Meio Ambiente

Território quilombola do Jambuaçu é afetado após queda de ponte no Pará

Por Moisés Sarraf Publicado em: 26/04/2019 às 02:24

O governador Helder Barbalho sugeriu uso de estrada dentro da comunidade, mas não consultou as lideranças (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)

Belém (PA) – Um desvio pela vicinal dos quilombolas para o acesso de motoristas que partem de Belém em direção ao nordeste do estado do Pará, piorou a vida das comunidades do território do Jambuaçu, no município de Moju. No local, vivem cerca de 700 famílias. Elas temem o aumento da violência e exigem a realização de consulta prévia para o uso da estrada.

A nova rota, que passa por dentro da comunidade quilombola, foi sugerida pelo governador Helder Barbalho (MDB), como alternativa após a queda de um trecho de 200 metros da terceira ponte da Alça Viária, no dia 6 de abril. Um rebocador bateu na estrutura, de 860 metros de comprimento e 23 metros de altura. Não houve feridos. Seis empresas, entre elas, a Biopalma – subsidiária da Vale – foram responsabilizadas pelo acidente, pela Justiça do Pará.

A vicinal Quilombolas, que liga a PA-252 à cidade de Moju, é uma estrada de terra batida que atravessa 17 comunidades remanescentes de quilombos. O grande fluxo de veículos já provocou a queda de duas pontes de madeira, aumentando, em até duas horas, o tempo gasto pelos motoristas, num trecho que antes era concluído em 30 minutos.

“Com certeza vai causar impacto. A nossa estrada não é preparada para isso, não tem asfalto. E fica pior nesse inverno amazônico”, afirma Adimar Júnior, 21 anos, morador da comunidade Santa Luzia do Bom Prazer Poacê, situada às margens da Rodovia dos Quilombolas. “Há um despreparo do quilombo para receber esse tipo de fluxo de carros. Alguns pontos são totalmente alagados. Com o fluxo de carros, piora”.

Vicinal recebe mais populares mudando a rotina na região (Foto: divulgação)

Com início na PA-252, a vicinal dos Quilombolas tem cerca de 32 quilômetros, conectando os municípios de Acará e Moju. Ela é de terra e não possui sinalização. Das 17 comunidades, 15 delas fazem parte do território quilombola Jambuaçu e 14 já são tituladas. A maior parte das famílias vive da agricultura familiar, produzindo culturas como mandioca e seus derivados, além de açaí, pimenta, cupuaçu e cacau, além da pesca. O excedente da produção é vendido em Moju.

Das duas pontes de madeira que desabaram nos últimos dias, a primeira atravessa o igarapé Envirateua, que batiza a comunidade de mesmo nome. Já a segunda, que caiu na manhã de quarta-feira, dia 10, passa sobre o rio Ubá, cerca de 2 quilômetros de Moju.

“Isso se tornou uma total falta de respeito. Em alguns pontos, temos de parar o veículo para esperar o caminhão passar. E, em outros, só tem como passar um carro por vez”, afirma Adimar Júnior.

Segundo ele, nenhum órgão do governo do Pará entrou em contato com as comunidades para prestar esclarecimentos. “Foi uma calamidade pública? Ok. Mas desde muito tempo tem a promessa de ajeitar a estrada e nada. E agora que aconteceu, para quem vai ser consertado? É para os quilombolas?”

Justiça bloqueia bens da Biopalma

O responsável pelo acidente na terceira alça viária da ponte sobre o rio Moju foi o empurrador “ONC II” da balsa “Vó Maria”. Segundo o delegado Arthur Rosário Braga, diretor do agrupamento fluvial, a tripulação do comboio conseguiu escapar com vida do acidente. A balsa transportava “bucha de dendê”, resíduos da produção da Biopalma da Amazônia S.A., subsidiária da Vale, que nega ter contratado o serviço da balsa.

A Justiça do Pará já determinou o bloqueio de R$ 185 milhões da empresa Biopalma e de outras cinco empresas envolvidas no acidente. A pedido do governo do Pará, a decisão visa garantir o restabelecimento do transporte na região. A ponte é uma das quatro que compõem o complexo da alça viária, que interliga a capital Belém ao interior do Pará.

Após o acidente, o Corpo de Bombeiros e a Marinha realizaram buscas de possíveis vítimas, uma vez que testemunhas disseram ter visto dois carros caindo no rio e pessoas pedindo socorro. Mas a Marinha recomendou o fim das buscas, por não ter registros de desaparecidos.

No dia 11 de abril, a Polícia Civil do Pará anunciou a prisão do comandante da balsa “Vó Maria”. Segundo a Capitania dos Portos, a balsa navegava ilegalmente, já que estava com documentação irregular e multa pendente.

O juiz Raimundo Rodrigues Santana, da 5ª Vara da Fazenda Pública de Belém, considerou que a empresa Biopalma da Amazônia não possuía licença específica para emitir nota fiscal, “mas, mesmo assim, vendeu cerca de 1.800 toneladas do subproduto ‘bucha de dendê’ ”. O destinatário era a empresa Jari Celulose, tendo as empresas C.J. da C. Cunha e IC – Bio Fontes Energéticas como intermediárias na transação comercial. O transporte foi contratado junto à Agregue Indústria, Comércio e Transporte de Madeiras, que utilizou o empurrador da Kelly Cardinale.

