Política

Brasileiras presas por contrabando de alimentos dividem um colchão para dormir em cadeia da Venezuela

ANDREZZA TRAJANO, DE BOA VISTA (RORAIMA) No próximo sábado, 25 de outubro, véspera da eleição presidencial mais acirrada na história da democracia do Brasil, completam dois meses que duas brasileiras estão presas por acusação de contrabando na Venezuela. Elas serão julgadas […]

Movimento de turistas brasileiros caiu na fronteira da Venezuela (Foto: Jorge Macêdo)

Por Amazônia Real Publicado em: 21/10/2014 às 14:41

ANDREZZA TRAJANO, DE BOA VISTA (RORAIMA)

No próximo sábado, 25 de outubro, véspera da eleição presidencial mais acirrada na história da democracia do Brasil, completam dois meses que duas brasileiras estão presas por acusação de contrabando na Venezuela. Elas serão julgadas por transporte ilegal de gêneros alimentícios e produtos de higiene pessoal com venda proibida, conforme decreto baixado pelo presidente Nicolás Maduro.

Após apuração junto a fontes da diplomacia dos dois países e a familiares das brasileiras, a reportagem da agência Amazônia Real descobriu que elas são irmãs. Lucineide Silva, 28 anos, e Luciana Pereira, 24 anos, estão presas desde o dia 25 de agosto numa cadeia feminina de Puerto Ordaz, distante a 700 quilômetros da fronteira do Brasil.

Segundo parentes das duas brasileiras localizados pela reportagem na cidade de Boa Vista, capital de Roraima, mas que pediram para não terem os nomes divulgados, as condições da cadeia são precárias. As duas irmãs dividem uma pequena cela com outras presas. Também dividem um colchão de solteiro, que foi levado pela família. Sem cama para as duas na cela e para diminuir o desconforto, a opção é uma dormir sentada numa cadeira.

A família de Lucineide e Luciana diz que é também responsável por enviar à cadeia, por meio de uma amiga venezuelana que mora em Puerto Ordaz, comida e água para elas todos os dias. Também arcam com despesas de um advogado venezuelano. As duas irmãs têm filhos, que estão com os parentes em Boa Vista. Lucineide é mãe de um bebê.

A reportagem não conseguiu localizar o advogado das brasileiras, Nelson Paez para falar sobre a situação delas na cadeia.

Conforme o Ministério das Relações Exteriores, em Brasília, Lucineide e Luciana foram à primeira audiência no Tribunal de Controle Penal de Ciudad Guayana no dia 8 último. A reportagem apurou que elas não foram ouvidas pela juíza que analisa o caso. Na audiência, apenas as testemunhas de defesa prestaram depoimento.

Lucineide Silva e Luciana Pereira foram detidas por militares do Exército da Venezuela na cidade de Santa Elena de Uairén, a 220 quilômetros de Boa Vista, em Roraima. Segundo o Ministério das Relações Exteriores do Brasil, o Itamaraty, as duas brasileiras transportavam produtos alimentícios e de higiene pessoal, que são considerados contrabando pela legislação do país vizinho conforme decreto do presidente Nicolás Maduro.

As brasileiras foram transferidas de Santa Elena para a cadeia feminina de Puerto Ordaz. Após denunciadas pelo crime de contrabando, elas passaram para condição de presas e aguardam julgamento, sem data prevista ainda.

Familiares de Lucineide e Luciana afirmam que elas podem ser ouvidas em depoimento na próxima sexta-feira (24). Eles dizem que elas podem ser libertadas da cadeia nesta ocasião.

O Itamaraty disse que “ainda não foi definida data para segunda audiência do processo” das brasileiras.

Segundo os parentes, quando foram presas as duas irmãs transportavam aproximadamente R$ 500,00 em produtos para consumo próprio. Eles dizem que elas desconheciam o decreto do presidente Nicolás Maduro, uma vez que a legislação havia sido publicada apenas há três dias e não tinha divulgação no Brasil.

Polícia dentro dos supermercados

O decreto foi baixado no dia 22 de agosto e proibiu a venda para exportação de 21 produtos da cesta básica. Entre os alimentos estão arroz, feijão, café, óleo, margarina, açúcar, produtos da higiene pessoal, medicamentos, materiais escolares e da construção civil, entre outros.

O objetivo da medida é combater o contrabando nas fronteiras com o Brasil e a Colômbia e diminuir a escassez de alimentos aos cidadãos venezuelanos, provocada pela alta da inflação no país. O decreto determina prisão de seis meses a 14 anos, além de apreensão do veículo para quem descumprir a Lei de Preços Justos.

