Reportagem sobre crianças sem aulas em Rondônia, produzida pela Amazônia Real, ganha 3º Prêmio Radiotube

Por Amazônia Real Publicado em: 17/10/2019 às 17:25

Thaís Espinosa e Gabriela Rabaldo encontraram na comunidade de Nazaré uma grave violação contra os direitos das crianças e adolescentes

(Foto: Gabriela Rabaldo/Amazônia Real)

Manaus (AM) – A reportagem “Sem aulas há nove meses, crianças vão à biblioteca por conta própria, em Rondônia”, de autoria da educomunicadora Thaís Espinosa e colaboração da jornalista Gabriela Rabaldo, e realização da agência Amazônia Real, ganhou na noite desta quarta-feira (16) o segundo lugar da Categoria Vídeo do 3º Prêmio Radiotube Jornalismo Cidadão, em cerimônia que aconteceu no Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro. Veja o vídeo.

A premiação nacional é promovida pela organização Criar Brasil e tem o patrocínio do programa Petrobras Socioambiental. O tema deste ano foi “Os direitos da criança e do adolescente” com foco na educação, alimentação, moradia, segurança, trabalho, adoção, lazer, arte e cultura. Mais de 70 produções de todo o país participaram do concurso e o júri definiu três finalistas de vídeo e três de áudio, além de conceder duas menções honrosas. As produções premiadas abordaram temas como trabalho infantil, cyberbullying, direito à leitura, preconceito e violência urbana. Os participantes são de sete estados e do Distrito Federal.

“Em tempos tão difíceis é muito bom a gente conseguir juntar gente sintonizada com uma comunicação cidadã, uma comunicação que tenta transformar”, disse a jornalista Rosangela Fernandes, coordenadora da Criar Brasil, sobre a realização da terceira edição do Prêmio Radiotube.

As premiadas Gabriela Rabaldo e Thaís Espinosa
(Foto: Criar Brasil)

Thaís Espinosa e Gabriela Rabaldo realizaram a reportagem da Amazônia Real entre os meses de março e junho deste ano na comunidade ribeirinha do distrito de Nazaré, a 98 quilômetros de Porto Velho, capital de Rondônia. Thaís foi fazer um trabalho de educomunicação na região e encontrou uma grave violação contra crianças e adolescentes, que estavam sem estudar por causa da escola que fechou em março, após a Polícia Federal investigar um superfaturamento nos contratos da empresa Flecha Transportes e Turismo (FlechaTur), responsável pelo transporte fluvial dos estudantes.

Com as aulas suspensas, as crianças passaram a se reunir por conta própria dentro da biblioteca da comunidade. No vídeo, elas relatam a falta que faz o ambiente escolar e o sentimento de estarem a tantos meses sem estudo e sem o convívio com professores e colegas de classe. Os depoimentos trazem bastante sensibilidade e mostram seus olhares apreensivos, mas ainda com esperança de um futuro melhor onde tenham garantido o direito de acesso à uma educação justa. As aulas da escola de Nazaré só voltaram a normalidade neste mês de outubro, quando começou o ano letivo de 2019.

Após receber o Prêmio Radiotube, a jornalista Thaís Espinosa comentou o reconhecimento nacional. “Ficamos felizes com a repercussão do vídeo e a participação do Prêmio Radiotube. Acredito que seja essencial fortalecer esse tipo de conteúdo independente, ainda mais no momento que vivemos hoje no país. É de extrema importância e reconfortante ver pessoas engajadas na produção de um jornalismo cidadão e responsável”, disse Thaís.

Esta é a segunda vez que a agência Amazônia Real recebe uma premiação da organização Criar Brasil. Em 2015, o documentário “Aruká, o último guerreiro Juma”, que conta a história do povo em risco de extinção do sul do Amazonas, também recebeu o segundo lugar na Categoria Vídeo do 1º. Prêmio Jornalismo Cidadão – Radiotube. O trabalho foi produzido pela jornalista Kátia Brasil e o repórter-fotográfico Odair Leal na aldeia Juma, no município de Canutama, no sul do Amazonas.

A reportagem“Sem aulas há nove meses, crianças vão à biblioteca por conta própria, em Rondônia”, de autoria de Thaís Espinosa e colaboração de Gabriela Rabaldo em texto e vídeo, foi apurada em várias etapas no período da cheia do baixo rio Madeira, quando as áreas ribeirinhas estão tomadas pelas águas.

