Meio Ambiente

Ministério da Saúde e ICMBio formam força-tarefa para investigar raiva humana na Resex Rio Unini

Jovens ribeirinhos morreram vítimas da doença letal e um garoto continua em estado grave. Todos foram mordidos por morcegos silvestres. (Foto de Débora Menezes) O Ministério da Saúde e Instituto Chico Mendes da Conservação da Biodiversidade (ICMBio), ligado à […]

Comunidade Patauá na Resex Unini (Foto cedida à Amazônia Real por Débora Menezes)

Por Kátia Brasil Publicado em: 05/12/2017 às 17:37

Jovens ribeirinhos morreram vítimas da doença letal e um garoto continua em estado grave. Todos foram mordidos por morcegos silvestres. (Foto de Débora Menezes)

O Ministério da Saúde e Instituto Chico Mendes da Conservação da Biodiversidade (ICMBio), ligado à pasta do Meio Ambiente, anunciaram nesta terça-feira (5) que uma força-tarefa foi formada para investigar os casos de raiva humana e um possível desequilíbrio ambiental que esteja provocando os ataques de morcegos aos moradores das comunidades tradicionais da Reserva Extrativista Rio Unini, em Barcelos, distante a 405 quilômetros de Manaus, no norte do Amazonas.

Nas duas últimas semanas, dois filhos do fundador da reserva, o extrativista Levi Castro da Silva: um menino de 17 anos, e uma menina de 10, morreram vítimas do vírus da raiva humana transmitida por morcegos hematófagos, que se alimentam de sangue. Mais um filho da liderança, um garoto de 14 anos, está internado em estado grave no hospital da Fundação de Medicina Tropical, em Manaus.

Toda família Silva, incluindo Levi, a esposa Débora e o quarto filho do casal, foi mordida por morcegos por mais de dez vezes na Comunidade Tapiira, que fica distante a 36 horas de viagem de barco de Barcelos, na margem direita do Rio Unini, afluente do Rio Negro. À época dos ataques, que na maioria dos casos aconteceu enquanto as pessoas dormiam em redes, a família não recebeu a vacinação antirrábica. Os ataques acontecem com mais intensidade desde o ano de 2016.

O Ministério Público Federal do Amazonas abriu inquérito civil para apurar se foi garantido aos povos tradicionais ribeirinhos o acesso à atenção integral à saúde municipal, estadual e federal. Uma equipe da Gerência de Zoonose da Fundação de Vigilância em Saúde (FVS) do Amazonas, ligada ao Governo do Amazonas, recomendou em outubro de 2016 a vacinação dos moradores das comunidades, mas a medida não foi atendida pelas autoridades de saúde municipal e estadual.

Em nota oficial enviada à agência Amazônia Real, o Ministério da Saúde disse que a força-tarefa vai investigar as causas relacionadas aos ataques dos morcegos com a raiva humana na Resex Rio Unini. A equipe conta com profissionais do Instituto Evandro Chagas (IEC), do laboratório de Referência Nacional para o diagnóstico de raiva, do Instituto Pasteur de São Paulo, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e do Instituto de Biociências da Unesp.

“Toda agressão por morcegos hematófagos em humanos, se não ocorrem de maneira acidental (como a manipulação indevida), deve ter uma causa ambiental associada, já que o ser humano não é parte da cadeia de alimentação desses animais. Assim, deve-se sempre trabalhar junto à população no sentido de alertar que agressões por morcegos hematófagos não deve ser tratada como algo comum ou corriqueiro”, diz o MS.

Resex Unini (Foto: Steve McCool-Universidade de Montana cedida à Amazônia Real)

O ICMBio é o órgão do Ministério do Meio Ambiente responsável pela gestão da Resex Rio Unini, no Amazonas. Na reserva, fundada em 2006, existem nove comunidades tradicionais em atividade, onde moram cerca de 280 famílias. Segundo o instituto, “mesmo localizada na região do entorno da reserva (na margem direita do Parque Nacional do Jaú), a comunidade Tapiira é considerada parte da Resex Rio Unini pelo ICMBio. Os moradores são beneficiários das políticas públicas”, diz.

Também em nota oficial enviada à reportagem, o ICMBio primeiro se solidarizou com a família do líder extrativista Levi Castro da Silva. “O ICMBio lamenta as mortes dos irmãos Miriã dos Santos Silva e Lucas dos Santos Silva, residentes da Reserva Extrativista (Resex) Rio Unini, e se solidariza com sua família”, disse a direção do instituto, em Brasília.

O ICMBio destacou, que ainda em 2016, junto com a Associação de Moradores do Rio Unini (Amoru), informou às autoridades de saúde locais sobre a situação alarmante dos ataques de morcegos aos moradores das comunidades.

