Meio Ambiente

Lama vermelha da Hydro também contaminou mananciais em Abaetetuba, diz IEC

A fotografia acima é do rio Murucupi, em Barcarena, que tem as águas impróprias para o consumo humano por causa da contaminação de chumbo, mercúrio, alumínio, entre outras substâncias (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real) Belém (PA) – O Instituto Evandro […]

O rio Murucupi visto a partir da comunidade quilombola Sítio São João (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)

Por Catarina Barbosa Publicado em: 29/03/2018 às 20:01

A fotografia acima é do rio Murucupi, em Barcarena, que tem as águas impróprias para o consumo humano por causa da contaminação de chumbo, mercúrio, alumínio, entre outras substâncias (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)

Belém (PA) – O Instituto Evandro Chagas (IEC), instituição ligada ao Ministério da Saúde, divulgou na quarta-feira (28) em coletiva à imprensa em Belém, um segundo relatório técnico denominado “Avaliação Preliminar dos Impactos Ambientais Referente ao Transbordo e Lançamentos Irregulares de Efluentes de Lama Vermelha na Cidade de Barcarena, estado do Pará”. O documento afirma que o transbordo e lançamentos irregulares de efluentes de lama vermelha da mineradora norueguesa Hydro Alunorte, desastre ambiental que aconteceu em fevereiro, contaminaram também com metais tóxicos águas superficiais dos rios e igarapés que margeiam comunidades ribeirinhas do município de Abaetetuba, no nordeste do Pará. Os níveis de substâncias como arsênio, chumbo, mercúrio, cobalto, urânio, alumínio e cobre encontrados na água estão acima dos aceitáveis à saúde humana pela resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).

Com a água imprópria para o consumo humano, conforme o relatório do IEC, a mineradora Hydro terá que disponibilizar por tempo indeterminado água potável às comunidades que residem nos municípios de Barcarena e Abaetetuba às margens dos rios Pará, Arapiranga, Guajará do Beja, Arienga e Tauá, além dos igarapés Dendê e Curuperê. Abaetetuba tem uma população de 153.380 pessoas, segundo o IBGE (dados de 2017). A prefeitura municipal ainda não se posicionou sobre a contaminação dos mananciais.

O relatório técnico do Instituto Evandro Chagas aponta ainda que os mesmos elementos tóxicos (alumínio, ferro, arsênio, cobre, mercúrio e chumbo) encontrados nos efluentes da mineradora Hydro também são encontrados nas águas do rio Murucupi, que banha Barcarena. Em razão da contaminação, o manancial não deve ser usado para o abastecimento hídrico, recreação ou pesca até que se façam estudos de eco toxicidade na região. Barcarena tem uma população de 121.190 pessoas. As comunidades mais atingidas são Bom Futuro, Jardim dos Cabanos, Burajuba e Vila Nova.

“No rio Murucupi níveis de elementos tóxicos nas águas superficiais estão acima dos níveis aceitáveis pela resolução Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) no. 357/2005), diz o laudo do IEC.

No primeiro relatório técnico, realizado após vistoria no dia 18 de fevereiro na mineradora, o Instituto Evandro Chagas disse que a contaminação dos mananciais em Barcarena ocorreu a partir do transbordamento e/ou rompimento da bacia de deposição de resíduos sólidos DRS1, entre os dias 16 e 17 daquele mês. O município foi atingido por fortes chuvas, mas a empresa disse, na ocasião, que houve drenagem para o sistema de tratamento.

“Na DRS1 foi observado que uma das bacias de resíduos havia recentemente transbordado, pois as lonas se encontravam com resíduos de lama vermelha em toda sua extensão. Este indício foi questionado a empresa que não confirmou o transbordamento e também não apresentou explicação técnica plausível do ocorrido. Ressaltando que a empresa não mostrou o outro lado dessa bacia,” constatou o laudo assinado por Marcelo de Oliveira Lima, pesquisador em Saúde Pública Seção de Meio Ambiente do IEC, e pelo diretor do instituto, Fernando Tobias Silveira.

No mesmo laudo de fevereiro, o IEC diz que na vistoria à bacia DRS2 houve restrição de acesso por porte da mineradora. “Na DRS2 in loco não foram observadas anomalias nas áreas que a empresa permitiu visitar. Nesta as mantas de impermeabilização aparentemente pareciam íntegras e o escoamento dos efluentes ocorria normalmente por duto e/ou canais”.

