Política

Após cobrança do CNJ, Tribunal de Justiça do AM acata denúncia contra pedofilia

O Tribunal de Justiça do Amazonas acatou nesta terça-feira (28), numa sessão secreta que durou quatro horas, a denúncia do Ministério Público do Amazonas contra 20 acusados, entre empresários, um deputado estadual, um prefeito, comerciantes e até um cônsul, de […]

Desembargadores do TJ receberam orientação do Conselho Nacional de Justiça (Foto: Divulgação TJ-AM)

Por Kátia Brasil Publicado em: 28/01/2014 às 15:24

O Tribunal de Justiça do Amazonas acatou nesta terça-feira (28), numa sessão secreta que durou quatro horas, a denúncia do Ministério Público do Amazonas contra 20 acusados, entre empresários, um deputado estadual, um prefeito, comerciantes e até um cônsul, de integraram uma suposta rede de corrupção de menores, prostituição infantil e rufianismo (obtenção de lucro mediante exploração sexual), desarticulada pela Polícia Civil do Amazonas, através da Operação Estocolmo, há um ano e dois meses, em Manaus.

Dos 19 desembargadores que formam a Corte do Tribunal de Justiça, 12 votaram a favor da denúncia contra os acusados. Segundo a assessoria de imprensa do tribunal, o presidente Ari Jorge Moutinho da Costa não votou porque alegou impedimento, pois ele possui um parente que atua no escritório de advocacia que representa um dos acusados. Os magistrados Aristóteles Lima Thury e Djalma Martins justificaram suspeição por foro íntimo. Como presidente da sessão secreta, o desembargador Domingos Chalub não pode votar. A desembargadora Maria das Graças Pessoa Figueiredo faltou a sessão secreta. Os desembargadores Encarnação das Graças Sampaio Salgado e Lafayette Carneiro Vieira Júnior estão em férias.

Durante a análise do processo da Operação Estocolmo, acompanharam o voto do relator Rafael de Araújo Romano, os desembargadores João Mauro Bessa, Cláudio Ramalheira Roessing, Sabino Marques, Carla Maria dos Santos Reis, Wellington José de Araújo, Jorge Lins, Onilza Gertz (juíza convocada), João Simões, Socorro Guedes, Yedo Simões e Paulo Lima.

A Operação Estocolmo é um dos casos mais emblemáticos de pedofilia e prostituição infantil envolvendo 30 meninas, com idades de 12 a 17 anos, que se tem notícia no Amazonas, depois das acusações contra o prefeito de Coari, Adail Pinheiro (PRP). A investigação abalou a sociedade amazonense porque envolveu autoridades de grande influência, que figuravam nas colunas sociais dos principais jornais da capital, acima de qualquer suspeita.

No entanto, a denúncia do MPE só entrou em pauta no Tribunal de Justiça do Amazonas nesta segunda-feira (27), quatro dias após o conselheiro Gilberto Valente Martins, do Conselho Nacional de Justiça, declarar em coletiva na quinta-feira (23) que o processo da Operação Estocolmo teria o mesmo rigor na apuração, assim como os dos casos envolvendo o prefeito de Coari. Durante a fiscalização, o conselho encontrou leniência (lentidão) e “blindagem” na condução dos processos envolvendo autoridades e e-autoridades por decisões dos magistrados.

Um dos acusados de suposto envolvimento nos crimes da Operação Estocolmo, o empresário dos ramos da educação e turismo, Waldery Areosa Ferreira, quebrou o sigilo das investigações, que é mantida em segredo de justiça, ao conseguir liminar judicial para ter acesso ao inquérito na véspera da operação. Ele também ingressou com uma queixa contra a delegada Linda Glaucia de Moraes, titular da Delegacia Especializada em Proteção e à Criança e ao Adolescente (DEPCA). Na ocasião, Ferreira divulgou nota à imprensa afirmando que “quem não deve, não teme”.

Waldery Areosa confirmou em nota o vazamento da Operação Estocolmo. “Chegaram até mim, há algum tempo, rumores de que havia uma investigação em curso envolvendo meu nome. Quis saber, conforme assegura a Constituição de meu País, do que poderia ser acusado”, afirmou conforme nota publicado no jornal A Crítica.

Nos processos em tramitação desde 2008, o prefeito Adail Pinheiro é acusado de supostos crimes de favorecimento à prostituição infantil, mas, segundo o conselheiro Gilberto Martins os processos no TJ do Amazonas receberam uma “blindagem”, já que vários magistrados se afastaram sistematicamente dos casos para não julgá-los. A mesma situação de demora nos julgamentos foi registrada pelo Conselho Nacional de Justiça no processo da Operação Estocolmo.

Lentidão

No Ministério Público do Amazonas, a denúncia da Operação Escolmo foi formalizada pelo promotor José Hamilton Saraiva. A denuncia contra os 20 acusados e o pedido de instauração da acão penal chegou ao TJ do Amazonas em março de 2013, quatro meses após a desarticulação da rede de prostituição e das prisões de nove aliciadores.