Segundo o Instituto Chico Mendes, diante da ocorrência de inúmeros episódios de ataques de morcegos na Resex Rio Unini e no Parque Nacional do Jaú, o órgão está dando apoio logístico à prefeitura do município de Barcelos e à Fundação de Vigilância em Saúde (FVS), ligada a Secretaria de Estado da Saúde do Amazonas (Susam), na operação de vacinação antirrábica nas nove comunidades extrativistas da reserva, e às autoridades de saúde que estão desenvolvendo outros protocolos de vigilância epidemiológica e ambiental nestas áreas, visando o controle da doença.

O ICMBio diz que as dez comunidades são beneficiadas pelas políticas públicas da Resex Rio Unini.

Como publicado pela agência Amazônia Real, os filhos do extrativista Levi Castro da Silva começaram a adoecer no mês de novembro. Lucas, de 17 anos, sentiu os primeiros sintomas da encefalite viral causada pela raiva humana, no dia 9 de novembro. O pai disse que o menino foi mordido por mais de dez vezes por morcegos. Levado ao hospital em Barcelos, “o rapaz continuou a piorar”, disse a liderança. Ele não chegou a ser internado em um leito do no Pronto-Socorro 28 de Agosto, em Manaus. Morreu no dia 16 de novembro em uma maca, contou o pai.

Na mesma semana, a filha mais nova de Levi, Miriã, de 10 anos, apresentou dores abdominais. Ela passou por uma cirurgia de emergência para retirada de apêndice no hospital público de Barcelos. O quadro continuou a se agravar. Na sexta-feira (17), a menina foi transferida de avião para Manaus.

Internada no hospital da Fundação de Medicina Tropical (FMT), Miriã foi submetida ao tratamento pelo Protocolo de Milwaukee, indicado pelo Ministério da Saúde, para casos de raiva humana com a medicação Biopterina e Amantadina.

O diretor-presidente da Fundação de Vigilância em Saúde, médico Bernardino Albuquerque disse que o protocolo “não é um tratamento que a gente pode confiar totalmente, até porque depende da capacidade de reação de cada paciente. É uma situação que ainda não nos torna creditados a botar em rotina. A situação dela era gravíssima”.

A menina morreu no sábado, 2 de dezembro. “A paciente apresentou pela manhã instabilidade hemodinâmica, com parada cardiorrespiratória não responsiva à reanimação”, disse nota da Susam.

Ainda em entrevista à Amazônia Real, o pai da menina, Levi Castro da Silva disse que ela “amanhecia quase todos os dias amarela e encharcada de sangue devido às mordidas”.

“Foram mais de 20 (mordidas). Era no cotovelo, nas mãos, nos dedos dos pés. Os sintomas da doença demoraram. Eles surgiram na mesma semana que apareceram no Lucas”, contou ele.

No mesmo dia da morte de Miriã, outro filho de Levi foi internado com sintomas de encefalite viral por causa da raiva humana. Mateus, de 14 anos, foi vacinado após a morte do irmão Lucas. O menino está em tratamento pelo Protocolo de Milwaukee no hospital da FMT. Segundo o boletim médico desta terça-feira (5), Mateus está em coma induzido na UTI e seu quadro de saúde é considerado grave.

Questionado pela reportagem sobre a falta de vacinação dos moradores da Resex Rio Unini, o diretor-presidente da FVS, Bernardino Albuquerque disse que equipe da Susam continua em campo fazendo a cobertura de vacinação da região. Ele levantou a questão do desequilíbrio ambiental como motivo para os ataques de morcegos.

“A situação de controle é difícil, esses morcegos são contaminados em áreas silvestres. São morcegos que se alimentam de sangue. A medida que tem desmatamento, a seca ou outros fatores que causam diminuição da fonte alimentar desses morcegos dentro do ambiente silvestre, eles começam a buscar o homem para se alimentar. Mas é preciso estudos maiores para que se possa ter uma clareza maior”, disso o médico.

Descaso e negligência?

Comunidade Tapiira, banhada pelo Rio Unini (Foto de Rosângela Jesus/ Facebook da Resex Unini)

O Ministério da Saúde diz que a raiva é uma grave doença infecciosa causada pelo vírus do gênero Lyssavirus, da família Rhabdoviridae, que leva ao óbito praticamente 100% dos pacientes contaminados. Desde o século 19, porém, já existe vacina contra a raiva, sendo ela bastante efetiva em impedir o avanço da doença, caso administrada em tempo hábil.

A doença é transmitida ao homem pela inoculação do vírus presente na saliva e secreções do animal infectado, principalmente pela mordedura, como cães, gatos e, nas áreas rurais, por morcegos e macacos. O vírus provoca a encefalite viral com sintomas como dor de cabeça intensa, vômitos e desconforto gastrointestinal. Para pessoa atacadas por animais infectados é recomendada aplicação da vacina antirrábica e o soro antirrábico, diz o MS.

