Meio Ambiente

Águas do Madeira inundam três distritos de Porto Velho

O nível do rio Madeira alcançou a marca de 18,01 metros na manhã desta sexta-feira (21) em Porto Velho (RO). Como as inundações não dão trégua, os imóveis dos Distritos de Nazaré, São Miguel e Cujubim, distante a cerca de […]

Moradores do Distrito de Nazaré foram removidos das casas (Foto: Rondôniagora)

Por Kátia Brasil Publicado em: 21/02/2014 às 15:07

O nível do rio Madeira alcançou a marca de 18,01 metros na manhã desta sexta-feira (21) em Porto Velho (RO). Como as inundações não dão trégua, os imóveis dos Distritos de Nazaré, São Miguel e Cujubim, distante a cerca de 200 quilômetros da capital de Rondônia, devem ser desocupados, segundo a Defesa Civil Municipal. Cerca de 300 famílias precisam ser realocadas em abrigos de cidades vizinhas, localizadas em partes altas da margem do baixo Madeira.

O coordenador da Defesa Civil, coronel José Pimentel, disse ao Amazônia Real que a situação nesses Distritos se configura uma calamidade pública. Os comércios estão fechados e as casas inundadas, com água até o teto. As escolas abrigam as famílias, que necessitam de água potável e alimentos.

“Como parte do plano operacional de emprego, possivelmente os Distritos de Nazaré, São Miguel e Cujubim vão ser todos desocupados, devem estar todos debaixo d´água. Talvez tenhamos que fazer a realocação na íntegra desses distritos. Estamos no alerta vermelho já caracterizando uma situação de calamidade. Está dependendo de alguns procedimentos para decretar a calamidade”, afirmou o coronel José Pimentel.

A enchente do rio Madeira, um dos principais tributários do rio Amazonas, em Porto Velho (RO), bateu o recorte histórico no domingo (15) ao alcançar o nível de 17,54m, dois centímetros a mais da marca do ano de 1997.

Em 47 anos de medição da hidrologia na capital, a cheia é considerada anormal em consequência do volume de chuvas acima da média registradas nas nascentes do Madeira, que ficam na Bolívia e no Peru.

Porto Velho está sob decreto de situação de emergência e recebe apoio do governo federal para reparar os estragos da enchente e atender as mais de 1,8 mil famílias (ou 9.000 pessoas) desabrigadas e alojadas.

De acordo com o coronel José Pimentel, 125 homens da Defesa Civil, do Corpo de Bombeiros, do Exército e da Aeronáutica trabalham na retirada de pessoas atingidas em áreas inundadas. Nesta sexta-feira (21), segundo ele, chegam a Porto Velho cerca de 30 bombeiros da Força Nacional de Segurança. Os bombeiros irão integrar as equipes que atuam nos Distritos de Jaci-Paraná, Fortaleza do Abunã e Abunã, no baixo Madeira.

Pimentel disse que a enchente comprometeu o abastecimento de água potável no Distrito de Jaci-Paraná, que fica a cem quilômetros de Porto Velho. Lá vivem cerca de 2.000 pessoas. “Jaci-Paraná está com problemas de infiltração no solo e por esse motivo comprometeu a qualidade da água. A usina Santo Antônio se comprometeu em verificar esta situação e ajudar na relocação das famílias”, afirmou.

O coordenador da Defesa Civil não informou se o problema no abastecimento de água em Jaci-Paraná é motivada pela liberação de água da represa da hidrelétrica de Santo Antônio. “Pela demanda de água, a operadora de Santo Antônio está liberando constantemente as comportas, mas não temos dados sobre esta operação”, disse o coronel José Pimentel.

O Movimento dos Atingidos pelas Barragens (MAB) divulgou comunicado na quarta-feira (19) dizendo que no Distrito de Jaci-Paraná as famílias sofrem com inundações em consequências da construção das usinas de Santo Antônio e Jirau.

“O distrito é cercado pelo reservatório da usina de Santo Antônio e é atingido frequentemente por inundações depois da instalação das UHE Santo Antônio, com infiltração de água do reservatório no lençol freático e contaminação dos poços de água para consumo humano. Porém, nesse mês, o alagamento atingiu níveis muito acima do normal, afirmam moradores que vivem em Jaci há 20 anos”, diz documento do MAB.

Distrito de Jaci-Paraná está inundado pela cheia do Madeira (Foto: MAB)

Jirau x Santo Antônio

No dia 02 de fevereiro, a Justiça Federal e Rondônia proibiu o Ibama de aumentar o limite do nível de água no reservatório de Santo Antônio. Segundo a decisão, o nível máximo de enchimento, previsto em 70,5 metros de altura, passou para 71,3 metros. A diferença deve resultar em aumento de 13% na potência da usina, de 3.150 MW para 3.568 MW.

