Política

Amazonas investiu R$ 9,9 milhões em frigorífico durante eleições

O Frizam/Agropam, que produz em área de desmatamento, se recusou a assinar o acordo de regularização socioambiental da cadeia produtiva da pecuária, a chamada Moratória da Carne (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real) O Governo do Amazonas aumentou seu […]

Governo estadual fez investimento em produção de gado (Foto: Alberto César Araújo)

Por Kátia Brasil Publicado em: 16/12/2013 às 00:15

O Frizam/Agropam, que produz em área de desmatamento, se recusou a assinar o acordo de regularização socioambiental da cadeia produtiva da pecuária, a chamada Moratória da Carne (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

O Governo do Amazonas aumentou seu capital no frigorífico e abatedouro de bovinos Frizam/Agropam, que é alvo de ação civil pública do Ministério Público Federal por desmatamento ilegal da floresta amazônica, em 200% no dia 20 setembro de 2010, faltando apenas 13 dias para as eleições proporcionais daquele ano.

Na ocasião do repasse público de R$ 9.900.000,00 ao frigorífico, o governador era Omar Aziz (PSD) que concorria à reeleição ao cargo deixado pelo ex-governador Eduardo Braga (PMDB), que disputou uma vaga ao Senado. Ambos foram vitoriosos na campanha eleitoral.

Conforme reportagem publicada na semana pelo portal Amazônia Real, o principal acionista do Frizam/Agropam é o pecuarista amazonense José Lopes, que trabalhou como tesoureiro nas campanhas eleitorais de Aziz, de Braga e do ex-governador Amazonino Mendes (PDT).

De acordo com MPF, Lopes é alvo de uma ação civil por comercializar matéria-prima bovina de fazendas que exploram o trabalho escravo.

O Governo do Amazonas é sócio no frigorífico por meio da empresa pública Ciama (Companhia de Desenvolvimento do Estado do Amazonas), que tem entre suas finalidades promover o desenvolvimento ambiental no âmbito estadual.

A sociedade entre o Frizam/Agropam e a Ciama causou surpresa ao MPF do Amazonas, uma vez que o Governo do Amazonas tem uma política de valorização do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável, tendo criado uma fundação, em 2007, que defende a floreta em pé.

O frigorífico que recebeu dinheiro público tem cerca de 80 mil cabeças de gado, segundo as investigações do MPF. A empresa tem sua sede no município de Boca do Acre (a 1.028 quilômetros de distância de Manaus), localizado no sul do Amazonas.

Lei Estadual

Segundo os documentos da ação do MPF, o novo aporte público no frigorífico foi de R$ 9.900.000,00. O aumento foi autorizado pela Lei Estadual no. 3.546, publicada no Diário Oficial do Amazonas em 20/08/2010, na gestão de Aziz. Um recibo assinado pelo pecuarista José Lopes confirma o repasse da quantia em 28/09/2010.

Reprodução de documento que consta na ação do MPF do Amazonas

Como já tinha uma aporte financeiro de R$ 4.960.994,00, o Estado do Amazonas passou a ter um investimento de R$ 14.860.994,00 e participação de 49% nas ações do frigorífico. Assim, o capital social do Frizam/Agropam subiu para R$ 30.328.559,00, sendo 51% das ações, no valor de R$ 15.467.565,00, pertencente ao bloco controlador formado pelo pecuarista José Lopes e seus dois filhos.

Um negócio antigo

A Moratória da Carne coibiu a produção de gado em área de desmate ilegal (Foto: Alberto César Araújo)

A sociedade entre o Governo do Amazonas e o frigorífico do tesoureiro José Lopes existe desde o ano de 2000. Na época da formação da sociedade o governador era Amazonino Mendes. Mas a primeira empresa pública que investiu na pecuária foi a Ciamapar Investimento e Participações S/A. Em 2005, a Ciama substituiu a Ciamapar, que foi desativada.

A ação civil pública do MPF contra o Frizam/Agropam foi motivada depois que a empresa agropecuária se recusou a assinar o acordo de regularização socioambiental da cadeia produtiva da pecuária, a chamada Moratória da Carne.

