Política

Caos na Pandemia: Pacientes transferidos chegam em estado grave em Teresina

Chegada do avião da Força Aérea Brasileira com pacientes de Covid-19 da capital amazonense (Foto: Thiago Amaral/Amazônia Real) Filha de paciente transferido relata o drama de não receber notícias e o que viu ao entrar em hospitais lotados Por Elaíze […]

15/01/2021 No dia 15 de janeiro de 2021 as 11 horas e 36 minutos chegou em Teresina o avião da Força Aérea Brasileira com 9 pacientes vindo da cidade de Manaus, capital do amazonas depois de o sistema de saúde do estado do Amazonas entrar em colapso por conta da pandemia da COVID 19. (Fotos Thiago Amaral/Amazônia Real)

Por Amazônia Real Publicado em: 15/01/2021 às 22:44

Chegada do avião da Força Aérea Brasileira com pacientes de Covid-19 da capital amazonense (Foto: Thiago Amaral/Amazônia Real)

Filha de paciente transferido relata o drama de não receber notícias e o que viu ao entrar em hospitais lotados

Por Elaíze Farias e Fabio Pontes, da Amazônia Real

A capital do Piauí foi a primeira a receber pacientes transferidos de Manaus pelo governo do Amazonas com chance de não morrerem asfixiados por falta de oxigênio nos hospitais. Nove pacientes chegaram a Teresina, nesta sexta-feira (15), para serem internados na UTI do Hospital Universitário do Piauí: 5 mulheres e 4 homens – foram transportados em uma aeronave da Força Aérea Brasileira (FAB). Dois deles chegaram em estado grave.

O pai de 59 anos da médica veterinária Sabrina Souza, 28 anos, foi um dos pacientes com Covid-19 transferidos para Teresina. Sabrina confirmou a viagem do pai apenas quando viu a imagem dele na televisão de um emissora de Teresina e o reconheceu pela camisa, já que ela achava que sua remoção poderia ter sido suspensa. Disse que não recebeu informações por parte do governo do Amazonas ou do Hospital e Pronto-Socorro 28 de Agosto sobre a transferência do pai. Sabrina contou que viveu horas de angústia por falta de notícias.

“O problema maior é que não passam pra nós quando o nosso familiar doente vai, nem pra onde vai. E em alguns casos, se ainda vai. Todos nós estávamos lá ontem (14) a noite assinando a documentação da transferência, e alguns ainda seguem sem informação 24 horas depois”, disse Sabrina à Amazônia Real, um pouco mais aliviada.

Quando a imprensa passou a informar que 4 dos 13 da lista inicial de transferências não embarcaram, Sabrina ficou aflita. “Todo mundo agoniado. Fiquei sem saber se meu pai foi transferido ou se ele era um dos que ficaram em Manaus”, disse ela, que prefere que o nome do pai não seja identificado. Os médicos não autorizaram a transferência de 4 pacientes porque o estado de saúde deles não ofereceria condições seguras, segundo informou o governo do Amazonas.

O procedimento de transferência também não era claro. Ainda no Hospital 29 de Agosto, onde ele foi atendido na manhã desta quinta-feira, depois de várias peregrinações por hospitais da capital, Sabrina sequer sabia que seu pai seria um dos transferidos. Foi ele próprio que informou, por um celular pessoal. “Ele me comunicou e disse que queria ir, que queria ser transferido. À noite, fomos para frente do 28 de Agosto. Só víamos as ambulâncias, o hospital não falava e ficamos lá, aguardando”, afirmou.

Já em Teresina, também pelo celular que levou, o pai de Sabrina ligou para dizer que estava bem instalado. “O hospital também nos ligou e disse que eles terão apoio psicológico e vamos ter direito a uma vídeo-chamada. Ele me disse que está com oxigênio. Agora está bem, mas ontem foi um susto quando soubemos que poderia ser transferido. Já estávamos todos abalados”, disse.

O avião da Força Aérea Brasileira chegou nesta sexta (15) em Teresina
(Fotos Thiago Amaral/Amazônia Real)

À Amazônia Real, o governo do Amazonas informou que nesta sexta-feira foram removidos 21 pacientes – 9 pela manhã para Teresina e 12 no final da tarde para São Luiz. Os nove pacientes enviados para Teresina estavam internados nos hospitais Platão Araújo e 28 de Agosto.