Para o magistrado, houve “um flagrante dano ambiental” e “um imenso dano patrimonial que a sociedade paraense terá de suportar”. Na decisão, as empresas foram obrigadas a fornecer plano para a “construção imediata de rampas de acesso para carros e carretas no local da ponte”, dentro de 45 dias. No plano está incluído o fornecimento de balsas para a travessia, sem cobrança de qualquer valor. A decisão também obriga que as empresas garantam meios para a travessia no trecho Belém/Arapari, alternativa à alça viária, com uso de balsas sem custos aos passageiros. Em caso de descumprimento das determinações, está prevista multa diária de R$ 200 mil.

Reivindicação antiga dos quilombolas

Na foto, ribeirinho no Rio Acará em um barco. Ao fundo a indústria da Biopalma (Foto: Catarina Barbosa/Amazônia Real)

Em 2017, as comunidades da região criaram o Protocolo de Consulta Prévia Livre e Informada dos Quilombolas do Jambuaçu. O protocolo é uma espécie de passo a passo de como a comunidade deverá ser consultada, com base na resolução 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.

De acordo com o documento formulado pela comunidade, a consulta “deve ocorrer antes de ser pensado quaisquer empreendimento ou atividade que possa alterar, modificar ou perturbar o nosso modo de vida e bem-estar, assim como possam violar e/ou desrespeitar os nossos direitos constitucionais”.

“Antes de nossas estradas serem usadas faz-se necessária a consulta prévia livre e informada, feita dentro de nosso território, onde escute nossas demandas e as decisões sobre isso”, afirma a professora Daiane Ribeiro, 23, que faz parte da comunidade Santa Ana-Axé do Baixo Jambuaçu. Para ela, o “Estado sempre teve dificuldade em pensar uma política que parta do povo, isto é, de dentro para fora”. O protocolo elaborado pela comunidade faz menção a esse histórico.

“Os empreendimentos aceleraram o processo de extermínio de nosso povo desde a década de 1970”, diz o documento, referindo-se a projetos econômicos de empresas como a Vale, a Hydro e a Imerys na região. O protocolo afirma que a população do Jambuaçu não quer que “a exploração e a violação de direitos se repitam”.

A consulta deveria ser realizada com comunicação prévia de, no mínimo, 180 dias e logística garantida (alimentação, transporte e estadia). Além disso deve ser assegurada a manutenção da infraestrutura do território, como pontes, estradas e sinalizações. Só ao final, após a exposição detalhada do projeto, os representantes das comunidades dirão se aceitam ou não o empreendimento e quais as condições necessárias.

Para as famílias quilombolas, o elevado tráfego causará obstáculos ao transporte nas comunidades, já que o escoamento da produção é, muitas vezes, realizado em veículos movidos por tração animal. Outra possível consequência é o “risco de aumento da criminalidade, a gente vai arriscar a vida”, avalia Adimar Júnior, representante da comunidade do Poacê.

A situação torna-se ainda pior, com a precária cobertura de rede de telefonia. “O governo deve sentar com todos os quilombolas de Jambuaçu. Isso é nos respeitar, é respeitar a convenção 169. E, além de tudo, [deve] ser um estado comprometido com o povo, com as causas sociais”, complementa Daiane Ribeiro.

O que dizem as autoridades?

Acidente provocou mancha de óleo no rio Moju (Pedrosa Neto/Amazônia Real)

Por meio de nota, a Secretaria de Transporte (Setran) do Pará comunicou que “vai realizar melhorias nos 55 quilômetros da vicinal quilombola” e “serviços de sinalização vertical e horizontal”.

Perguntada se o governo pretende solicitar consulta prévia sobre o uso da estrada, a secretaria informou que o licenciamento é emitido pela pasta do Meio Ambiente e Sustentabilidade, mas a Setran só executa obras, respeitando a legislação ambiental.

Procurada, a empresa Biopalma informou que “não foi intimada da determinação judicial, mas adotará as medidas adequadas ao caso”. A empresa ressaltou que não é proprietária da balsa e não contratou o serviço.

“A venda de cachos vazios de palma foi realizada na modalidade de frete FOB (free on board), em que o comprador assume a responsabilidade integral pelo transporte da mercadoria”, diz a nota.

“A Biopalma possui licença de operação e faz a destinação ambiental adequada do material e vendeu o produto para terceiros que [o] utilizam na geração de energia através da biomassa.” A empresa afirma que está prestando esclarecimentos às autoridades.

No dia 17 de abril, o governador Helder Barbalho anunciou a construção de uma nova ponte sobre o rio Moju e determinou um prazo de 180 dias para a realização das obras. Um contrato foi assinado com a empresa A. Gaspar S/A, no valor de R$ 104 milhões. No comunicado do governo não houve citação sobre a vicinal dos Quilombolas. (Colaborou Pedrosa Neto)

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Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Moisés Sarraf

Moisés Sarraf atua na cobertura jornalística sobre política, direitos humanos e questões socioambientais na região amazônica. Foi repórter do jornal O Liberal e da revista Amazônia Viva, no Pará, e colaborou com o jornal Folha de São Paulo e Agência Pública. Possui graduação em Comunicação Social pela Universidade Federal do Pará (2011) e mestrado em Comunicação, Cultura e Amazônia pela mesma instituição (2019). Atualmente, é doutorando do Programa de Pós-Graduação em Memória Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), em que desenvolve pesquisa sobre relações étnico-raciais na região do Marajó.

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1 Comentário

Regiana Dos Santos melo disse:

26/04/2019 às 13:31

Muito boa a matéria. Fala da nossa realidade que nos quilombolas estamos vivendo em nosso território, mora também no território de jambuacu nasce me criei lá e moro até hoje. Viver esses transtorno e inadmissível uma vez que temos o protocolo de consulta prévia onde queremos ser ouvidos e de que forma queremos.

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