Em março deste ano, Thaís recebeu a notícia de que as voadeiras (pequeno barco a motor) do transporte escolar fluvial não estavam operando devido a irregularidades contratuais envolvendo a empresa de transporte escolar Flecha Turismo e a Secretaria de Educação (Semed). No mês de abril, Gabriela, também é fotógrafa, fez as imagens e fotografias na comunidade de Nazaré.

“Foi uma experiência muito marcante, presenciar as dificuldades enfrentadas pela população no período (da cheia); muitos ficam ilhados. Tivemos a oportunidade de conversar com algumas pessoas sobre a falta das aulas, mas naquele momento, ninguém imaginava que ficariam tanto tempo sem estudo”, disse Thaís que fez o relato abaixo sobre uma violação tão grave dos direitos das crianças e adolescentes, que é o acesso à educação. Leia a entrevista de Thaís Espinosa sobre o prêmio e a matéria.

Comunidade ribeirinha no distrito de Nazaré no período da cheia do Rio Madeira
(Foto: Gabriela Rabaldo/Amazônia Real)

Amazônia Real – Quais foram as dificuldades enfrentadas no acesso à comunidade ribeirinha de Nazaré?

Thaís Espinosa – Para chegar ao distrito de Nazaré não houve grandes dificuldades. Foi necessária uma viagem de seis horas de barco partindo de Porto Velho (capital de Rondônia). O retorno é mais longo, são cerca de 8 horas pois vai contra o fluxo do rio Madeira. No mês de junho, ao contrário de quando fomos em abril, o rio não está mais tão cheio e o acesso é mais tranquilo.

Amazônia Real – Como surgiu a pauta sobre a escola sem aulas?

Thaís Espinosa – Fiquei hospedada por três dias na casa de Gabriele (uma das meninas que deu o seu depoimento no vídeo) e sua família. Conversei algumas vezes com ela e seus pais sobre a situação que os estava angustiando. Gabi relatava sentir tédio e viu na pequena biblioteca uma alternativa para seus dias e de seus colegas que ali passaram a frequentar e simular um ambiente escolar por eles idealizado. Tivemos a ideia de espalhar alguns cartazes na comunidade como forma de atrair a atenção de outras pessoas a frequentarem o local e ajudar a diversificar as atividades. Conversei com o diretor da escola e ele apoiou a ideia. Pela manhã, abrimos a salinha e começamos a confeccionar alguns cartazes. Outras crianças entraram e quiseram participar. A maioria delas eu já conhecia, fomos conversando e resolvi perguntar se sentiam falta da escola e como estava a rotina delas desde a paralização. Nas suas respostas o que mais me impressionou foi a consciência sobre toda a situação, assim como o engajamento para elaboração de propostas de resolução. Estava com a câmera na bolsa pensando em fotografar a produção dos cartazes e perguntei se poderia gravar. Pensei que elas poderiam ficar tímidas ou inibidas mas, pelo contrário, o relato de uma foi puxando o da outra e parece que enxergaram naquela câmera uma possibilidade de serem ouvidas. Nesse momento, percebi uma grande responsabilidade em estar com aquele equipamento registrando aquelas falas e olhares, ao mesmo tempo, despertou um enorme desejo de que essa situação ganhasse visibilidade.

Após gravá-las fiquei um tempo refletindo e absorvendo tamanha agressão a que estavam sofrendo. As meninas mostraram um vídeo de uma manifestação realizada por moradores de uma comunidade próxima (no distrito de Calama) dizendo que gostariam de fazer o mesmo em Nazaré: levantar cartazes e mostrar que não aguentam mais a falta das aulas. ‘Lá funcionou’, mas também a maior parte dos que ali residem não dependem de voadeira, lembrou. ‘A gente quer estudar, mas não consegue’.

Amazônia Real – Como você conseguiu deixar as crianças à vontade para falar de um problema tão sério?

