A Amazônia segundo Lúcio Flávio Pinto

O planejamento de volta

Por Lúcio Flávio Pinto Publicado em: 05/11/2020 às 18:36

O primeiro plano de desenvolvimento regional no Brasil foi destinado à Amazônia, com vigência a partir de 1953. O órgão executor foi a SPVEA – Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia, do governo federal. Tinha todas as possibilidades de dar certo. Afinal, eram-lhe destinados 3% da receita líquida da União. Verba certa e significativa.

Nunca esse dinheiro caiu na conta. Só era liberada uma fração do valor total. A SPVEA desapareceu em 1966, substituída pela Sudam, a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia, Sua função seria acelerar a ocupação física da Amazônia, principalmente através da pata do boi, atividade com a qual os novos bandeirantes, sobretudo das regiões sul e sudeste estavam mais afeitos.

Imensas fazendas foram formadas através da colaboração financeira da Sudam, à custa de destruição da natureza, apropriação de vastas extensões de terras, trabalho escravo, violência e conflitos. A fronteira, que deveria ser a terra da promissão, onde, finalmente, os despossuídos se transformariam numa inédita classe média rural, fechou por dentro, à frente de milhares de porteiras bloqueando o acesso à propriedade por posseiros, peões e colonos.

O último plano efetivo da Sudam teria vigência quinquenal, entre 1975 e 1979. O general Geisel, em cujo governo o II PDA (Plano de Desenvolvimento da Amazônia) foi concebido, transferiria o comando ao general Figueiredo deixando-lhe a régua e o compasso para seguir as diretrizes fixadas desde o primeiro ano do seu mandato, de cinco anos.

Ao invés de seguir as estradas de integração, assentando imigrantes em suas margens, o governo atrairia grandes empreendimentos internacionais carentes de energia para produzir e dependentes de matérias primas (especialmente minérios) das quais não tinham suprimento próprio.

Na verdade, o II PDA permaneceu em vigência até hoje. Colocou a Amazônia brasileira em alguns dos principais circuitos internacionais de mercadorias, oferecendo mercadorias geradas graças a algumas das maiores hidrelétricas do mundo, ferrovias e rodovias das mesmas dimensões, portos em águas profundas e outros elementos de um logística especializada na exportação.

Investimentos intensivos em capitais e tecnologia, associados a transações transcontinentais, criaram um mundo à parte em torno de minas como as de Carajás e em plantations de soja. Sem condições de acompanhar a implantação desses nichos de produção, a Amazônia perdeu o efetivo controle das atividades favorecidas por esse modelo econômico avalizado diretamente pelo poder central, em Brasília.

Sem poder antecipar os desdobramentos desses novos negócios, o planejamento perdeu a sua finalidade, tanto técnica quanto política. Os centros do conhecimento perderam efetividade, já que suas pesquisas não têm aplicação prática, e as lideranças políticas se tornam caudatárias dos centros de decisão situados fora da região.

Embora o conflito comercial e geopolítico da China com os Estados Unidos interesse profundamente à Amazônia, tem sido como se a disputa acontecesse em Marte. No entanto, a China é a maior compradora do principal produto de exportação da Amazônia (e o segundo do Brasil), que é o minério de ferro. Os chineses também são donos das maiores linhas de transmissão de energia das hidrelétricas do Pará e de Rondônia.

Estão igualmente interessados em assumir o controle das ferrovias em operação ou projetadas. Estabelecem, portanto, um sistema logístico integrado para garantir o fluxo de produtos que lhes interessam. A população amazônica, quando muito, apenas sabe o que acontece no dia a dia, sem uma compreensão do que significa e qual a sua possibilidade de participação nesse processo.

A volta do planejamento é vital para permitir a contextualização dos acontecimentos. Mais do que isso, para oferecer instrumentos de antevisão dos desdobramentos dessas iniciativas, intervindo nos fatos para ajustar – e subordinar – as iniciativas isoladas ou setorizadas ao interesse regional e nacional.

Parte da nova feição internacionalizada da Amazônia se consumou sob a liderança do Japão, principalmente na criação do polo de alumínio, alumina e bauxita, no Pará, em atividade há 35 anos. Provavelmente essa história só será bem conhecida quando os arquivos japoneses relativos a esse polo se abrirem daqui não se sabem ainda quantos anos. E os chineses, que seguem uma dinâmica ainda mais acelerada e ampla?

Já que os governos estaduais nada planejam há décadas, por isso deixando de exercer uma função de antecipação, a tarefa pode ser assumida pelas universidades públicas da região, estaduais e federais. Elas poderiam implantar uma rede interuniversitária de verdade, incumbida de sondar e rastrear as pegadas da ação de investidores estrangeiros e nacionais, através de um instituto ou centro de estudos internacionais, com ênfase na China. Também é preciso criar elos entre as universidades e as sociedades locais para que tudo não acabe em atividades acadêmicas intramuros, enquanto a história se realiza do lado de fora.

A imagem deste artigo mostra o ex-presidente, general Ernesto Geisel (1907-1996) e o ex-governador de São Paulo Laudo Natel (1920-2020) na formatura dos novos Aspirantes da F.A.B. em 1974 (Foto: Guaranha/Arquivo Público de SP)

Além de colaborar com a agência Amazônia Real, Lúcio Flávio Pinto mantém quatro blogs, que podem ser consultados gratuitamente nos seguintes endereços:

* lucioflaviopinto.wordpress.com – acompanhamento sintonizado no dia a dia.

* valeqvale.wordpress.com – inteiramente dedicado à maior mineradora do país, dona de Carajás, a maior província mineral do mundo.

* amazoniahj.wordpress.com – uma enciclopédia da Amazônia contemporânea, já com centenas de verbetes, num banco de dados único, sem igual.

* cabanagem180.wordpress.com – documentos e análises sobre a maior rebelião popular da história do Brasil.

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Lúcio Flávio Pinto

Lúcio Flávio Pinto é jornalista desde 1966. Sociólogo formado pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em 1973. Editor do Jornal Pessoal, publicação alternativa que circula em Belém (PA) desde 1987. Autor de mais de 20 livros sobre a Amazônia, entre eles, Guerra Amazônica, Jornalismo na linha de tiro e Contra o Poder. Por seu trabalho em defesa da verdade e contra as injustiças sociais, recebeu em Roma, em 1997, o prêmio Colombe d’oro per La Pace. Em 2005 recebeu o prêmio anual do Comittee for Jornalists Protection (CPJ), em Nova York, pela defesa da Amazônia e dos direitos humanos. Lúcio Flávio é o único jornalista brasileiro eleito entre os 100 heróis da liberdade de imprensa, pela organização internacional Repórteres Sem Fronteiras em 2014. Acesse o novo site do jornalista aqui www.lucioflaviopinto.com.

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2 Comentários

Enoque Gonçalves nobrega disse:

05/01/2021 às 04:00

Muito bom seu trabalho.o

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Davilson Brasileiro disse:

08/11/2020 às 09:33

Caro Lúcio Flávio, porque o CBA Centro de Biotecnologia da Amazônia, continua abandonado e sabotado? Mesmo os militares não se empenham em fazê-lo funcionar! São 18 anos sem nenhuma patente e nem CNPJ conseguem ter! É um caso de lesa-pátria escancarado e consumado. Que interesses estão por trás dessa sabotagem programada? O assunto merece mais divulgação e esclarecimentos, que só um jornalista investigativo como vc pode trazer à luz! Parabéns, grande abraço!

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