentido da pessoa do bioma. Para o sociólogo, conceitos e termos que hoje conhecemos e vemos divulgados na mídia do mundo inteiro, tais como biodiversidade, povos da floresta, sociodiversidade, desenvolvimento sustentável, entre outros, são oriundos desse encontro entre o colonizador e o que aqui, na Amazônia, ele observou – com amplas pretensões de serem definidores de totalidades.

O interessante nessa forma de pensar a Amazônia é que foi estabelecida situação de sobreposição ou divisão entre natureza e cultura, onde a primeira é vista de forma ora idílica, ora infernal. Freitas Pinta chama atenção, partindo do suposto, para populações que tendem a aparecer de forma marginal, quando articuladas a alguma das grandes questões (agrária, trabalhista, migracional, étnica etc.), pouco sendo fonte de estudos privilegiados. Por fim, importa destacar que, para o estudioso, discursos científicos ou pretensamente científicos sobre a Amazônia até hoje não responderam a uma pergunta básica: o que fazer com as populações que historicamente habitam a Amazônia? Daí o fato dos discursos produzidos sobre a região “carregarem consigo conteúdos de imobilismo social e conservadorismo romântico, quando se trata, sobretudo de lidar com a situação e o destino das populações locais” (2).

(1) Neologismo que faz referência ao que é criado ou concebido a partir da pessoa amazônica.

(2) FREITAS PINTO, Ernesto Renan. A Viagem das ideias. In. Estudos Avançados 19 (53) 2005.

* Renan Albuquerque é professor e pesquisador do colegiado de jornalismo da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e desenvolve estudos relacionados a conflitos e impactos socioambientais entre índios waimiri-atroari, sateré-mawé, hixkaryana, junto a atingidos pela barragem de Balbina e com assentados da reforma agrária.

Reportagem Noticiosa

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