Política

Sociedade tem que exigir a punição dos pedófilos, afirma pesquisadora

ANÁLISE No livro “Tráfico de Mulheres na Amazônia” a pesquisadora do tema Márcia Maria Oliveira, também doutoranda do Programa de Pós-Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia da UFAM (Universidade Federal do Amazonas), relata que no Amazonas, a rede de exploração […]

Crianças são ameaçadas pela exploração sexual (Foto: Alberto César Araújo/Aleam)

Por Kátia Brasil Publicado em: 18/04/2014 às 01:51

ANÁLISE

No livro “Tráfico de Mulheres na Amazônia” a pesquisadora do tema Márcia Maria Oliveira, também doutoranda do Programa de Pós-Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia da UFAM (Universidade Federal do Amazonas), relata que no Amazonas, a rede de exploração sexual de crianças e adolescentes é ampla e diversificada. Segundo ela, há uma rede formada por donos e gerentes de hotéis, assim como há a dos cafetões e cafetinas autônomos que atuam de forma diversificada no tecido social. Também existem, conforme a pesquisadora, as redes entre amigos, em que um informa o outro, como encontrar e iludir as meninas com um presente de marca, emprego e até mesmo vendendo o sonho de um futuro casamento. “Este último elemento é um dos motivos do tráfico de pessoas, posto que é capaz de deslocar as meninas para a cidade do aliciado”, afirma.

Márcia Oliveira diz ainda que a rede de exploração sexual no Amazonas envolve artistas de novelas, políticos do Congresso Nacional brasileiro, autoridades do judiciário, empresários locais, prefeitos e até lideranças do sindicalismo brasileiro. “O município de Coari, solo da extração de petróleo e gás pela Petrobras, localizado na mesorregião do rio Solimões, ostenta uma grave problemática social no âmbito da exploração sexual de crianças e adolescentes envolvendo, nessa rede, autoridades do poder público local”, afirma.

Segundo a pesquisa de Oliveira, as notícias dão conta de que essa rede de exploração sexual de garotas em Coari percorre as comunidades ribeirinhas para atrair mães de meninas de 10 e 11 anos, oferecendo cifras em dinheiro pela virgindade das crianças. Diz ela: “Se, a menina, for moradora do centro urbano de Coari, logo após a comercialização da sua virgindade, toda a cidade fica sabendo, porque ela aparece com motocicleta e tem sua casa reformada”, disse a pesquisadora. Leia entrevista concedida por Márcia Oliveira:

Qual sua expectativa sobre a CPI da Pedofilia da Assembleia Legislativa do Amazonas?

A instauração da CPI da Pedofilia foi uma conquista dos movimentos sociais. Novamente os grupos organizados de mulheres se posicionaram e não arredaram o pé enquanto os parlamentares não cederam à demanda.

Temos conversado muito sobre esse tema com os grupos sociais. Também nesse campo, é necessário considerar os elementos históricos. Sociologicamente, creio que a questão insere-se mais nos estudos da dependência e da colonização e me recuso ao termo CULTURA DA PEDOFILIA ( “sic”). Não se pode culturalizar uma prática que é condenável em todas as culturas. Mesmo aqueles absurdos que ocorrem no Oriente Médio com a autorização para casamento com meninas de 8 anos, a questão é muito mais política e de relação de dominação do que cultural.

No nosso caso, os estudos antropológicos indicam que antes da chegada dos colonizadores, não havia relação de exploração sexual de crianças. Por isso, relacionamos essa prática aos métodos inescrupulosos dos colonizadores. O aliciamento e a violência sexual praticadas contra crianças já eram determinantemente proibidos em toda a Europa. Nessa perspectiva, o abuso sexual de crianças nas colônias representava claramente uma relação de dominação e controle social porque ao violentar a criança, se afetava direta e indiretamente toda a família e se desmantelava toda a sociedade.

Como se explica a prática dessa forma de violência contra as crianças?

A continuidade dessa prática, sem dúvida, denuncia a continuidade das práticas colonizadoras assimilada pelos colonizados como uma forma de reproduzir o comportamento dos dominadores dando continuidade às relações de dominação numa perspectiva de NATURALIZAÇÃO (sic) da dominação contra a criança, especialmente do sexo feminino.

Por outro lado, segundo os estudos antropológicos, a proibição das relações incestuosas e a pedofilia representam o marco zero de todas as sociedades, ou seja, as sociedades começam a produzir cultura tendo por base esse marco. Nesse sentido, ao identificarmos a prática da pedofilia em tão larga escala na Amazônia, somos obrigados a admitir que a sociedade ainda carece de necessárias reformulações que implicam na mudança dos paradigmas. Por isso, o enfrentamento à pedofilia representa a ruptura com um sistema de dominação que permanece inalterado em boa parte da Amazônia anulando os direitos essenciais das crianças e adolescentes submetendo-as à situação de vulnerabilidade, o que pode resultar em adultos extremamente fragilizados(as) e marcados pelo trauma dos abusos sexuais.

De que forma a CPI pode ajudar a combater os crimes de exploração sexual e a pedofilia?

Há que se considerar também as outras formas de exploração e submissão das crianças, uma vez que a pedofilia, via de regra, está relacionada com a condição social e econômica da maioria das crianças exploradas, não descartando que o crime atinge as diversas camadas da sociedade. Vale lembrar as análises de Karl Marx em 1867 quando publicou seu grande clássico “O Capital”, onde condena veementemente todas as práticas de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes chegando até mesmo a afirmar que uma sociedade que não protege as suas crianças não e digna de respeito e consideração. Nessa perspectiva, a CPI tem um longo trabalho pela frente e esperamos que toda a sociedade possa vir a contribuir denunciando os casos e exigido a justiça com a punição dos pedófilos e de todos os(as) abusadores(as) de crianças.

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Kátia Brasil

Kátia Brasil é co-fundadora e editora executiva da agência de jornalismo independente e investigativo Amazônia Real, com sede em Manaus (AM). Recém formada pela Faculdade Hélio Alonso, no Rio de Janeiro, foi morar na Amazônia no início do ano de 1990. Trabalhou na TV Cultura e jornais O Globo, A Gazeta de Roraima, O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo. Entre os prêmios que ganhou estão o Esso Regional Norte 1991 e Women Journo Heroes (#JournoHeroes), da International Women’s Media Foundation (IWMF), em 2019, Prêmio Abraji, em 2020, Vladimir Herzog e Comunique-se, ambos em 2021. É uma das jornalistas brasileiras +Admiradas Negras da Imprensa Brasileira, em 2024. É diretora editorial do Projor/Observatório da Imprensa. Conselheira do Tornavoz e RBJA, e membra da Comissão da ABI Ambiental. Foi eleita em 1o. lugar Região Norte do Prêmio TOP 100 +Admirados Jornalistas Brasileiros. Integra o forbiddenstories.org, o Fórum Permanente das Mulheres de Manaus (FPMM) e o Coletivo Mães Pela Diversidade em defesa das pessoas LGBTQIAPN+. ([email protected])