Philip M. Fearnside

A decepção do Brasil ameaça metas climáticas

Por Amazônia Real Publicado em: 01/02/2022 às 15:48

Por Lucas Ferrante e Philip M. Fearnside

Publicamos uma carta na prestigiada revista Science [1] em 23 de dezembro de 2021, disponível aqui, que explica como as promessas enganadores do Brasil ameaçam as metas climáticas globais. Segue uma tradução do conteúdo:

O agronegócio brasileiro tem liderado um lobby responsável pelo desmantelamento da legislação ambiental e indígena do país [2]. No período que antecedeu a 26^a Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26), o Brasil começou a propor políticas que foram apresentadas de forma enganosa como benéficas ao meio ambiente. As propostas feitas pelo Ministro do Meio Ambiente do Brasil na COP26 seguiram o mesmo padrão [3].

No prelúdio da COP26, um projeto de lei (PL 528/2021), apoiado pelo lobby “ruralista”, avançou no Congresso Nacional para criar o “Mercado Brasileiro de Reduções de Emissões”. A proposta do mercado brasileiro não é investir principalmente na redução do desmatamento, mas sim em medidas como pagar aos plantadores de soja para usar o plantio direto, um subsídio que não traz benefícios climáticos, sendo que esse método é mais barato e, portanto, seria adotado mesmo sem subsídio [4]. O mercado também subsidiaria o plantio de árvores em áreas desmatadas, em um esforço para recuperar as Áreas de Proteção Permanente (APPs) que os fazendeiros derrubaram ilegalmente [5]. Felizmente, o projeto de lei foi suspenso em 09 de novembro [6]; se promulgada, como é provável, teria benefícios limitados para mitigar o aquecimento global. Políticas eficazes impediriam o desmatamento, o que protegeria o ciclo da água, a biodiversidade e os povos tradicionais da floresta. O meio ambiente do Brasil poderia ter muito a ganhar com um mercado de carbono [7], mas o país estaria melhor sem esse projeto de lei [8].

Três semanas antes da COP26, a administração presidencial do Brasil lançou seu “programa de crescimento verde”. O programa não contém medidas específicas, metas numéricas ou cronogramas [9]. A principal promessa do Brasil é alcançar o “desmatamento ilegal zero”, prometido até 2030 no Acordo de Paris e novamente na COP26. No entanto, isso pode ser alcançado tanto pela interrupção do desmatamento quanto pela simples legalização da derrubada que está ocorrendo, e o Brasil está optando por esta última [10].

Na apresentação do país na COP26, o Brasil alterou suas contas de emissões de gases de efeito estufa, mudando para uma estimativa mais alta de emissões no ano-base antes de calcular sua redução percentual prometida de emissões [11]. Além disso, o ano-base escolhido pelo Brasil (2005) engana, porque está próximo do notório pico de desmatamento de 2004 [11]. Isso torna a promessa do Brasil de reduzir suas emissões em 50% até 2030, em vez de apenas 43%, sem sentido [11]. Além disso, a proposta brasileira da COP26 exige pagamento de outros países pelos serviços ambientais da Amazônia [5]. No entanto, o pagamento aparentemente simplesmente complementaria o orçamento nacional, em vez de ser destinado a ações ambientais [5].

A atual postura do Brasil em questões ambientais deve ser vista como uma ameaça global. Existem vários caminhos legais para obrigar o cumprimento das promessas “não vinculativas” feitas na COP26 [12]. O Brasil também pode ser induzido a cumprir pelos países importadores de commodities brasileiras, especialmente a China [13]. Dada a ameaça que o agronegócio brasileiro representa para os esforços globais de contenção das mudanças climáticas, os países importadores devem condicionar suas compras a reduções anuais de desmatamento e emissões alinhadas às promessas da COP26.

