Entre Orgânicos e Agrotóxicos

FÁTIMA GUEDES Hipócrates, Pai da Medicina, anunciara soberanamente: “Que teu alimento seja teu remédio e teu remédio seja teu alimento”. Na sapiência do Filósofo, confirma-se o oráculo de que a porta de entrada da Saúde é a nossa boca […]

Por Amazônia Real Publicado em: 08/06/2015 às 17:40

Participantes da oficina sobre Orgânicos na Comunidade do Açaí, Gleba Vila Amazônia. (Foto: Floriano Lins)

FÁTIMA GUEDES

Hipócrates, Pai da Medicina, anunciara soberanamente: “Que teu alimento seja teu remédio e teu remédio seja teu alimento”. Na sapiência do Filósofo, confirma-se o oráculo de que a porta de entrada da Saúde é a nossa boca sob o comando da razão e do modelo de estado.

Na semana de 24 a 30 de maio, passado, o Ministério da Agricultura em parceria com outros ministérios, além de organizações não governamentais lançaram a Campanha Nacional dos Produtos Orgânicos. No geral, a campanha objetivara envolver a comunidade brasileira e ao mesmo tempo trazer esclarecimentos sobre produtos orgânicos, benefícios ambientais, sociais, nutricionais, estimulando produção, consumo e qualidade de vida.

Considerando-se as relações amigáveis, ou melhor, interdependentes, entre Governo Federal e a bancada ruralista que dita as regras na política de alimentos no País, a Campanha provocou certo estranhamento em setores da agricultura familiar assim como em movimentos sociais contrários aos transgênicos e agrotóxicos. Nesse sentido, é válido aguçar a criticidade sobre as intenções do Ministério da Agricultura e congêneres, tendo em vista que a titular da pasta, Sra. Kátia Abreu, adepta e defensora dos agrotóxicos, aponta-os como saída para alimentar os pobres do País, tendo em vista o barateamento desses derivados. A afirmativa sobre as tendências da Ministra confirma-se em seu discurso, no Senado da República, e veiculado no documentário de Silvio Tendler – O veneno está na mesa I.

Outro estranhamento em relação à Campanha dos Orgânicos: em nenhum momento, posiciona-se contra os agrotóxicos; é como se fossem duas campanhas paralelas para agradar ruralistas e iludir agricultores orgânicos: vence quem tem mais poder político e financeiro.

Na melhor das hipótese, a Campanha dos Orgânicos foi encarada com otimismo no geral dos movimentos sociais, tendo em vista a brecha que se abre na rígida estrutura do Institucional para se pensar, discutir e até quem sabe interferir em questões relativas à Segurança e Soberania Alimentar.

Retomando-se a contribuição do Pai da Medicina, o presente debate se oferece ainda como oportunidade ímpar para um entendimento prático e racional sobre os conceitos comida e alimento. Em se tratando do primeiro, é tudo aquilo que se come indiscriminadamente, sem qualquer critério avaliativo, isto é, o que se ingere acreditando-se matar a fome; o segundo termo, vem do latim – toda substância que, ingerida, alimenta ou nutre o físico com influências sobre o psíquico. Por esse viés, vale refletir que o termo não pode associar-se simplesmente a questões fisiológicas; a abordagem exige interlocução social, política e cultural. Nessa perspectiva, nem tudo o que entra pela boca e aparentemente camufla a fome pode ser considerado alimento e provedor de saúde.

Em verdade, nem tudo o que é legal é justo. Quem nos comprova o dito é Alan Tygel, da Campanha Nacional contra os Agrotóxicos e Pela Vida: Tomando-se por base o número populacional, em 2014, cada brasileiro consumiu 7,3 litros de agrotóxico. Ainda que este volume todo não chegue diretamente a nossa mesa, vai nos encontrar algum dia pela terra, pela água ou pelo ar. O veneno não desaparece, como querem fazer crer aqueles que enriquecem com ele.

Na sequência dos argumentos, é pertinente fazer um comparativo entre os hábitos alimentares e os modos de vida das populações antigas com a lógica adotada na atualidade, via políticas de alimentos: aquelas populações usufruíam de excelente qualidade de vida; raramente adoeciam e, quando morriam, geralmente era de velhice, isto é, depois de terem cumprido todo um ciclo existencial de forma saudável e natural. E se pergunta sobre o segredo, certamente, a resposta se encontra na qualidade dos alimentos que produziam e consumiam como também nos modos de vida compatíveis ao bem viver daquelas comunidades.

Oficina sobre Orgânicos na Comunidade do Açaí, Gleba Vila Amazônia. (Foto: Floriano Lins)

Essa realidade começa sofrer impactos devastadores após a segunda guerra mundial, quando o bloco imperialista impôs aos países dependentes a tal “revolução verde”. De lá pra cá, a terra e os demais recursos foram transformados em mercadoria, em fonte de lucro transnacionalizado. Daí, o alimento saiu da terra e virou comida enlatada, engarrafada, ensacolada, até o tucupi de conservantes e de outros produtos nocivos, atufalhando o mercado da comida. No reboque, sacolas, garrafas, vidros e latarias vão parar em lixões descontrolados e sem soluções, comprometendo, por fim, a sadia qualidade de vida do Planeta e de seus habitantes, independentemente da espécie.

A partir das considerações, a Campanha dos Produtos Orgânicos, apesar das contradições de ordem político-estrutural, se oferece como canteiro propício para o possível florescimento dessa semeadura, uma oportunidade para a construção de outro modelo de sustentabilidade alicerçado na Agricultura Familiar e na Participação Popular. Para isso é necessária a criação de espaços dialógicos de sensibilização com temas sobre Democracia Participativa, Soberania Alimentar, Saberes e Práticas Popular/Tradicionais de Saúde, “Canteiros de Sementes Nativas”, Viveiros Comunitários, Arborização de logradouros públicos e quintais domésticos, Campanhas permanentes de Educação Ambiental e Enfrentamento aos Agrotóxicos.

Em remate, entre a comida a que nos viciaram e o consumo de drogas, há uma estreita relação: ambas contaminam, viciam, matam e se consolidam no tráfico. No caso da comida brasileira, quem controla o tráfico de influências é o agronegócio sob total apoio dos que comandam esse País… E haja brasileiro morrendo pela boca sem que nenhum político seja responsabilizado.

Até o Tucupi – no parintinês, transbordante.

Atufalhando – aglomerando.

Fátima Guedes é educadora popular e pesquisadora de conhecimentos tradicionais da Amazônia. Graduada em Letras pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), tem especialização em Estudos Latino-Americanos pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) em parceria com a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) em Guararema (SP). É também fundadora da Associação de Mulheres de Parintins, da Articulação Parintins Cidadã e Militante da Marcha Mundial das Mulheres.

Reportagem Noticiosa

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