Copa do Mundo, Queimadas e o Sauim-de-Coleira

CARLOS DURIGAN À época das articulações e mobilização para fazer de Manaus uma das cidades-sede para a Copa do Mundo de futebol em 2014, o Governo do Estado buscou através de sua Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, a […]

Por Amazônia Real Publicado em: 18/08/2014 às 12:52

O Sauim-de-Coleira captado pelo fotógrafo Diogo Lagroteria

CARLOS DURIGAN

À época das articulações e mobilização para fazer de Manaus uma das cidades-sede para a Copa do Mundo de futebol em 2014, o Governo do Estado buscou através de sua Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, a SDS, engajar as principais instituições com atuação socioambiental no Amazonas com a promessa de que, este evento traria a Manaus, além de todas as benfeitorias urbanas alardeadas, um diferencial que seria o de dar visibilidade à agenda do desenvolvimento sustentável e da conservação da biodiversidade no estado, arrebanhar recursos para as nossas áreas protegidas, dando ao evento um algo a mais, destacando a importância destas agendas na Amazônia, utilizando-se da grande atenção que o evento geraria para a região.

No auge desta mobilização, testemunhamos inclusive a entrega do Certificado “Amigo do Amazonas, da Floresta e do Clima”, criado pela Lei Estadual de Mudanças Climáticas em 2007, aos senhores representantes da CBF e FIFA, por sua demonstração de interesse em serem supostamente articuladores de uma Copa do Mundo ecofriendly, ou ainda serem apoiadores das inúmeras iniciativas positivas em curso no Amazonas, que poderiam ser beneficiadas pelo evento e seus subprodutos. Um reconhecimento inédito e único até hoje e que de nada adiantou para sensibilizar as respectivas empresas, como pudemos ver.

Passada a euforia da Copa e da festa que proporcionou, não é difícil concluirmos que de tanto feito por ela, pouco se destinou realmente a deixar qualquer legado realmente positivo no que se propunha em termos de melhorias urbanas. E ainda, se consideramos todo o potencial imaginado em termos sociais e ambientais, mesmo com muito esforço fica difícil encontrar resultados positivos e práticos, tão alardeados e esperados com a mobilização e o marketing inicialmente proposto.

Uma Pena! Perdemos uma oportunidade de fazer algo diferente, como sempre. Terminada a festa, seguimos tão vazios de boas perspectivas quando começamos, ou seja, a Copa do Mundo não deixou de fato o que prometeu.

Seguimos nossas vidas, reclamando ou ouvindo o mesmo de quem está próximo, de como está difícil viver em Manaus, a falta de mobilidade, piora nos serviços em geral, etc, etc.

Para piorar a situação, entramos agora no período de verão amazônico quando poderemos sentir na pele a piora na nossa já frágil qualidade de vida. Com a diminuição do volume de chuvas, iniciam-se também as queimadas dentro e fora do espaço urbano. A fumaça das queimadas junta-se à poluição emitida pela imensa frota de veículos da cidade e o resultado é um aumento expressivo nos casos de problemas respiratórios da população. Fragmentos florestais que poderiam estar protegidos, garantindo serviços ambientais à população e ajudando a regular o clima da cidade, ora são ameaçados por grandes empreendimentos imobiliários, ora por grandes avenidas, ou ainda por invasões orquestradas politicamente. A baixa pluviosidade também reduz o volume de água nos rios e igarapés da cidade, expondo um grande volume de resíduos sólidos e aumentando a concentração dos esgotos domiciliares e industriais que em sua quase totalidade não recebe nenhum tipo de tratamento, o que também contribui para a disseminação de uma série de problemas de saúde para os manauaras, e por aí seguimos.

Uma lástima ainda convivermos com problemas que poderiam ser sanados se realmente tivéssemos gestores públicos comprometidos em investir tempo e recursos para nos oferecer melhorias reais, e não apenas discurso e ações de mídia, como a que vimos no movimento que antecedeu ao evento Copa do Mundo em Manaus. Tivemos uma bonita festa dentro do estádio, mostramos nossa receptividade e alegria a tantos visitantes e mais nada. Voltamos enfim à nossa rotina de reféns de políticas públicas equivocadas e enviesadas.

Neste cenário caótico em que vivemos, mesmo depois de tantas promessas pré-Copa e ainda tantas que vêm e virão, um destaque à situação em que vive um dos ícones da vida silvestre ameaçada da Amazônia e um dos símbolos de Manaus, o Sauim-de-Coleira, espécie que para sua infelicidade tem sua área de vida coincidente com a região metropolitana de Manaus. Mesmo com os esforços de algumas instituições e pessoas em prol de sua conservação, é difícil vislumbrar um cenário positivo para esta e outras espécies que insistem em conviver conosco no espaço urbano. Irônica e paradoxalmente, a cidade que toma para si a imagem do Sauim-de-Coleira como um de seus símbolos é a mesma que o destrói.

O legado que estamos deixando para nossos filhos e netos nada mais é do que uma árdua missão de tentar reverter este processo de degradação estabelecido e que persistirá se nossos gestores insistirem em seus discursos e promessas vazias, assim como se nós não insistirmos no nosso desejo por mudanças positivas e concretas que nos garanta qualidade plena de vida numa Amazônia conservada.

Carlos Durigan é geógrafo, mestre em Ecologia, vive e atua na Amazônia há 20 anos. Participa de pesquisas multidisciplinares envolvendo estudos e trabalhos de campo em biodiversidade e sociodiversidade para subsidiar ações em Unidades de Conservação e Terras Indígenas. Atualmente é Diretor do Programa Amazônia da WCS-Brasil (Associação Conservação da Vida Silvestre).

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

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