A imagem que abre este artigo mostra cadeiras vazias no palco na abertura do Pavilhão do Brasil na COP 26 que foi simultâneo em Brasília e em Glasgow em 01 de novembro de 2021 com a participação do presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade, participa, de Brasília, da abertura do pavilhão Brasil-Glasgow na Cop-26, junto com o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite e Márcio Rodrigues – Gerente de Agronegócio da APEX; Tereza Cristina – Ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; Anderson Torres – Ministro da Justiça e Segurança Pública; Marta Giannichi, Secretaria da Amazônia e Serviços Ambientais do Ministério do Meio Ambiente. (Foto: MMA/Divulgação).

Notas

[1] Ferrante, L. & P.M. Fearnside. 2021. Brazil’s deception threatens climate goals. Science 374: 1569.

[2] Vale, L.M.M., E. Berenguer, M.A. de Menezes, E.B.V. de Castro, L.P. de Siqueira & R.C.Q. Portela. 2021. The COVID-19 pandemic as an opportunity to weaken environmental protection in Brazil. Biological Conservation 255: art. 108994.

[3] Angelo, C., F. Werneck, N. Afonso & S. Watanabe Jr. 2021. Na COP26, ministro mente sobre ambição de meta climática do Brasil. O Eco, 10 de novembro de 2021. https://oeco.org.br/reportagens/na-cop26-ministro-mente-sobre-ambicao-de-meta-climatica-do-brasil/

[4] Ofstehage, A. & R. Nehring. 2021. No-till agriculture and the deception of sustainability in Brazil. International Journal of Agricultural Sustainability 19: 335-348. https://doi.org/10.1080/14735903.2021.1910419

[5] Fearnside, P.M. 2021. COP-26: O Papel dos Povos Indígenas da Amazônia no Combate ao Aquecimento Global. Amazônia Real, 21 de outubro de 2021. https://amazoniareal.com.br/cop-26-o-papel-dos-povos-indigenas-da-amazonia-no-combate-ao-aquecimento-global/

[6] Amaral, A.C. 2021. Governo Bolsonaro barra votação sobre mercado de carbono na Câmara. Folha de São Paulo, 12 de novembro de 2021.

[7] Fearnside, P.M. 2013. What is at stake for Brazilian Amazonia in the climate negotiations? Climatic Change 118: 509-519. https://doi.org/10.1007/s10584-012-0660-9

[8] Grupo Carta de Belém. 2021.Com tramitação a toque de caixa, PL 528 quer regular Mercado Brasileiro de Redução de Emissões. Grupo Carta de Belém, 21 de setembro de 2021.

[9] Caram, B. & M. Vargas. 2021. Governo prepara ‘programa de crescimento verde’ para investidores, mas Economia pediu regras ambientais frouxas,” Folha de São Paulo, 23 de setembro de 2021.

[10] Ferrante, L., M.B.T. Andrade & P.M. Fearnside. 2021. Land grabbing on Brazil’s Highway BR-319 as a spearhead for Amazonian deforestation. Land Use Policy 108: art. 105559.

[11] Observatório do Clima (OC). 2021. Nova meta do Brasil no clima reduz pedalada, mas não a Vergonha. OC, 01 de novembro de 2021.

[12] Catanos, J. 2021. COP26: Are climate declarations and emission reduction pledges legally binding? Mongabay, 11 de novembro de 2021.

[13] Kehoe, L., T. Reis, M. Virah-Sawmy, A. Balmford, T. Kuemmerle & 604 Signatários. 2019. Make EU trade with Brazil sustainable. Science 364: 341.

Os Autores

Lucas Ferrante é doutorando em Biologia (Ecologia) no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Tem pesquisado agentes do desmatamento, buscando políticas públicas para mitigar conflitos de terra gerados pelo desmatamento, invasão de áreas protegidas e comunidades tradicionais, principalmente sobre Terras indígenas e Unidades de Conservação na Amazônia.

Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 700 publicações científicas e mais de 500 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis aqui.

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Sobre a matéria

Citações

"A atual postura do Brasil em questões ambientais deve ser vista como uma ameaça global. Existem vários caminhos legais para obrigar o cumprimento das promessas “não vinculativas” feitas na COP26"

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