Polícia Civil apreendeu provas durante a Operação Estocolmo em 2012 (Foto: Divulgação SSP-AM)

O Tribunal de Justiça do Amazonas é composto por 19 desembargadores. Durante a tramitação da análise da denúncia do MPE, dois desembargadores se julgaram impedidos de analisar o processo alegando motivos pessoais. O terceiro desembargador a receber a denúncia foi Rafael de Araújo Romano, vice-presidente do TJ, que sempre atuou na Vara da Infância e Juventude. No mês de maio do ano passado, ele aceitou relatar processo. Mas, na quinta-feira (23), Romano estava em férias, quando o CNJ cobrou celeridade no julgamento da Estocolmo.

Em entrevista à Folha de S. Paulo, o desembargador Rafael Romano disse em dezembro passado que “o excesso de suspeitos e o fato de haver “gente conhecida” afetavam os trabalhos. “O processo já passou por alguns relatores. Passa de um para outro, que diz que não quer. Tem muita gente conhecida, de colégio, deputado, tinha prefeito. Província, né? Continua a província”, disse.

Ao portal Amazônia Real, o conselheiro Gilberto Valente Martins afirmou que todos os processos relacionados à violência contra menores o CNJ ficaria atento, principalmente ao cumprimento dos prazos processuais e, neste caso, a Operação Estocolmo, estava incluída. Segundo ele, a lei estabelece prazos mais exíguos do que são cumpridos pelo Tribunal e Justiça do Amazonas.

‘Os processos estão parados por leniência (lentidão). Não justifica alguns processos não terem tido o curso normal”, afirmou o conselheiro.

Conforme Gilberto Martins, o relatório do resultado da correição (apuração) do TJ do Amazonas será julgado na primeira quinzena de fevereiro na sede do CNJ, da qual o presidente é o ministro Joaquim Barbosa, também presidente do Supremo Tribunal Federal.

Ele disse que os magistrados que tiveram participação na “blindagem” dos processos serão punidos com ações que vão da censura, advertência até a aposentadoria compulsória, que não perde o salário.

“Se avalia na aplicação de uma sanção disciplinar é a gravidade da conduta do magistrado. Depende do tipo de conduta que o magistrado teve na condução do processo, que pode ter sido uma desatenção ou a prática de um ato doloso com o propósito de não movimentar o processo. É a gravidade dessa conduta que vai ser devidamente apurada em sindicância” afirmou o conselheiro Gilberto Martins.

A reportagem procurou o Tribunal de Justiça do Amazonas para se pronunciar sobre as acusações de leniência nos processos, mas o presidente da Corte, desembargador Ari Moutinho da Costa não comentou a apuração do CNJ com a imprensa. Moutinho também não comentou a denúncia julgadao hoje. Ele não participou da votação.

Em comunicado anterior do TJ do Amazonas, o presidente Ari Moutinho da Costa, informou que a instituição atenderá as observações apontadas pelo conselheiro Gilberto Valente Martins relativas às questões administrativas. Ele também destacou que as questões administrativas levantadas pelo CNJ são pontuais e dizem respeito a atos praticados por gestões passadas, mas que seguirá o que for recomendado pelo CNJ. Em relação à questão judicial, tendo em vista que os processos já vinham sendo conduzidos por respectivos magistrados, o Tribunal aguardará o relatório conclusivo e os pedidos de providência para tomar as medidas pertinentes.

A reportagem procurou o advogado Jayme Junior, que representa o empresário Waldery Areosa Ferreira, mas ele não foi localizado para falar, como também não respondeu os e-mails da redação.

Atualizado às 15h38.

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Kátia Brasil

Kátia Brasil é co-fundadora e editora executiva da agência de jornalismo independente e investigativo Amazônia Real, com sede em Manaus (AM). Recém formada pela Faculdade Hélio Alonso, no Rio de Janeiro, foi morar na Amazônia no início do ano de 1990. Trabalhou na TV Cultura e jornais O Globo, A Gazeta de Roraima, O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo. Entre os prêmios que ganhou estão o Esso Regional Norte 1991 e Women Journo Heroes (#JournoHeroes), da International Women’s Media Foundation (IWMF), em 2019, Prêmio Abraji, em 2020, Vladimir Herzog e Comunique-se, ambos em 2021. É uma das jornalistas brasileiras +Admiradas Negras da Imprensa Brasileira, em 2024. É diretora editorial do Projor/Observatório da Imprensa. Conselheira do Tornavoz e RBJA, e membra da Comissão da ABI Ambiental. Foi eleita em 1o. lugar Região Norte do Prêmio TOP 100 +Admirados Jornalistas Brasileiros. Integra o forbiddenstories.org, o Fórum Permanente das Mulheres de Manaus (FPMM) e o Coletivo Mães Pela Diversidade em defesa das pessoas LGBTQIAPN+. ([email protected])