Thaís Espinosa – Acredito que o fato da minha ida à comunidade não estar atrelada à realização de uma reportagem contribuiu para o resultado final. Foi muito orgânico mesmo. A reportagem surgiu da angústia de presenciar seus relatos por meio de uma conversa que surgiu naturalmente, e pensar que eu não seria capaz de reproduzir aqueles olhares através de um relato pessoal. Elas estavam com algo entalado na garganta e esperançosas para serem vistas. O fato de eu já as conhecer acho que também ajudou.

Amazônia Real – Como você reagiu às declarações das crianças?

Thaís Espinosa – Foi angustiante porque representa uma violação de direitos. Desde muito cedo elas estão enfrentando dificuldades. Para ser professora, médica, ou o que elas decidirem no futuro, muitas oportunidades já foram roubadas.

Uma das cenas mais fortes para mim foi quando a Jhenifer disse sentir falta de um monte de coisa, parou de falar e ficou olhando o horizonte, como se fosse uma mistura de relembrar o seu passado na escola e tudo o que representava: ver os amigos, fazer brincadeiras, aprender sobre o mundo… e pensar, ainda que tão jovem, o que será de seu futuro, mediante essa situação.

Eduardo, o Dudu, no seu lugar preferido da biblioteca
(Foto: Thaís Espinosa/Amazônia Real)

Amazônia Real – O que mais lhe chamou atenção na falta de educação em Nazaré por causa de corrupção?

Thaís Espinosa – Falsas promessas de retorno, e falta de transparência com a população. Em 1º de abril foi informado o retorno às aulas. O dia da mentira foi marcado como a primeira promessa às famílias, professores e estudantes, esta mentira se prolongou com mais previsões de retorno, alimentando nas pessoas expectativas e constantes frustrações. Alguns pais de alunos comentaram que só não mandaram seus filhos para estudar em Porto Velho ou Calama porque sempre era anunciado o retorno. Alguns se sentem culpados por isso, mas mesmo nessa circunstância, a possibilidade de mandar o filho estudar em outra localidade, longe das famílias e de seu convívio afetivo, configura- se como uma agressão, é uma vergonha. O que mais me impressionou foi essa demora, educação é direito básico e a situação deveria ser tratada, desde o começo, como caráter emergencial. Deixar estudantes 10 meses sem aulas é inadmissível. A lei aplica uma penalidade para os pais que deixam de matricular seus filhos na idade escolar, sendo considerado crime de abandono intelectual. Pois bem, o artigo 227 da Constituição diz que “é dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação (…)” E quando o ente provedor da escola deixa de cumprir com o seu papel? O ano letivo começou na região no dia 04 de outubro. Estava nas comunidades quando retornaram as aulas, e isso está longe de representar uma vitória, por que as condições ainda são muito precárias. As aulas voltaram, mas sem planejamento, sem merenda e em algumas comunidades falta professor. Esse é o cenário.

Os vencedores do 3o. Prêmio Radiotube 2019
(Foto: Criar Brasil)

Conheça os vencedores do 3º. Prêmio Radiotube Jornalismo Cidadão 2019. O júri foi formado pelos jornalistas Luciana Barreto, Gizele Martins e João Paulo Malerba. A ordem alfabética está por produção:

Áudio:

• #3 Minutos: os perigos do cyberbullying entre jovens – Isabelli Neckel – Rádio Federal FM, 107.9 – Pelotas/RS
• Criança e Direito à Leitura – Nice Lima e Edson Peixoto Júnior – Paulista/PE
• Trabalho infantil: entre o sagrado e o profano no Pará – Celso Freire – Rádio Unama – Ananindeua/PA

Vídeo:

• Refugiados urbanos: a desterritorialização da criança e do jovem pelo conflito entre facções – Alana Oliveira – Fortaleza/CE

• Sem aulas há nove meses, crianças vão à biblioteca por conta própria, em Rondônia – Thaís Espinosa, colaboração Gabriela Rabaldo – Agência Amazônia Real – Porto Velho/RO

• A cor da minha história – Maria Rita Guedes e Jusciane Matos – Brasília/DF

Os jurados decidiram conceder ainda uma menção honrosa para áudio e uma para vídeo.

Menção Honrosa Áudio:

• Proinfância: Atraso na entrega de creches e escolas compromete educação infantil – Géssika Costa – Rádio Correio AM 1200 – Maceió/AL

Menção Honrosa Vídeo:

• A importância do conhecimento. Rodrigo Pépe, Alana Castello – São Paulo/SP

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