Ainda para coibir o contrabando de alimentos na Venezuela, o governo de Maduro adotou um sistema biométrico nas redes de supermercados públicas e privadas. A medida, que entrou em vigor este mês em Caracas, impede que os consumidores comprem o mesmo produto duas vezes. Para evitar a comercialização irregular dos produtos, o governo colocou policiais dentro dos estabelecimentos.

Sem definição de liberdade

A reportagem da agência Amazônia Real procurou o Ministério das Relações Exteriores, em Brasília, para obter informações sobre o apoio diplomática às duas brasileiras na Venezuela.

O Itamaraty disse que “atua em caso de detenção de nacionais brasileiros no exterior, para garantir que lhes seja garantido o mais amplo direito de defesa e que sejam mantidos em condições adequadas, porém sem interferência em decisões do Poder Judiciário local, de acordo com convenções internacionais como as Convenções de Viena sobre Relações Diplomáticas e Consulares. Da mesma forma atuam missões diplomáticas estrangeiras no Brasil quando nacionais seus são aqui detidos por violações da legislação brasileira”.

Sobre informação de uma possível liberdade das duas irmãs na próxima audiência, o Itamaraty disse que “é necessário esperar o decurso normal do processo na Justiça da Venezuela”.

O Itamaraty afirmou que as duas brasileiras serão julgadas estritamente por contrabando de gêneros alimentícios e produtos de higiene pessoal, conforme previsto no Decreto nº 1190 de 22/08/2014.

Com relação a limitação do valor de R$ 2 mil para o transporte de mercadorias compradas por brasileiros na Venezuela, medida do país para evitar novas prisões, o Itamaraty disse que as brasileiras não serão beneficiadas pela medida uma vez que transportavam mercadorias tipificadas como contrabando, conforme a legislação do país.

Segundo o Itamaraty, não houve registro de outras detenções de brasileiros em virtude do decreto do presidente Nicolás Maduro.

Já imprensa da Venezuelana noticiou que 794 venezuelanos foram presos por acusação de contrabando desde que o decreto do presidente Nicolás Maduro entrou em vigor.

Para cônsul da Venezuela decreto não afetou turismo

Cônsul-adjunto da Venezuela em Roraima, José Martí Uriana Morán (Foto: Andrezza Trajano)

Desde que o decreto do presidente Nicolás Maduro entrou em vigor no país há dois meses, o fluxo de turistas brasileiros diminuiu nas viagens ao país vizinho. O principal destino, a cidade de Santa Elena de Uairén, distante 215 quilômetros de Boa Vista, capital de Roraima, está com o comércio desaquecido, apesar dos preços atrativos que chegam a ser até 300% mais baratos que no Brasil.

Os turistas que partem de Roraima e do Amazonas nos finais de semana para Santa Elena, dizem que não querem se arriscar nas compras.

Em entrevista à agência Amazônia Real, o cônsul-adjunto da Venezuela em Roraima, José Martí Uriana Morán, afirma que a medida afeta apenas os contrabandistas. Ele disse que não há prejuízos ao turismo.

O cônsul disse que os brasileiros podem comprar os produtos com a venda restrita, desde que seja para consumo durante turismo da Venezuela. Em hipótese alguma se deve burlar a lei.

Turista brasileiro não é contrabandista. Turista é turista, será sempre bem-vindo à Venezuela”, afirmou Morán.

Apesar de as forças policiais venezuelanas terem intensificado a fiscalização na fronteira do Brasil com a Venezuela, Morán observa que o maior registro de contrabando está na fronteira com a Colômbia.

“O contrabando para o Brasil é mínimo ao ser comparado com a Colômbia, que tem uma fronteira marítima, difícil de ser controlada”, disse, explicando que os produtos contrabandeados por lá também são levados para Trinidad e Tobago, Aruba e Curaçao.

Segundo José Morán, a Venezuela tem uma “particularidade” importante para a economia do país, o petróleo. “O recurso petrolífero permite contar com um ingresso extraordinário de divisas, que por sua vez permite importar 50% dos produtos da cesta básica. E o Brasil é um dos nossos principais fornecedores”, destacou.

O cônsul-adjunto diz que o petróleo “se converteu na economia do país, e, por essa razão, sua produção é até mesmo mais importante que a produção de alimentos”. “O petróleo subsidia os alimentos de grande parte da população pobre. E é nessa cadeia que surge o contrabando”, acrescenta Morán.

Reportagem Noticiosa

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