Política

Tráfico de pessoas: Menino haitiano diz que pedirá perdão à sua mãe

O governo do Acre divulgou nesta sexta-feira (20) que o menino haitiano Jalens Volf Auguste, de 16 anos, que há 13 meses foi apreendido com um traficante de pessoas e morou num abrigo na fronteira do Acre, deixou o Brasil […]

Evento político: Governador Tião Viana e o senador Jorge Viana, ambos do PT, e o menino haitiano (Foto: Sergio Vale)

Por Kátia Brasil Publicado em: 20/06/2014 às 17:36

O governo do Acre divulgou nesta sexta-feira (20) que o menino haitiano Jalens Volf Auguste, de 16 anos, que há 13 meses foi apreendido com um traficante de pessoas e morou num abrigo na fronteira do Acre, deixou o Brasil acompanhado de um representante do governo brasileiro rumo à Ilha da Martinica, departamento francês no Caribe, onde vive parte de seus familiares há 7 anos.

Em entrevista exclusiva à agência Amazônia Real por uma rede social, o adolescente disse que quando rever sua mãe, Marie Costime, vai pedir perdão por ter feito a viagem do Haiti na rota da imigração irregular.

“Vou pedir perdão porque eu viajei sem autorização dela”, afirmou Auguste, que teve o nome e fotos divulgados pelo governo do Acre.

O garoto foi apreendido no aeroporto de Rio Branco (AC) no dia 3 de abril de 2013 com o jogador Innocent Olibrice, que à época integrava a equipe de atletas do time acriano Rio Branco, e foi preso pela Polícia Federal sob acusação de envolvimento com uma rede de “coiotes”, traficantes de pessoas.

De 4 de abril do ano passado a primeira semana do mês de junho deste ano, Jalens Volf Auguste morou no abrigo público Instituição de Acolhimento Regional do Alto Acre – Crianças e Adolescentes, em Epitaciolândia, na fronteira com a Bolívia, distante a 243 quilômetros de Rio Branco.

A reportagem da agência Amazônia Real tomou conhecimento do caso do menino haitiano no mês de abril último por meio da pesquisadora e professora Letícia Mamed, do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Acre (UFAC) e começou a apurar um dos casos mais complexos da imigração haitiana na Amazônia até o momento.

“O garoto se sente esquecido e abandonado no abrigo (pelas autoridades da imigração). O que ele mais deseja é encontrar seus familiares na Martinica”, disse a pesquisadora Letícia Mamed na ocasião.

A situação do adolescente era de conhecimento do governo do Acre, do Ministério Público Estadual, do Ministério das Relações Exteriores e da imprensa acriana, mas a Embaixada da França não aceitava conceder o visto de entrada ao menino porque sua a mãe está em situação irregular na Martinica. Com a publicação da reportagem na imprensa nacional e internacional, até um casal de São Paulo procurou o governo do Acre para pedir a guarda do garoto.

Diante da repercussão do caso, os senadores Jorge Viana (PT) e Ricardo Ferraço (PMDB-ES), presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, foram à Embaixada da França solicitar a concessão do visto do menino ao embaixador da França no Brasil, Denis Pietton. No dia 7 de junho, o senador Jorge Viana entregou pessoalmente o passaporte carimbado ao garoto em um evento político com a participação de imigrantes e de seu irmão, o governador do Acre, Tião Viana (PT).

Ele aproveitou o evento com o menino haitiano para rebater as críticas que recebeu depois que despachou imigrantes para São Paulo e fechou um abrigo na cidade de Brasileia.

“O maior traço civilizatório é o acolhimento e a receptividade. E foi dessa maneira que resolvemos agir no Acre. Outros povos do mundo querem impedir a entrada de imigrantes com armas e força. E aqui conduzimos o caso do Auguste com o coração”, disse Tião Viana, governador do Acre.

Leia a entrevista com o menino haitiano Jalens Volf Auguste concedida nesta quinta-feira (19) à agência Amazônia Real.

Você vai reencontrar sua mãe na Martinica. O que vai dizer a ela?

Auguste – Vou pedir perdão porque eu viajei sem autorização dela

Como assim, ela não sabia de sua viagem ao Brasil em 2013?

Auguste – Só minha irmã. Minha mãe não sabia. Eu queria viajar só pra conhecer países estrangeiros, inclusive o Brasil, país do meu coração. Minha mãe está na Martinica há 7 anos, foi procurar um trabalho melhor. No terremoto (de 2010) no Haiti, meu irmão morreu, ele tinha 30 anos. Somos agora oito irmãos, três estão na Martinica. Meu destino era a Martinica.

Você viajou do Haiti para o Brasil acompanhado por alguma pessoa?

Auguste – Sim, um amigo de 28 anos. Ele está aqui no Brasil. Viajamos de avião e de ônibus para chegar em Assis Brasil (no Acre, fronteira com Peru).

O que aconteceu entre o jogador Innocent Olibrice e você?

Auguste – Ele foi preso, mas saiu depois de 30 dias. Eu gastei 3.000 dólares (cerca de R$ 6 mil).

Mas ele foi preso por tráfico de pessoas. Sua família negociou com ele para você viajar?

Auguste – Minha irmã conheceu ele, eu não sei de nada. Parece que fomos enganados.

O que foi mais difícil no abrigo de Epitaciolândia?

Auguste – Não conseguir passear sozinho. Eu não tinha liberdade. O abrigo nos considera como internos. Não tinha acesso à liberdade sem autorização judicial.

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Kátia Brasil

Kátia Brasil é co-fundadora e editora executiva da agência de jornalismo independente e investigativo Amazônia Real, com sede em Manaus (AM). Recém formada pela Faculdade Hélio Alonso, no Rio de Janeiro, foi morar na Amazônia no início do ano de 1990. Trabalhou na TV Cultura e jornais O Globo, A Gazeta de Roraima, O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo. Entre os prêmios que ganhou estão o Esso Regional Norte 1991 e Women Journo Heroes (#JournoHeroes), da International Women’s Media Foundation (IWMF), em 2019, Prêmio Abraji, em 2020, Vladimir Herzog e Comunique-se, ambos em 2021. É uma das jornalistas brasileiras +Admiradas Negras da Imprensa Brasileira, em 2024. É diretora editorial do Projor/Observatório da Imprensa. Conselheira do Tornavoz e RBJA, e membra da Comissão da ABI Ambiental. Foi eleita em 1o. lugar Região Norte do Prêmio TOP 100 +Admirados Jornalistas Brasileiros. Integra o forbiddenstories.org, o Fórum Permanente das Mulheres de Manaus (FPMM) e o Coletivo Mães Pela Diversidade em defesa das pessoas LGBTQIAPN+. ([email protected])