Segundo o governo, dos pacientes da manhã, quatro não embarcaram por apresentar instabilidade. “Estamos aguardando relatório do embarque da tarde. O paciente precisa concordar com a remoção e alguns pacientes com o perfil de remoção aérea não aceitam terminar o tratamento em outro Estado, o que tem dificultado o preenchimento da lista”, disse nota do governo, à reportagem. Segundo o órgão, o perfil de pacientes para remoção é sintomático respiratório de baixa e média complexidade.

“Os pacientes não têm acompanhantes, mas tanto eles quanto os familiares recebem apoio e acompanhamento psicossocial, serviço realizado pela Força Nacional de Saúde, que atua em parceria com o Estado”, afirma, em nota, o governo.

Em um grupo do Whatsapp, os familiares se perguntavam quem havia ficado em Manaus. A expectativa de um outro voo, previsto para a madrugada desta sexta-feira, levou familiares a comprarem passagem por conta própria. “Oi gente, estou só esperando sair a lista com nome do meu irmão confirmando que ele vai para o Maranhão, mas já fiz a reserva da minha passagem do voo pra eu chegar amanhã à tarde”, disse uma pessoa do grupo.

Remoção de mais de 200 pacientes

Preparativos para receber pacientes de Manaus no Hospital universitário Presidente Dutra em São Luiz, MA (Foto: David Ferreira/Amazônia Real)

Pressionado pela maior crise de saúde desta pandemia, o governo do Amazonas, junto do Ministério da Saúde, decidiu iniciar a transferência de 235 pacientes com Covid-19 nesta quinta-feira. Se permanecessem em Manaus, corriam risco de morte por falta de oxigênio nos hospitais.

Um dia antes, o governo do Amazonas informou que seriam transferidos apenas doentes com estado de saúde considerado “moderado”, para que as condições clínicas não piorassem durante os voos. A maior parte dos hospitais que vão acolher os manauenses está em cidades do Nordeste, cujo tempo de viagem pode durar até cinco horas, sendo necessárias escalas para reabastecimento.

Procurada pela Amazônia Real, a Assessoria de Imprensa do hospital de Teresina informou que o quadro de saúde dos dois pacientes em estado mais grave é estável, e que foram colocados em tratamento intensivo apenas por questão de segurança. Os outros sete encontram-se bem. A faixa etária deles varia entre 50 e 70 anos. Boletins médicos mais detalhados só serão divulgados a partir de segunda-feira, 18.

Segundo o Ministério da Saúde, cada aeronave C-99 tem a capacidade de transportar até 25 pacientes deitados em macas.

A aeronave C-99 da FAB pousou às 11h25 (hora de Brasília) no Piauí. Foram enviadas 11 ambulâncias – incluindo de hospitais privados – para o transporte dos doentes até o Hospital Universitário da Federal do Piauí. Batedores em motocicletas fizeram a escolta para evitar que os veículos ficassem presos no congestionamento.

Dois pacientes em situação mais grave foram transportados em ambulâncias UTI. No HU, todos passaram por novos exames. Os médicos querem saber se eles foram infectados pela nova cepa do coronavírus ou pelo original, sem mutação.

O único contato deles com os parentes vai ser por meio de vídeo-chamadas. Na quinta, em coletiva de imprensa, o governador Wilson Lima (PSC) afirmou que um grupo de trabalho seria criado para dar assistência aos familiares e pacientes enviados para outros estados.

O Ministério da Saúde tinha solicitado ao Piauí a disponibilidade de 30 vagas. Esse número foi reduzido para 15 já que mais leitos foram conseguidos em outros hospitais federais, como os HU do Maranhão e do Rio Grande do Norte. Goiás é o estado que mais deve receber os doentes. Além dos hospitais federais, o Ministério da Saúde requereu 120 na rede pública estadual. O governo de Goiás informou que estava apenas no aguardo de mais informações por parte de Brasília e do governo do Amazonas para receber os infectados.

A luta por cilindros de oxigênio prossegue

UPA José Rodrigues, avenida Camapuã, Cidade Nova, zona Norte
(Foto: Márcio James/Amazônia Real)

Paralelo à transferência dos pacientes, a FAB também tem como desafio levar cilindros de oxigênio até Manaus. A quinta-feira foi marcada por imagens que abalaram todo o país de relatos de pessoas que estavam morrendo nas unidades hospitalares da cidade por conta da ausência de oxigênio. Às 2h30 desta sexta-feira, um C-130 Hércules chegou a Manaus com seis cilindros de oxigênio líquido, totalizando 9.300 quilos de carga. A carga foi embarcada no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo. O governo federal afirma que, apenas essa semana, cinco mil metros cúbicos de oxigênio líquido foram levados para Manaus.

