Usina de Balbina – Efeitos das cheias nas comunidades ribeirinhas

RENAN ALBUQUERQUE “Quando eles abriram as comportas em 1989, aí meu filho foi um caos, apodreceu o mundo, deu tudo […]. Antes num tinha carapanã, não tinha nada, era todo mundo saudável, comida com fartura à vontade. A gente andava […]

Por Amazônia Real Publicado em: 12/05/2014 às 12:25

RENAN ALBUQUERQUE

“Quando eles abriram as comportas em 1989, aí meu filho foi um caos, apodreceu o mundo, deu tudo […]. Antes num tinha carapanã, não tinha nada, era todo mundo saudável, comida com fartura à vontade. A gente andava nas canoas e não precisava pescar não. Sabe quando alaga a canoa? E aí quando ia desalagar tinha dois, três peixes. Fazia assim com farelinho de comida, de farinha, os peixes pulavam e caíam dentro da canoa e a gente nem precisava pescar. A gente conta isso hoje o pessoal pensa que é mentira”⁽¹⁾.

O depoimento foi coletado por mim, na época da mais recente grande cheia que assolou moradores que vivem no entorno da Usina Hidrelétrica de Balbina. Passei cerca de um ano, entre idas e vindas, morando às margens da represa, a jusante. O impressionante notado foi o fato de que, além da mortandade de peixes originada pela grande concentração de material pútrido depositado no fundo do lago e no entorno da UHE, em função da alta no volume das águas houve fuga em massa de grande parte da fauna na área de influência da hidrelétrica de Balbina, o que contribuiu para a redução na disponibilidade de alimentos à população, ocasionando problemas de anemia e desnutrição crônica entre os atingidos por barragem.

Voltando um pouco no tempo – para se ter noção da ordem de grandeza das populações de animais silvestres afetadas em grandes barragens que alagam florestas primárias, como foi o caso de Balbina – notem-se os números da operação de resgate em Tucuruí I (PA), cuja área alagada é similar à do distrito de Balbina. Naquela ocasião, na primeira abertura das comportas do represamento, foram resgatados, pela operação Curupira, cerca de 280 mil animais, entre os quais 28,7 mil preguiças, 11,9 preguiças-reais, 9,7 mil tatus, 9,3 mil porcos-espinho, 5,8 mil cotias, 3,7 mil tamanduás-mirim, 19,5 mil macacos guariba, 2,5 mil macacos prego, 48,6 mil jabutis e 20,9 mil iguanas, entre outros.

Em Balbina, em similar situação, menos de 10% desse montante foi resgatado com vida na enchente primordial – não na que ocorreu em 2009. Foram 26 mil animais, 70% a montante e 30% a jusante, e só. Não houve registro por espécies coletadas e transferidas da região para outra localidade do Uatumã, conforme decreto-lei n° 086/2002. Na subida das águas de 2009, a operação dessa natureza foi bastante tímida, não teve ampla divulgação e nem quantidade suficiente de profissionais e equipamentos disponíveis.

Dividindo a biomassa total dos mamíferos resgatados em Tucuruí pela área alagada, são obtidos aproximadamente 150 kg de mamíferos por km², valor inferior ao calculado para florestas tropicais. Portanto, mesmo considerando os números da Operação Curupira, apenas parcela dos mamíferos da área foi resgatada. Em Balbina, o número de animais capturados na operação de resgate foi dez vezes menor do que em Tucuruí, não porque necessariamente lá houvesse menos animais, mas sim porque dificuldades de se locomover em barco em um lago com as características de Balbina foram grandes e o governo liberou recursos ínfimos, muito reduzidos, para possibilitar trabalho digno nesse sentido.

A problemática deve ser abordada no intuito de se chamar atenção ao Ramal da Morena, que hoje ainda é um local acessível, ao largo do rio Uatumã, abaixo da barragem. Mas está se transformando em uma área de risco, que oferece um concreto estado de ansiedade constante aos amazônidas que ali vivem e trabalham para seu sustento desde 1990. O motivo são as constantes cheias que vem sendo verificadas ano após ano, sobretudo na década de 2000. A concentração de gases de efeito estufa (GEEs) na atmosfera contribui para isso, mas a falta de planejamento para melhorar as condições de vida da população do lugar também é um grande viés do problema.

Seria preciso um diálogo entre Amazonas Energia, Prefeitura de Presidente Figueiredo e Governo do Estado para que se avaliasse a situação dos moradores daquele espaço e providências fossem tomadas. Principalmente porque mais um período de elevação dos leitos dos rios se aproxima, e com velocidade brutal. Há expectativas negativas de que mais problemas sejam observados. Portanto, é hora de agir.

(1). S.P.S, 52 anos, ribeirinha, comunidade do km 23 do ramal da Morena, pesquisa de campo.

Renan Albuquerque é professor e pesquisador do colegiado de jornalismo da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e desenvolve estudos relacionados a conflitos e impactos socioambientais entre índios waimiri-atroari, sateré-mawé, hixkaryana, junto a atingidos pela barragem de Balbina e com assentados da reforma agrária.

Reportagem Noticiosa

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