A exploração da TI Waimiri-Atroari/AM e a Copa do Mundo

Por Amazônia Real Publicado em: 09/06/2014 às 14:35

Aldeia Waimiri Atroari. (Foto: ISA/Henrique Cavalleiro, 1999)

RENAN ALBUQUERQUE

A hidrelétrica de Balbina, em Presidente Figueiredo, ao norte de Manaus/AM, serviu de pretexto para reforçar a existente exploração de minério em área indígena ao largo da represa, onde se instalou uma gigante do setor privado no fim da década de 1970. De modo que, nos últimos 30 anos, a situação dos Waimiri-Atroari tem sido marcada por pressões do Grupo Minsur (antigo grupo Paranapanema, que também agredia simbolicamente os Waimiri-Atroari) e da Eletrobras. Hoje, a repetir o que fora feito no passado, nota-se a publicidade em função de discursos oficiais.

A estatal e a Fundação Nacional do Índio divulgaram no início de 2012 relatório ressaltando a existência de 1,5 mil índios Waimiri-Atroari, com uma taxa de crescimento de 6% ao ano, a montante da usina. O documento ressaltava que “a situação dos índios antes do início do programa (convênio com a Funai), em 1988, era diferente. A população contava com 374 pessoas, havia pequenas roças e dependência alimentar externa”⁽¹⁾. No site da Eletrobras (www.eln.gov.br) foi destacado que “a cultura [dos Waimiri-Atroari] estava em processo de perda de valores, não se realizando mais as principais manifestações de seu patrimônio cultural. Na educação, as escolas não existiam e eles desconheciam a escrita” (2).

O documento, com elogios à gestão da TI Waimiri-Atroari, segue sublinhando que “[…] no campo da saúde, o quadro era de epidemias. A terra não estava delimitada e havia situação fundiária irregular. Hoje é totalmente diferente. Na produção observam-se grandes roças, estoque de animais para abate (peixes e gado) e total independência alimentar. Houve o resgate de todas as práticas culturais e de sua dignidade como povo indígena. Na educação, são 21 escolas com 60 professores indígenas, 63,4% dos Waimiri-Atroari alfabetizados e o restante em processo de alfabetização”.

O programa de auxílio social aos Waimiri-Atroari (PWA, Funai/Eletronorte) foi criado em 1988 para ser uma ação afirmativa da estatal em face aos impactos à TI, mas os dados acerca das atividades desenvolvidas na aldeia são controversos e de difícil acesso devido ao controle informacional exercido pela governabilidade estatal local A fragmentação dos relatórios impede a verificação da veracidade das informações, o que dá margem a suposições de que a política indigenista praticada foi falha.

A empresa de geração e distribuição energética já foi investigada por suspeita de manipulação de indígenas e cooptação de lideranças. Por isso, coordenadores do PWA expulsaram pesquisadores da TI, a fim de modelar opiniões a respeito de supostos benefícios que estariam sendo oferecidos por meio de promessas para a etnia, dona de uma área que foi desmembrada da reserva indígena através de atos oficiais do regime militar (4).

Segundo Egydio Schwade, membro da Comissão da Verdade que investiga o extermínio de índios na época da Ditadura, a Funai esteve por mais de 20 anos dentro da área e nunca se interessou por alfabetizar os índios, e nem deixou funcionários seus aprenderem a língua. O único linguista que a Funai tinha na época (1985-1986), durante o processo de avaliação do trabalho de Egydio, fez um relatório favorável ao indigenista, insistindo com a Fundação para que desse a ele a organização de todo o programa [educacional] na aldeia. “Mas pouco depois fomos expulsos […] e Stephen Baines (pesquisador da UnB/CNPq) foi expulso como nós” (5).

Nesse período, os educadores Egydio Schwade e sua esposa, Doroti Schwade, bem como os antropólogos Stephen Baines, da Universidade de Brasília (UnB), e Márcio Ferreira da Silva, do departamento de Antropologia da Universidade de Campinas (Unicamp), trabalhavam com pesquisa na área e tiveram de sair da aldeia sob ameaças. Não puderam completar os estudos etnográficos e foram convidados a deixar a TI sob pena de prisão, caso não obedecessem às determinações.

Márcio Silva, ao avaliar a interposição do Estado na educação indígena, criticou o posicionamento governamental em relação ao trato com membros da etnia. A análise dele se pautou na espécie de trancamento dos índios a opiniões externas que não corroborassem aos planos do PWA. E mesmo que tivessem sido propostos pela Amazonas Energia novos interesses ao Estado de direito indígena, à boa governança, à democracia e aos direitos humanos dentro da aldeia, a autodeterminação estaria comprometida pela ressignificação de mundo imposta ao aldeados.

Bem, mas em que medida se dá a questão da Copa no entreverso deste artigo, que em sua completude (até o momento) retratou uma época passada relacionada à mineração em terras Waimiri-Atroari? Simples e direto: o que tentamos propor como correlação foi o fato de que o mesmo modelo desolador forjado como exemplo para o desenvolvimento na Amazônia em tempos idos – violentador de índios, rurais e ribeirinhos – hoje se materializa novamente, no âmbito da Copa do Mundo de 2014. Trata-se, como descreveu Sandra Quintela em artigo para o site Adital (adital.com.br), do verso e reverso de uma mesma moeda: a privatização da vida, das cidades, das florestas.

Se para organizar um proposto desenvolvimento amazônico é necessário recorrer a um agente externo e privado, a Fifa, que desconhece e ignora totalmente o que significa o bioma, isso parece ser um concreto sintoma de que o Estado brasileiro transfigurou o papel de fomentador da maior floresta tropical do planeta em aspectos de aberração.

(1) c.f.: http://www.eln.gov.br/ opencms/opencms/pilares/meioAmbiente/programasIndigenas/waimiri/, acessos em 5 de março de 2014.

(2) (ID., op. cit.).

(3) (IB., op., cit.).

(4) BAINES, Stephen Grant. Waimiri-Atroari Resistance in the presence of an indigenist policy of ‘resistance’. Critique of Anthropology, 1999, Vol. 19 (3): 211-226.

MAREWA. Movimento de Apoio à Resistência dos Povos Waimiri-Atroari. Balbina, catástrofe e destruição na Amazônia: MAREWA, 1987.

(5) Egydio Schwade, educador social, morador há mais de 25 anos de Presidente Figueiredo, sede de Presidente Figueiredo, pesquisa de campo autoral, 2009.

Renan Albuquerque é professor e pesquisador do colegiado de jornalismo da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e desenvolve estudos relacionados a conflitos e impactos socioambientais entre índios waimiri-atroari, sateré-mawé, hixkaryana, junto a atingidos pela barragem de Balbina e com assentados da reforma agrária.

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Amazônia Real

A agência de jornalismo independente e investigativo Amazônia Real é uma organização sem fins lucrativos, criada por jornalistas mulheres em 20 de outubro de 2013, em Manaus, no Amazonas, Norte do Brasil. Sua missão é fazer jornalismo ético e investigativo, pautado nas questões da Amazônia e de seu povo. A linha editorial é voltada à defesa da democratização da informação, da liberdade de expressão, da liberdade de imprensa e dos direitos humanos. ([email protected])