A quantidade não é suficiente para atender a demanda de uma cidade com mais de 2.200 internados com Covid-19, cujo efeito principal é o ataque ao sistema respiratório, provocando a falta de ar. Aqueles que se encontram em estado grave nas UTIs dependem exclusivamente de oxigênio (Leia aqui mais sobre a falta de oxigênio em Manaus).

“Não tem o que fazer aqui, não perde tempo”

Paciente é socorrida pela família na UPA José Rodrigues, na Cidade Nova, em Manaus
(Foto: Márcio James/Amazônia Real)

A médica veterinária Sabrina Souza, que teve o pai transferido com Covid-19 para um hospital de Teresina, no Piauí, conta que ele apresentou sintomas da doença no dia 2 de janeiro. No dia 5 fez teste confirmando a infecção. Desde então, ele vinha se tratando em casa, mas nesta semana sua condição de saúde se alterou para pior.

“A saturação dele caiu na quarta-feira (13) de manhã e teve uma piora brusca. Nós já tínhamos testado positivo. Ele vinha se tratando em casa, tomando corticoides e vitaminas. Levei ele na UBS (Unidade Básica de Saúde) da Nilton Lins e na porta disseram que não iriam atendê-lo. Que não tinha estrutura, nem oxigênio”, relata.

A família levou para outras três unidades do Serviço de Pronto Atendimento: SPA da Cidade Nova, SPA Danilo Corrêa e SPA Alvorada. Somente neste último recebeu um medicamento.

“Quando cheguei em um dos SPA a enfermeira me disse: ‘entra aqui comigo pra você ver a situação’. Vi gente inconsciente, gente morrendo. Saí de lá correndo. No Danilo Correa nem entrei. A enfermeira falou: ‘não tem o que fazer aqui, não perde tempo. Tenta outro lugar’. No SPA do Alvorada vi gente morrendo no corredor, profissionais desesperados. Estavam escolhendo quem tentar salvar. Mas a enfermeira viu que o pé do meu pai estava azul e passou medicação. Em casa, conseguimos um cilindro pequeno que não durou uma hora, mas ele passou a noite estável”, relata.

No dia seguinte, a família conseguiu fazer uma tomografia particular e viu comprometimento dos pulmões, que obrigou uma nova tentativa de atendimento em hospital público.

“Corremos ontem (14) para o 28 de Agosto. Foi pra sala rosa e a médica nos disse que havia a possibilidade dele ser transferido. Dei meu celular e ele foi nos dando notícia”, disse Sabrina Souza à Amazônia Real.

Pacientes transferidos na partida de Manaus (Foto FAB)
Chegada no aeroporto Petrônio Portela em Terezina (Fotos Thiago Amaral/Amazônia Real)
Chegada no aeroporto Petrônio Portela em Terezina (Fotos Thiago Amaral/Amazônia Real)
Chegada no aeroporto Petrônio Portela em Terezina (Fotos Thiago Amaral/Amazônia Real)
Chegada no aeroporto Petrônio Portela em Terezina (Fotos Thiago Amaral/Amazônia Real)
Chegada no aeroporto Petrônio Portela em Terezina (Fotos Thiago Amaral/Amazônia Real)
Governo do Piauí cede EPIs e testes rápidos da Covid-19 para o Amazonas (Foto: Governo do Piauí)
Embarque de Oxigênio para Manaus (Foto: FAB)
Embarque de Oxigênio para Manaus (Foto: FAB)
Transferência do Hospital 28 de agosto em Manaus para o Maranhão (Foto: Márcio James/Amazônia Real)
Transferência do Hospital 28 de agosto em Manaus para o Maranhão (Foto: Márcio James/Amazônia Real)
Transferência de pacientes com covid-19 em Manaus para São Luiz . (Foto: Márcio James/Amazônia Real)
Transferência de pacientes com covid-19 em Manaus para São Luiz . (Foto: Márcio James/Amazônia Real)
Transferência de pacientes com covid-19 em Manaus para São Luiz . (Foto: Márcio James/Amazônia Real)

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Esta reportagem é apoiada pela Open Society Foundations dentro do projeto “Marcas da Covid-19 na Amazônia”

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