Política

Possível mudança na política sobre barragens amazônicas

Um acontecimento em janeiro de 2018 oferece esperança de mudança na política de prioridades de energia, embora só o tempo poderá revelar até que ponto se deixará de construir mais barragens na Amazônia. Afirmações à imprensa sobre […]

Volta Grande do Xingú- Populações afetadas pelas obras de Belo Monte e Belo Sun- Foto Todd Southgate.

Por Philip Martin Fearnside Publicado em: 09/01/2018 às 13:36

Um acontecimento em janeiro de 2018 oferece esperança de mudança na política de prioridades de energia, embora só o tempo poderá revelar até que ponto se deixará de construir mais barragens na Amazônia. Afirmações à imprensa sobre uma mudança foram feitas por dois oficiais-chave: o secretário executivo do Ministério de Minas e Energia e o presidente do EPE (Empresa de Pesquisa Energética), que é o órgão sob o Ministério de Minas e Energia responsável pelo planejamento energético. Eles declararam que, devido aos pesados impactos ambientais e sociais das barragens na Amazônia, a prioridade deve mudar para outras fontes de energia, como eólica e solar [1]. No entanto, com relação às barragens listadas para construção até 2026 [2], não houve menção da intenção de cancelar qualquer uma delas (e.g., [3]).

O motivo declarado de impactos pesados pode não ser o fator-chave, sendo que as realidades econômicas conduziriam logicamente à mesma mudança de política [4]. Ao contrário de frequentes afirmações pelos proponentes de barragens, a hidroeletricidade não é “energia barata”, mesmo sem considerar os seus impactos sociais e ambientais. Um levantamento mundial mostrou que o padrão normal é as barragens terem custos financeiros muito maiores, e demorem muito para começar a gerar energia, do que se pensa no momento em que as decisões de construção são tomadas [5]. Isso é demonstrado por casos recentes no Brasil, como as barragens do rio Madeira e a Belo Monte, que custou mais do que o dobro da expectativa oficial na época da decisão (e.g., [6]).

Barragens não econômicas como Belo Monte avançaram graças a subsídios governamentais relacionados tanto ao papel desempenhado pelas empresas de construção no financiamento de campanhas políticas (legal e ilegalmente), como à simples corrupção ao nível dos indivíduos (e.g., [4]. [7]). Esta influência é, presumivelmente, decrescente devido à proibição de contribuições de empresas para campanhas políticas a partir das eleições de 2016, as investigações de corrupção que estão em curso na iniciativa “Lava Jato” e a redução das reservas financeiras do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

O anúncio em agosto de 2017 da intenção do governo de privatizar a ELETROBRAS até o final de 2018 também pode ser um fator na mudança [1], embora 70% da população brasileira estejam contra a privatização [8]. Como uma empresa estatal, a ELETROBRAS é liderada por indicados políticos e tem sido sujeita a pressão política para promover barragens não econômicas que nunca seriam consideradas por uma empresa privada [4].

Um aumento da racionalidade econômica é desejável, mas é importante lembrar que a “mão invisível” da economia nem sempre é gentil com as questões de impactos ambientais e sociais.

A incorporação de preocupações sobre impactos sociais e ambientais também é essencial para prevenir os problemas que ocorreram tantas vezes nas barragens amazônicas do Brasil. Será um grande avanço se as afirmações recentes se transformam em uma mudança no papel desses impactos na tomada de decisões.

Hidrelétrica Santo Antônio no rio Madeira. (PAC/FotosPúblicas)

NOTAS

[1] Ventura, M. 2018. Fase de grandes hidrelétricas chega ao fim. O Globo, 02 de janeiro de 2018. https://oglobo.globo.com/economia/fase-de-grandes-hidreletricas-chega-ao-fim-22245669

[2] Brasil, MME (Ministério de Minas e Energia). 2017. Plano Decenal de Expansão de Energia 2026. Ministério de Minas e Energia, Empresa de Pesquisa Energética (MME/EPE). Brasília, DF, Brasil. 2 vols. http://www.epe.gov.br/pde/Paginas/default.aspx

[3] International Rivers. 2018. Era of mega hydropower in Brazilian Amazon appears to be ending. International Rivers, 04 de janeiro de 2018. https://www.internationalrivers.org/resources/press-release-era-of-mega-hydropower-in-brazilian-amazon-appears-to-be-over-16588

[4] Branford, S. 2018. Brazil announces end to Amazon mega-dam building policy. Mongabay, 03 de janeiro de 2018. https://news.mongabay.com/2018/01/brazil-announces-end-to-amazon-mega-dam-building-policy/

[5] Ansar, A., B. Flyvbjerg, A. Budzier & D. Lunn. 2014. Should we build more large dams? The actual costs of hydropower megaproject development. Energy Policy 69: 43–56. http://dx.doi.org/10.1016/j.enpol.2013.10.069

[6] Fearnside, P.M. 2017. Belo Monte: Actors and arguments in the struggle over Brazil’s most controversial Amazonian dam. Die Erde 148 (1): 14-26 http://dx.doi.org/10.12854/erde-148-27

[7] Fearnside, P.M. 2017. Belo Monte – Atores e argumentos: 4 – A corrupção confessada. Amazônia Real, 11 de setembro de 2017. http://amazoniareal.com.br/belo-monte-atores-e-argumentos-4-corrupcao-confessada/

[8] Hirata, T. 2017. Sete em cada dez brasileiros são contra as privatizações. Folha de São Paulo, 26 de dezembro de 2017, p. A11. http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/12/1945999-sete-em-cada-dez-brasileiros-sao-contra-as-privatizacoes.shtml

A fotografia que ilustra este artigo é da região de Volta Grande do Xingu afetada pelas obras de Belo Monte, no Pará (Foto Todd Southgate)

Philip M. Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências e também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 500 publicações científicas e mais de 200 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis neste link.

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Philip Martin Fearnside

É doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 600 publicações científicas e mais de 500 textos de divulgação de sua autoria que podem ser acessados aqui. https://philip.inpa.gov.br