Perguntado sobre o motivo da Fundação de Vigilância em Saúde (FVS), do governo do Amazonas, não ter atendido as solicitações de vacinação antirrábica dos moradores da Resex Rio Unini e a recomendação da Gerência de Zoonose em 2016, o diretor-presidente Bernardino Albuquerque disse que encaminhou o caso à Secretaria Municipal de Barcelos. A vacinação poderia evitar a evolução da raiva humana. “A competência das vacinações em campo é municipal”, disse.

O diretor da FVS revelou “no nosso sistema de informação não há registro de nenhuma agressão de morcego em 2016. Esse registro deveria do município.”

Questionou se acompanhou a ação da Secretaria Municipal de Barcelos, Bernardino Albuquerque disse que “soubemos (que as equipes de vacinação) foram em três comunidades e deixaram de ir nas demais porque não houve disponibilização de combustível”, disse o diretor-presidente a FVS.

A reportagem não localizou o prefeito do município de Barcelos, Edson de Paula Rodrigues Mendes (PSB) para falar sobre as declarações do diretor-presidente da FVS com relação a vacinação antirrábica no ano passado na Resex Rio Unini.

Nesta segunda-feira (4), o Ministério da Saúde disse à Amazônia Real, que acompanha os casos de raiva humana nas comunidades do Rio Unini, em Barcelos, no Amazonas, desde o dia 19 de novembro, quando foi comunicado oficialmente pela Secretaria de Estado da Saúde do Amazonas (Susam) sobre a morte de Lucas Silva e da internação da irmã dele Miriã, com sinais e sintomas parecidos de raiva humana.

“Na época foram enviadas, em caráter suplementar, 700 frascos de soro antirrábico humano. As condutas adotadas e as orientações prestadas pelo estado estão consonantes com as recomendações dadas pelo Ministério da Saúde, e, desde a notificação dos casos, vem realizando as atividades de profilaxia voltadas às populações expostas e reforçando a vacinação de cães e gatos das comunidades do Rio Unini”, disse o MS em nota.

O Ministério da Saúde diz que o Amazonas não registrava casos de raiva humana desde o ano de 2002 quando ocorreram dois casos da doença. “A vacina antirrábica humana, bem como a imunoglobulina e o soro são ofertados na rotina do Calendário Nacional de Imunizações e distribuídos mensalmente aos estados. De janeiro a novembro deste ano, o Ministério da Saúde enviou ao Amazonas 24,5 mil doses dessa vacina, 1,7 mil frascos de Imunoglobulina e 3,3 mil frascos de soro. O estado também recebeu 490 mil doses de Vacina Antirrábica Canina”, disse o ministério, destacando:

“É importante esclarecer que os estados são responsáveis pela distribuição dos Imunobiológicos aos municípios. Os casos de raiva humana no Brasil são raros, e aqueles provocados por morcegos ocorrem de forma acidental em todo o país. O Ministério da Saúde adquire e disponibiliza aos estados os Imunobiológicos necessários para a profilaxia pré e pós-exposição humana, para todas as pessoas que estão expostas ao risco de contrair raiva, além de distribuir vacinas antirrábicas caninas para a prevenção dessa doença em cães e gatos”, finalizou a nota do MS. (Colaborou Elaíze Farias)

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Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Kátia Brasil

Kátia Brasil é co-fundadora e editora executiva da agência de jornalismo independente e investigativo Amazônia Real, com sede em Manaus (AM). Recém formada pela Faculdade Hélio Alonso, no Rio de Janeiro, foi morar na Amazônia no início do ano de 1990. Trabalhou na TV Cultura e jornais O Globo, A Gazeta de Roraima, O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo. Entre os prêmios que ganhou estão o Esso Regional Norte 1991 e Women Journo Heroes (#JournoHeroes), da International Women’s Media Foundation (IWMF), em 2019, Prêmio Abraji, em 2020, Vladimir Herzog e Comunique-se, ambos em 2021. É uma das jornalistas brasileiras +Admiradas Negras da Imprensa Brasileira, em 2024. É diretora editorial do Projor/Observatório da Imprensa. Conselheira do Tornavoz e RBJA, e membra da Comissão da ABI Ambiental. Foi eleita em 1o. lugar Região Norte do Prêmio TOP 100 +Admirados Jornalistas Brasileiros. Integra o forbiddenstories.org, o Fórum Permanente das Mulheres de Manaus (FPMM) e o Coletivo Mães Pela Diversidade em defesa das pessoas LGBTQIAPN+. ([email protected])