A Amazônia segundo Lúcio Flávio Pinto

Amazônia sofre

A primeira onda agressiva do novo coronavírus no Brasil começou por Manaus, que tem uma zona franca, no ano passado. Como essa onda se estendeu a Fortaleza e às demais cidades do litoral nordestino, com praias e sol, a causa […]

Cemitério do Tarumã em Manaus (Foto: Juliana Pesqueira/Amazônia Real/16/01/2021)

Por Lúcio Flávio Pinto Publicado em: 26/01/2021 às 15:46

A primeira onda agressiva do novo coronavírus no Brasil começou por Manaus, que tem uma zona franca, no ano passado. Como essa onda se estendeu a Fortaleza e às demais cidades do litoral nordestino, com praias e sol, a causa foi atribuída ao turismo internacional.

Manaus repetiu, a partir de dezembro do ano passado, a amarga primazia de liderar o ranking da doença. Agora a explicação é relacionada ao aparecimento de novas cepas do vírus, que tem uma elevada capacidade de mutação. Além de terem propagação mais fácil, elas seriam mais letais.
Daí o cenário mais alarmante criado pela segunda onda (que, na verdade, é uma extensão da primeira onda, que não chegou a se estabilizar num patamar mais baixo). À expansão dos casos e das mortes, mais o colapso da rede hospitalar, surgiu uma situação dramaticamente nova: a falta de oxigênio para o atendimento dos pacientes mais graves.

Morte de internados por asfixia em camas de hospitais provocou um choque nacional e internacional. Quem tinha dinheiro para comprar cilindros de oxigênio, tirou seus parentes e amigos do destino que foi abatendo dezenas de pessoas, voltando a intensificar os sepultamentos no cemitério de Manaus.

A reação do poder público à emergência e urgência, multiplicadas a partir do final de dezembro, não conseguiu colocar os governos à frente da doença. A continuidade dos casos e óbitos revelou a razão dessa incapacidade do Estado de abater as estatísticas negativas.

Metade da população do Amazonas se concentra em Manaus, que se tornou a 7ª cidade mais populosa do Brasil, enquanto o Estado é o 13º, e tem mais de dois terços do PIB estadual. Todos os leitos de UTI estão nos hospitais da capital. A migração do interior seria inevitável, incrementada por esse novo fator de expulsão. Quando a capacidade de absorção de Manaus se esgotou, foi preciso transferir pacientes para outros Estados do país.

Todas as atenções passaram a se concentrar no Amazonas. Mas a situação em Rondônia, o vizinho ao sul, não é melhor. Em matéria de leito hospitalar é até pior: a lotação é de 100%. Pacientes foram transportados em avião da FAB por 3,6 mil quilômetros até o Rio Grande do Sul, numa viagem demorada e desgastante para pacientes em estado delicado. Sabe-se como eles estão sendo levados. Não se pode saber como voltarão – de voltarem vivos.

Roraima também não dispõe mais de leito para pacientes de Covid. A situação em todos os Estados amazônicos se agrava, mesmo no Pará, no Acre e no Amapá, onde ainda há estabilidade nos casos e óbitos. O Pará, que é o 2º maior Estado do país e é o 9º em população, o crescimento é acentuado em todos os municípios da região Oeste, que fazem divisa com o Amazonas, atingidos pela migração das formas mais agressivas do vírus.
O governo tenta se antecipar à expansão da doença, mas já começam a faltar leitos e oxigênio nos municípios, incluindo o terceiro mais populoso, Santarém, que fica a meio caminho entre Belém e Manaus. Dos 16 Estados nos quais já se vislumbra uma crise de abastecimento, cinco estão na Amazônia (a exceção é o Acre).

Exposta a um vírus agressivo, a Amazônia revela suas deficiências e fragilidades. Por isso, é a região que mais sofre atualmente no Brasil.

Tragédia

Pacientes de Manaus foram transferidos, em 15 de janeiro, para Teresina, no Piauí
(Foto: Thiago Amaral/Amazônia Real)

O Ministério da Saúde pretende transferir de Manaus para outros Estados 1,5 mil doentes de coronavírus para liberar leitos dos congestionados hospitais da capital amazonense. Há mais de 500 pessoas na lista de espera. A média de mortes nos últimos sete dias é superior a mil. O total de casos em apenas uma semana se aproxima de 90 mil.

Mas a vacinação no município, que concentra metade da população do Estado, foi suspensa pela justiça no final da semana passada. E só será retomada quando a prefeitura apresentar a lista de prioridades para o recebimento inicial das doses, conforme o plano nacional. Isso porque foram constatadas irregularidades na seleção, com fura-filas chapas brancas

A canalhice nacional não estanca nem num momento tão dramático como o da pandemia causada por um vírus tão agressivo, mutante e mortal como o novo coronavírus. É preciso apurar devidamente as irregularidades, que podem caracterizar crimes, mas a chacina que se repete todos os dias em Manaus não pode esperar pela correção dos incríveis malfeitos da elite. Cada hora sem a medida de maior proteção, que é a aplicação da vacina, agrava o congestionamento e as mortes nos hospitais.

O transbordamento do contágio do vírus de Manaus para além das divisas amazonenses , que ainda conta com a solidariedade nacional, começa a provocar o movimento de refluxo. O Pará já fechou a divisa com o vizinho. O mesmo deverá acontecer com os outros Estados limítrofes: Rondônia, Acre e Roraima. Logo, toda Amazônia estará confinada, por fora e por dentro.

A incompetência, imperícia e despudor do poder público, sem limites, torna trágica a situação.

A imagem que abre este artigo mostra mais um um sepultamento no Cemitério Nossa Senhora de Aparecida, no Tarumã, zona oeste de Manaus (Foto: Juliana Pesqueira/Amazônia Real/16/01/2021)

Além de colaborar com a agência Amazônia Real, Lúcio Flávio Pinto mantém quatro blogs, que podem ser consultados gratuitamente nos seguintes endereços:

* lucioflaviopinto.wordpress.com – acompanhamento sintonizado no dia a dia.

* valeqvale.wordpress.com – inteiramente dedicado à maior mineradora do país, dona de Carajás, a maior província mineral do mundo.

* amazoniahj.wordpress.com – uma enciclopédia da Amazônia contemporânea, já com centenas de verbetes, num banco de dados único, sem igual.

* cabanagem180.wordpress.com – documentos e análises sobre a maior rebelião popular da história do Brasil.

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Sobre a matéria

Lúcio Flávio Pinto

Lúcio Flávio Pinto é jornalista desde 1966. Sociólogo formado pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em 1973. Editor do Jornal Pessoal, publicação alternativa que circula em Belém (PA) desde 1987. Autor de mais de 20 livros sobre a Amazônia, entre eles, Guerra Amazônica, Jornalismo na linha de tiro e Contra o Poder. Por seu trabalho em defesa da verdade e contra as injustiças sociais, recebeu em Roma, em 1997, o prêmio Colombe d’oro per La Pace. Em 2005 recebeu o prêmio anual do Comittee for Jornalists Protection (CPJ), em Nova York, pela defesa da Amazônia e dos direitos humanos. Lúcio Flávio é o único jornalista brasileiro eleito entre os 100 heróis da liberdade de imprensa, pela organização internacional Repórteres Sem Fronteiras em 2014. Acesse o novo site do jornalista aqui www.lucioflaviopinto.com.