No segundo relatório técnico “Avaliação Preliminar dos Impactos Ambientais Referente ao Transbordo e Lançamentos Irregulares de Efluentes de Lama Vermelha na Cidade de Barcarena, no estado do Pará”, o IEC trouxe resultado das análises de amostras de águas superficiais coletadas entre os dias 25 de fevereiro e 08 de março.

O IEC diz no documento que além do transbordamento de rejeitos da produção de bauxita, “na bacia DRS1 foi constatado lançamento de resíduos de cinzas (das caldeiras) com níveis de metais tóxicos (arsênico, chumbo, níquel, cromo, mercúrio, entre outros) sem tratamento e que representam um risco de danos aos ecossistemas aquáticos e a saúde humana. Ressaltando que os níveis de outros metais como alumínio, ferro e cobre são também elevados em efluentes de lama vermelha”, disse o laudo. O despejo irregular de água que passava por essas caldeiras foi detectado no dia 17 de março pela Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Pará (Semas). Esse foi o último ponto de despejo clandestino encontrado e assumido pela empresa até o momento.

Hydro nega o vazamento

A mineradora Hydro Alunorte, que tem parte do capital do governo da Noruega, continua negando que houve o vazamento da bacia de rejeitos DRS1 entre os dias 16 e 17 de fevereiro. A empresa afirma que aguarda uma análise interna e outra independente, conduzida pela consultoria ambiental SGW, para esclarecer todos os fatos relevantes em torno dos descartes de águas da chuva e águas superficiais da área da refinaria de alumina. As conclusões dessas análises serão apresentadas em 9 de abril.

“Após as fortes chuvas em fevereiro, as inspeções conduzidas por várias autoridades locais, estaduais e federais, incluindo Ibama e Semas, confirmaram a integridade dos depósitos de resíduo de bauxita da Alunorte e que não há evidência de vazamento ou transbordo. Isso foi confirmado, mais uma vez, por autoridades competentes em uma sessão no Congresso Nacional, em Brasília, no dia 15 de março”, disse a empresa por meio de nota.

A mineradora foi penalizada pela Justiça do Pará, que determinou a paralisação de 50% da produção de alumínio da refinaria Hydro Alunorte. O Ibama aplicou no dia 28 de fevereiro dois autos de infração à Hydro. “Foram aplicados R$ 10 milhões por realizar atividade potencialmente poluidora sem licença válida da autoridade ambiental competente e R$ 10 milhões por operar tubulação de drenagem também sem licença.”

Em resposta à reportagem nesta quinta-feira (29), o Ibama disse que aguardava a apresentação de laudo conclusivo do Instituto Evandro Chagas (IEC) para avaliar a aplicação de outras sanções administrativas de forma supletiva, por se tratar de licenciamento estadual. “O teor do documento e as providências a serem adotadas serão discutidas em reunião do Comitê de Gestão e Avaliação de Respostas à Contaminação Ambiental no Município de Barcarena (PA), na próxima segunda-feira (02/04)”, disse a nota do Ibama.

À direita a bacia de rejeitos DRS1 da Hydro Alunorte (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)

Para o pesquisador em Saúde Pública da Seção de Meio Ambiente do Instituto Evandro Chagas, Marcelo Oliveira Lima os dois laudos confirmam o transbordamento da bacia DRS1 em fevereiro. “O volume de água do Rio Pará é muito grande, então é necessário um lançamento muito grande de efluentes para alterar esses parâmetros. Logo, houve sim transbordamento e, além disso, há fissuras em tubos de cimentos antigos onde passam efluentes da DRS1 e neles são encontrados metais tóxicos como urânio e até prata”, alertou o pesquisador.

Durante a coletiva em Belém, Marcelo Oliveira Lima afirmou que não existe lançamento controlado de efluentes não tratados no meio ambiente, como anunciou a mineradora Hydro no dia 12 de março, após ter sido detectado o segundo despejo irregular na empresa. Na ocasião, o presidente e CEO da Hydro Svein Richard Brandtzaeg tentou desqualificar o estudo do Instituto Evandro Chagas: “em primeiro lugar, é importante enfatizar que não temos indícios de vazamento ou transbordamento de nossas áreas de depósito de resíduos de bauxita. Liberamos a água de chuva da área da fábrica. O lançamento foi feito como uma medida controlada, que comunicamos à Semas, o órgão ambiental estadual”, disse.

