Três lições de Florestan Fernandes

RENAN ALBUQUERQUE Florestan Fernandes (1), analisando a conjuntura econômica do Brasil das décadas de 1970 e 1980, avaliou que a situação energética do mercado brasileiro podia ser resumida em três elementos: i) preponderância da necessidade de exportação de modelos; ii) […]

Por Amazônia Real Publicado em: 10/03/2014 às 12:24

RENAN ALBUQUERQUE

Florestan Fernandes (1), analisando a conjuntura econômica do Brasil das décadas de 1970 e 1980, avaliou que a situação energética do mercado brasileiro podia ser resumida em três elementos: i) preponderância da necessidade de exportação de modelos; ii) importação de energia como mecanismo de fomento à produção agrícola e iii) dependência exterior para formar e aplicar o excedente econômico.

Ainda hoje, as tendências têm confinado o planejamento energético do país a padrões externos ao Brasil, sem que uma terceira possa ser implantada na Amazônia e em moldes amazônicos, ou mesmo sem que planos de ação para a geração de energia integrem regiões rurais e ribeirinhas, distantes de grandes cidades, e sirvam como elo entre poder público e moradores de rincões florestais.

A não ser o projeto Luz Para Todos (com os vieses possíveis), o processo de elevação do potencial energético no país quase nunca teve como meta produzir a integração das economias centrais às áreas afastadas. Importou mais, ao longo dos tempos, manter a independência das cidades em relação à zona rural, entretanto de todas as formas retirando recursos naturais dos ambientes não urbanos, seguindo a marcha do desenvolvimentismo.

O que tem sido observado no primeiro triênio de 2014 é a manutenção do mesmo ritmo de trabalho, no qual se enfatiza apenas a elevação na taxa de produção energética brasileira na Amazônia a qualquer maneira, ampliando a matriz hidrelétrica e deixando de identificar melhores saídas para a crise de abastecimento que se avizinhava em 2013 e foi confirmada em janeiro/fevereiro e março de 2014.

Enquanto isso, a existência de populações tradicionais e a avaliação dos impactos sociais a elas, a retirada dos moradores, a mensuração financeira das compensações pelos deslocamentos e a execução da mitigação possível referente aos casos negativos relacionados a esses deslocamentos, não tem sido analisadas de modo profundo porque representam custos elevados aos investimentos e estendem o tempo do retorno financeiro.

Em relação à perspectiva que Florestan Fernandes apontava em tempos passados, nota-se que a invisibilidade das pessoas se mantêm manifesta pesadamente em decorrência de transações político-econômicas brasileiras, e hoje não há mudanças significativas acerca da questão. O cenário é avassalador: a intransigência do Estado não foi amenizada.

Por meio da força, o que há de humano na relação com o ambiente tem declinado e o referencial formado pela sociedade em relação a árvores, água, animais, locais de roçado, de queima, de coleta de frutos, entre outros, decaiu a níveis drásticos. A mudança na paisagem tem afetado não apenas a visão, mas também o tato, com modificação de referenciais físicos; a audição, pela alteração na fauna e flora e os respectivos aspectos sonoros desse conjunto de animais e plantas.

Por fim, cabe ressaltar que Florestan Fernandes foi muito preciso ao indicar que mesmo a dieta alimentar seria modificada com o passar do tempo em função do desenvolvimentismo. Hoje, devido a mortandade de peixes e a alagação de áreas cultiváveis, a projeção foi consolidada. Os sentidos de povos tradicionais estão passando por provações observadas dia após dia, em razão do planejamento energético nacional.

(1) FERNANDES, Florestan. Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina. 3. ed. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1981. 157p.

Reportagem Noticiosa

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