Na ação, que tramita desde o mês de abril, os procuradores pedem ao frigorífico uma indenização de R$ 262,5 mil por danos morais coletivos, danos ambientais e sociais causados à sociedade. Também recomendou aos clientes não comprarem produtos da empresa devido a inexistência de comprovação da origem da matéria-prima bovina.

No mês de junho, a defesa do Frizam/Agropam se manifestou contra as acusações do MPF na ação que tramita na Justiça Federal. O documento diz que “a recomendação do MPF enquadrou a empresa como infratora ambiental baseada em ilação fantasiosa de que todo gado é de origem de área embargada, é de origem ilícita”. A defesa diz que o MPF ameaçou os clientes do frigorífico com a recomendação. “Esta posição autoritária é ilegal”, disse na ação a advogado da empresa, Simone Mendes, que representou a empresa até o mês de junho.

Segundo o MPF, as principais provas da acusação de crimes ambientais contra o frigorífico são embargados de áreas desmatadas ilegalmente. As multas estipuladas pelo Ibama pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) somam R$ 3 milhões.

Na Justiça Federal, a reportagem teve acesso aos documentos de uma ação por dano ambiental do Ibama contra o Frizam/Agropam. Na ação, aberta em 2012, a empresa agropecuária pediu nulidade do embargo de fazenda e da multa de R$ 213.600,00 e ganhou uma decisão. Mas o Ibama recorreu.

Defesa “do meu cliente”

Nesta ação, o Governo do Amazonas e a Ciama defendem o frigorífico. Dizem que a empresa tem licença ambiental do órgão estadual para suprir vegetação e produzir de 712 m3 de lenha numa área e 130.000 hectares.

Procurada pela reportagem para falar sobre o aumento de capital em 2010 no frigorífico, a assessoria de imprensa da Ciama disse que “o investimento foi realizado com objetivo de fomentar a Política Estadual de Interiorização do Desenvolvimento, tendo sido efetuado de acordo com a Lei Ordinária Estadual nº 3.546/2010”.

O advogado Paulo Rogério Arantes, do escritório de advocacia que defende o frigorífico Frizam/Agropam e o pecuarista José Lopes na ação do MPF, afirmou que o empresário tem firmado Termos de Ajustamento de Conduta em juízo e junto ao Ibama nas questões relacionadas as delimitações de áreas rurais e licenciamento ambiental.

“Isso é muito comum nas áreas rurais do Amazonas em razão da imensidão das áreas e da dificuldade de demarcação. Essas questões estão sendo discutidas em juízo ou são objetivo de acordos promovidos administrativamente nos órgãos próprios. Não há nenhuma situação de irregularidade com o frigorífico ou com a pessoa física do meu cliente. A empresa tem uma situação absolutamente regular”, afirmou.

Com relação ao aumento de capital público no frigorífico em 2010, o advogado Paulo Arantes disse que era normal. “É natural haver aumento de capital na medida em que a apuração contábil é de resultados”, afirmou.

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Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Kátia Brasil

Kátia Brasil é co-fundadora e editora executiva da agência de jornalismo independente e investigativo Amazônia Real, com sede em Manaus (AM). Recém formada pela Faculdade Hélio Alonso, no Rio de Janeiro, foi morar na Amazônia no início do ano de 1990. Trabalhou nas TVs Educativa e Cultura e nos jornais O Globo, A Gazeta de Roraima, O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo. Entre os prêmios que ganhou estão o Esso Regional Norte 1991 e Women Journo Heroes (#JournoHeroes), da International Women’s Media Foundation (IWMF), em 2019, Prêmio Abraji, em 2020, Vladimir Herzog e Comunique-se, ambos em 2021. É uma das jornalistas brasileiras +Admiradas Negras da Imprensa Brasileira, em 2024. É diretora editorial do Projor/Observatório da Imprensa. Conselheira do Tornavoz e RBJA, e membra da Comissão da ABI Ambiental. Foi eleita em 1o. lugar Região Norte do Prêmio TOP 100 +Admirados Jornalistas Brasileiros. Integra o forbiddenstories.org, o Fórum Permanente das Mulheres de Manaus (FPMM) e o Coletivo Mães Pela Diversidade em defesa das pessoas LGBTQIAPN+. ([email protected])