Marcelo Oliveira Lima contestou. “Não existe lançamento de efluentes, numa dimensão dessas, controlado. Foram encontrados canais com seis metros de largura, admitidos pela empresa, nos quais nós não sabemos o volume do que foi despejado. Quando você joga efluentes não tratados fica caracterizado o crime ambiental. A empresa precisa ter um sistema que proteja a vida da população”, afirmou o pesquisador.

A Hydro também afirmou que usava o canal velho (confirmado como irregular) para descarregar água da chuva com PH tratado. Marcelo Lima garante que a análise de PH da água é insuficiente para atestar a segurança dos efluentes despejados no Rio Pará. “Não se pode monitorar só controlando o PH, porque esse tipo de análise não mostra as características físico-químicas da água. É insuficiente”, assegurou o pesquisador do IEC.

Doenças nas populações

Moradores mostram remédios que tomam após a contaminação da água na comunidade de Burajuba (Foto Pedrosa Neto/Amazônia Real)

Lago contaminado Dona Maria, em Barcarena (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)

Até esta quarta-feira (28), apenas três comunidades estavam recebendo água potável distribuída pela mineradora Hydro Alunorte: Burajuba, Vila Nova e Bom Futuro. Com o laudo, o Instituto Evandro Chagas apontou que estão com o abastecimento comprometido pela contaminação de metais tóxicos comunidades de Barcarena e Abaetetuba. Os municípios ainda não divulgaram o total da população afetada pelo desastre ambiental. Falta também transparência do poder público sobre o número de pessoas atendidas nos hospitais com problemas de saúde referente a contaminação da água.

Segundo o médico Marcos Mota Miranda, pesquisador em Saúde Pública da Seção de Meio Ambiente do IEC, o fornecimento de água portável para as comunidades será por tempo indeterminado. “É importante assegurar esse direito à população até que os estudos ambientais assegurem níveis aceitáveis na água, que não comprometam a saúde das pessoas”, disse.

Entre os sintomas de doenças relatados pelas pessoas em Barcarena após o transbordamento estavam: coceira no corpo, dores abdominais e diarreia. Miranda afirma que todos são fruto da exposição aos metais. “A população teve acesso a um conjunto de metais extremamente concentrado. Então, o desconforto abdominal e a diarreia são sintomas desse quadro. A pele sofre muita agressão devido à exposição a metais pesados, o que justifica a coceira. A exposição rápida e intensa também pode elevar a pressão arterial e comprometer o sistema nervoso central”, detalha.

Os mais prejudicados com a exposição excessiva dos metais são as crianças e os idosos, segundo o pesquisador. Além dos sintomas citados, a exposição a longo prazo pode ocasionar danos ao sistema neurológico, pulmonar e comprometimento dos rins. “Os níveis constatados estão muito acima do que permite a nossa legislação e a Organização Mundial de Saúde (OMS), enquanto os níveis estiverem elevados as pessoas correm riscos e precisam receber água potável”, reforça.

O laudo do IEC pontua ainda que não foi possível confirmar alterações na qualidade das águas em outras áreas da região do nordeste do Pará. Abaetetuba, por exemplo, fica distante a 46 quilômetros de Barcarena. Ou seja, podem ter mais comunidades atingidas pelo crime ambiental.

“Prejuízos ambientais são maiores”

Lama vermelha na sede da Hydro em 18 de favereiro, em Barcarena ( Foto: IEC)

A reportagem da agência Amazônia Real fez uma entrevista exclusiva com o pesquisador Marcelo Oliveira Lima, do Instituto Evandro Chagas, que está à frente do estudo “Avaliação Preliminar dos Impactos Ambientais Referente ao Transbordo e Lançamentos Irregulares de Efluentes de Lama Vermelha na Cidade de Barcarena, estado do Pará”. O estudo foi solicitado pelos Ministério Público Federal (MPF) e Ministério Público Estadual (MPE).

Segundo consta essa foi a primeira vez em que foram encontrados níveis tão elevados de metais na água de Barcarena. O pesquisador em Saúde Pública, explica que há um estudo de acompanhamento da água do Rio Pará. “Temos análises de 2009, 2010, 2014, 2015, 2016 e nunca foi encontrado níveis tão altos de metais na água como agora. Isso precisa de cautela, ou seja, precisamos proteger a vida das pessoas”, afirma.