“O aumento do reservatório pode causar danos ambientais e sociais na região. A procuradora e os promotores que assinam a ação dizem que a cota de 70,5 metros já provocou prejuízos, como a paralisação de operações portuárias, o desabamento de casas próximas à margem do Madeira e a morte de animais. Com base no princípio da precaução, eles pedem que o nível de água fique como na proposta original”, diz nota divulgada pela Conjur.

Em comunicado no dia 11 deste mês, o consórcio Energia Sustentável do Brasil (ESBR) denunciou ao Ministério do Meio Ambiente e à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), entre outros órgãos federais, que a hidrelétrica de Santo Antônio estava desrespeitando o limite de acúmulo de água em seu reservatório estabelecido no projeto, ultrapassado o nível de 75 metros, prejudicando as operações em Jirau.

“A altura máxima suportada por Jirau é de 74,8 metros em relação ao reservatório da usina de Santo Antônio. Porém, a UHE Santo Antônio estaria operando com um reservatório que, no início de fevereiro, teria ultrapassado a cota de 75 metros, atingindo o limite que garante a segurança e estabilidade do empreendimento, disse em nota a ESBR.

Na quinta-feira (20), o consórcio ESBR voltou a denunciou a operadora Santo Antônio Energia em nota sobre a segurança da barragem e ensecadeira da usina de Jirau. “(…) A UHE Jirau possui hoje uma “ensecadeira” para proteger 28 turbinas (de um total de 50 em toda a Usina), que estavam sim correndo risco de sofrerem danos em função do nível do reservatório da Usina Hidrelétrica Santo Antônio estar sendo mantido acima do estipulado pela ANA – Agência Nacional de Águas. Risco este já eliminado, uma vez que a ensecadeira foi elevada, pela UHE Jirau, para um nível seguro.

No entanto, o nível d’água após nossas estruturas não pode ser mantido indefinidamente, havendo a necessidade da Usina de Santo Antônio rebaixar o seu reservatório de forma a voltar às cotas seguras tanto a jusante de Jirau como no distrito de Jaci Paraná, que hoje está a 76,4m”.

Procurado pela reportagem, o consórcio Santo Antônio Energia disse que “o reservatório da hidrelétrica de Santo Antônio opera na cota máxima de 70, 5 metros”, respeitando os órgãos técnicos do governo federal. “Não existe nenhum fundamento técnico ou legal que ampare ou resguarde a afirmação da Energia Sustentável do Brasil, que aponta irregularidades na operação do reservatório de Santo Antônio”, diz a nota.

No entanto, no da 19 de fevereiro, o Serviço Geológico do Brasil (CPRM) em Porto Velho informou ao Amazônia Real que a usina de Santo Antônio parou a operação para baixar o nível do reservatório para 68 metros, uma vez que estava operando com cota de 71, 3 m, acima do limite permitido pela Justiça Federal.

Os Ministérios Púbicos Federal e Estadual investigam se a abertura das comportas das usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau tem forçado as inundações em bairros da capital e distritos de Porto Velho. Também apuram se a operadora de Santo Antônio aumentou o limite do nível de seu reservatório para acima de 70,5 metros.

Procurados pela reportagem, os consórcios de Jirau e Santo Antônio informaram que não farão mais comentários sobre a situação dos reservatórios.

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Kátia Brasil

Kátia Brasil é co-fundadora e editora executiva da agência de jornalismo independente e investigativo Amazônia Real, com sede em Manaus (AM). Recém formada pela Faculdade Hélio Alonso, no Rio de Janeiro, foi morar na Amazônia no início do ano de 1990. Trabalhou nas TVs Educativa e Cultura e nos jornais O Globo, A Gazeta de Roraima, O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo. Entre os prêmios que ganhou estão o Esso Regional Norte 1991 e Women Journo Heroes (#JournoHeroes), da International Women’s Media Foundation (IWMF), em 2019, Prêmio Abraji, em 2020, Vladimir Herzog e Comunique-se, ambos em 2021. É uma das jornalistas brasileiras +Admiradas Negras da Imprensa Brasileira, em 2024. É diretora editorial do Projor/Observatório da Imprensa. Conselheira do Tornavoz e RBJA, e membra da Comissão da ABI Ambiental. Foi eleita em 1o. lugar Região Norte do Prêmio TOP 100 +Admirados Jornalistas Brasileiros. Integra o forbiddenstories.org, o Fórum Permanente das Mulheres de Manaus (FPMM) e o Coletivo Mães Pela Diversidade em defesa das pessoas LGBTQIAPN+. ([email protected])