Nas próximas duas semanas, o IEC vai apresentar um novo relatório que vai detalhar os metais presentes nos efluentes de cinza. “Existem montanhas de cinzas em cima da DRS1. Efluentes que ainda não conseguimos caracterizar em sua totalidade. Os prejuízos ambientais são maiores do que imaginávamos, mas ainda assim não podemos dimensionar a gravidade total da situação”, afirma.

Apesar dos alertas feitos com base nas análise do IEC, a Hydro apresentou dados que colocaram em cheque o estudo desenvolvido pelo IEC. Com isso, Lima traz um alerta para a sociedade brasileira no que diz respeito a regulamentação que autoriza a atividade de empresas de mineração no país e também para a permissão do auto monitoramento. No mais, ele reforça a credibilidade do IEC.

“Nós estamos tranquilos. Nossos resultados passam por um rigoroso controle de qualidade. Nossos resultados têm parâmetros que nós fazemos há anos, que são controles laboratoriais que mostram que as nossas análises são verdadeiras. A empresa tentar descaracterizar faz parte do jogo da empresa. Mas tenho absoluta tranquilidade de que os nossos dados estão corretos, com metodologias concretas e que isso para refutar tem que se discutir o que está se fazendo. Agora é engraçado que nós que somos o setor público, que estamos monitorando é que temos que dar explicações. Porque a empresa não mostra os seus dados de efluentes, os dados de matais? Acho que isso faz parte de um grande jogo. Se tenta descaracterizar dados que foram efetivamente obtidos com bastante rigor. Daqui por diante tem que se rediscutir o que essas empresas têm que apresentar, métodos também extremamente rigorosos”, diz.

O pesquisador Marcelo Lima (de blusa com mangas compridas) durante audiência pública em Barcarena(Fotos: Pedrosa Neto/Amazônia Real)

Marcelo lembra ainda que até o pedido de desculpas feito pela Hydro foi feito na Noruega. “Foi um passo, mas devemos nos questionar. Será que só a empresa precisa pedir desculpas? Quem está por trás da empresa? Quem são os acionários? A população tem uma empresa que atua, que realiza procedimento irregulares expondo a população. Então a sociedade tem que se perguntar até quanto vale isso, quanto vale expor populações? Quanto vale expor pessoas? Será que desculpa do presidente da Hydro vale? E a desculpa, diga-se de passagem não foi feita nem no Brasil foi feita na Noruega, para acionistas”.

Ele esclarece que cabe aos ministérios públicos recomendar ações para a empresa, mas pontua que a Hydro deveria repensar o seu modo de produção. “Uma coisa é certa. Se você não consegue tratar os seus efluentes e começa a usar canais clandestinos é porque você não tem capacidade para aquela produção. Então aquela produção pode ser irreal para a sua capacidade efetiva de tratamento, porque senão você não usaria canais para despejar efluentes não tratados”, garante.

Além do fornecimento de água potável para comunidade de Barcarena e Abaetetuba, o relatório do IEC recomenda que as águas devem ser biomonitoradas e conter dados completos com análises de metais como previsto na legislação brasileira. “É preciso proteger a saúde da população e os mananciais da região. Deveria ter um estudo de eco toxicidade. Por que não ocorre? Um monitoramento com níveis de metais, um sistema telemétrico. A Secretaria Estadual do Meio ambiente do Pará se não monitora transfere o problema para a população”, finaliza Marcelo Oliveira Lima.

Esta reportagem faz parte do projeto “Olhando por dentro da floresta”, da Amazônia Real em parceria com Aliança pelo Clima e pelo Uso da Terra (CLUA).

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Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Catarina Barbosa

Catarina Barbosa é jornalista formada pela Universidade da Amazônia e cobre meio ambiente e violações aos direitos humanos desde 2014. Em 2017, recebeu o Prêmio INEP de Jornalismo pela reportagem da série "Ensino (abaixo do) médio", que abordou a evasão escolar no estado do Pará. Em 2019, conquistou o 41º Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, na categoria multimídia, com a série "Sem Direitos: o rosto da exclusão social no Brasil", trabalho realizado em parceria com as mídias digitais independentes Amazônia Real, #Colabora e Ponte Jornalismo. Em 2023, recebeu uma menção honrosa no 45º Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, na categoria texto, pela reportagem "Os defensores não defendidos". Seu foco é a cobertura de conflitos na Amazônia, abrangendo tanto questões ambientais, como desmatamento e poluição, quanto conflitos de terras e violações de direitos das populações tradicionais provocados por grandes empreendimentos ou por ações do estado brasileiro. ([email protected])